Wednesday, January 29, 2014

Escritor refratário ao sucesso

Pedro J. Bondaczuk

A obra literária do baiano Oswaldo Dias da Costa, em ficção e em não-ficção, é relativamente escassa. Consiste, se não me falha a memória, de três livros publicados. Ou melhor, a rigor, considera-se que, de fato, foram quatro os que publicou, já que o primeiro a ser lançado foi escrito a “seis mãos”. “Como?”, perguntará o leitor intrigado, como eu fiquei. Ocorre que, em 1929, ele escreveu uma novela, em parceria com dois dos seus maiores amigos e companheiros da Academia dos Rebeldes: Jorge Amado e Edison Carneiro. O livro em questão recebeu o título de “Lenita” e foi publicado um ano depois, no Rio de Janeiro, por Coelho Branco Filho Editor.

Se já são raras as parcerias literárias envolvendo dois escritores, imaginem as de três! Não afirmo que não existam, mas não conheço nenhuma (a não ser esta, que citei). O curioso é que nem Dias da Costa, nem Edison Carneiro e muito menos Jorge Amado reconhecem a “paternidade” dessa novela. Todos os três renegaram-na. Todavia, o livro existe: foi escrito, publicado e vendido. Portanto, queiram ou não seus autores (pelo menos oficialmente) essa publicação desprezada por eles consta, mesmo que à revelia, de seus respectivos currículos. E, cá para nós, supondo que seja um livro muito ruim (o que não é), “Lenita” não conseguiria depreciar a obra posterior desse trio de ouro da ficção brasileira. Vá se entender a cabeça de determinados escritores! Enfim, fica registrado que os três renegaram essa novela até a hora da morte.

Os outros três livros de Dias da Costa foram: “Canção do beco” (Editora Guaíra, Rio de Janeiro), um primor literário, considerado como sua obra-prima; “Mirante dos aflitos” (Difusão Europeia do Livro), ambos de contos e “Bumba-meu-boi” (Caderno de Folclore-Companhia Nacional de Folclore-MEC), uma espécie de ensaio sobre essa importante manifestação folclórica brasileira. Nosso personagem, apesar de nunca haver se empolgado com a Literatura e de, no final da vida, ter confessado seu profundo desencanto e decepção em relação à atividade, foi daqueles escritores de poucos livros, mas todos fundamentais para as letras.

Tanto isso é verdade, que mesmo transcorridos 34 anos da sua morte (ocorrida, no Rio de Janeiro, em 6 de fevereiro de 1979, aos 72 anos de idade), não há uma única antologia de ficção que se preze que não tenha um conto seu. Inclusive “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como referência para esta série de estudos sobre os principais ficcionistas baianos. Suas histórias são profundas, humanas, cheias de piedade e compreensão pelos que sofrem em  que se destaca sua profunda solidariedade para com os fracos e oprimidos. Não há como não gostar dos seus contos. São coisas de gênio.

Pena que Dias da Costa publicasse tão pouco. E olhem que tinha tudo na mão para lançar livros e mais livros. Por exemplo, foi chefe de publicidade de uma das maiores editoras do País no seu tempo, a José Olympio, no Rio de Janeiro, cargo em que sucedeu o amigo Jorge Amado e que assumiu por indicação deste. Seu livro “Canção do beco”, composto por 22 histórias, cada uma melhor do que a outra, foi muitíssimo bem recebido tanto pela crítica, quanto pelo público. Esgotou, rapidamente, a primeira edição. Todavia, quando a editora o procurou para lançar uma segunda (e provavelmente, terceira, quarta e vai por aí afora), ele recusou, argumentado que essa obra impecável tinha inúmeras falhas (que, evidentemente, não tinha).

O mesmo ocorreu em relação a “Mirante dos aflitos”, lançado apenas 21 anos depois do livro de estréia (se considerarmos que este não foi “Lenita”, que ele renegou). Foi uma edição caprichada, nos mínimos detalhes, do tipo que consagra qualquer escritor, oportunidade que todos eles aspiram e com a qual sonham. Essa obra integrava a coleção “Novela Brasileira”, dirigida por ninguém menos que Bráulio Pedroso, com capa e ilustrações de Glauco Rodrigues. O livro foi estrondoso sucesso de público. Esgotou rapidamente nas prateleiras das livrarias. Mas... Dias da Costa não aproveitou esse momento em que estava na crista da onda. E mais uma vez...

Em 1963, quando da publicação de “Histórias da Bahia”, ocasião em que estava com 56 anos de idade, era voz corrente, confirmada, inclusive, pelo próprio escritor, que ele estava preparando dois novos livros. Um deles, provavelmente, foi “Mirante dos aflitos”. Já o outro, que seria de memórias... ninguém sabe e ninguém viu. Se o escreveu, não o publicou. Não consta de nenhum catálogo de qualquer editora e não há a mínima referência de que chegou a “existir”. Foi uma pena, claro!

É o primeiro caso que conheço – e nem sei se existe algum outro – em que uma pessoa, e não importa sua atividade, recusa o “sucesso”, por não acreditar nele. Quem conhece sua história pessoal, a forma como morreu, esquecido, abandonado, quase cego, enfrentando inúmeros problemas financeiros, talvez até lhe dê alguma razão. Porquanto, mesmo fugindo da fama e do lado bom (pouca coisa) que esta proporciona, Dias da Costa não deixou de ser famoso, pelo menos no seu meio. No entanto... quando mais precisou de solidariedade e amparo, não pôde contar com ninguém. Tanto que, quando morreu, deixou sua amada esposa, Beatriz da Costa (com quem havia se casado em 1930), praticamente na indigência. Ela sofreu um derrame, seguido de esclerose, e terminou seus dias em um asilo de idosos, o que, certamente, seu ilustre e talentoso marido jamais quis.


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