Escritor refratário ao
sucesso
Pedro
J. Bondaczuk
A obra literária do
baiano Oswaldo Dias da Costa, em ficção e em não-ficção, é relativamente
escassa. Consiste, se não me falha a memória, de três livros publicados. Ou
melhor, a rigor, considera-se que, de fato, foram quatro os que publicou, já
que o primeiro a ser lançado foi escrito a “seis mãos”. “Como?”, perguntará o
leitor intrigado, como eu fiquei. Ocorre que, em 1929, ele escreveu uma novela,
em parceria com dois dos seus maiores amigos e companheiros da Academia dos
Rebeldes: Jorge Amado e Edison Carneiro. O livro em questão recebeu o título de
“Lenita” e foi publicado um ano depois, no Rio de Janeiro, por Coelho Branco
Filho Editor.
Se já são raras as
parcerias literárias envolvendo dois escritores, imaginem as de três! Não
afirmo que não existam, mas não conheço nenhuma (a não ser esta, que citei). O
curioso é que nem Dias da Costa, nem Edison Carneiro e muito menos Jorge Amado
reconhecem a “paternidade” dessa novela. Todos os três renegaram-na. Todavia, o
livro existe: foi escrito, publicado e vendido. Portanto, queiram ou não seus
autores (pelo menos oficialmente) essa publicação desprezada por eles consta,
mesmo que à revelia, de seus respectivos currículos. E, cá para nós, supondo
que seja um livro muito ruim (o que não é), “Lenita” não conseguiria depreciar
a obra posterior desse trio de ouro da ficção brasileira. Vá se entender a
cabeça de determinados escritores! Enfim, fica registrado que os três renegaram
essa novela até a hora da morte.
Os outros três livros
de Dias da Costa foram: “Canção do beco” (Editora Guaíra, Rio de Janeiro), um
primor literário, considerado como sua obra-prima; “Mirante dos aflitos”
(Difusão Europeia do Livro), ambos de contos e “Bumba-meu-boi” (Caderno de
Folclore-Companhia Nacional de Folclore-MEC), uma espécie de ensaio sobre essa
importante manifestação folclórica brasileira. Nosso personagem, apesar de
nunca haver se empolgado com a Literatura e de, no final da vida, ter
confessado seu profundo desencanto e decepção em relação à atividade, foi
daqueles escritores de poucos livros, mas todos fundamentais para as letras.
Tanto isso é verdade,
que mesmo transcorridos 34 anos da sua morte (ocorrida, no Rio de Janeiro, em 6
de fevereiro de 1979, aos 72 anos de idade), não há uma única antologia de
ficção que se preze que não tenha um conto seu. Inclusive “Histórias da Bahia”
(Edições GDR, 1963), que tomei como referência para esta série de estudos sobre
os principais ficcionistas baianos. Suas histórias são profundas, humanas,
cheias de piedade e compreensão pelos que sofrem em que se destaca sua profunda solidariedade
para com os fracos e oprimidos. Não há como não gostar dos seus contos. São
coisas de gênio.
Pena que Dias da Costa
publicasse tão pouco. E olhem que tinha tudo na mão para lançar livros e mais
livros. Por exemplo, foi chefe de publicidade de uma das maiores editoras do
País no seu tempo, a José Olympio, no Rio de Janeiro, cargo em que sucedeu o
amigo Jorge Amado e que assumiu por indicação deste. Seu livro “Canção do
beco”, composto por 22 histórias, cada uma melhor do que a outra, foi
muitíssimo bem recebido tanto pela crítica, quanto pelo público. Esgotou, rapidamente,
a primeira edição. Todavia, quando a editora o procurou para lançar uma segunda
(e provavelmente, terceira, quarta e vai por aí afora), ele recusou,
argumentado que essa obra impecável tinha inúmeras falhas (que, evidentemente,
não tinha).
O mesmo ocorreu em
relação a “Mirante dos aflitos”, lançado apenas 21 anos depois do livro de
estréia (se considerarmos que este não foi “Lenita”, que ele renegou). Foi uma
edição caprichada, nos mínimos detalhes, do tipo que consagra qualquer
escritor, oportunidade que todos eles aspiram e com a qual sonham. Essa obra
integrava a coleção “Novela Brasileira”, dirigida por ninguém menos que Bráulio
Pedroso, com capa e ilustrações de Glauco Rodrigues. O livro foi estrondoso
sucesso de público. Esgotou rapidamente nas prateleiras das livrarias. Mas...
Dias da Costa não aproveitou esse momento em que estava na crista da onda. E
mais uma vez...
Em 1963, quando da
publicação de “Histórias da Bahia”, ocasião em que estava com 56 anos de idade,
era voz corrente, confirmada, inclusive, pelo próprio escritor, que ele estava
preparando dois novos livros. Um deles, provavelmente, foi “Mirante dos
aflitos”. Já o outro, que seria de memórias... ninguém sabe e ninguém viu. Se o
escreveu, não o publicou. Não consta de nenhum catálogo de qualquer editora e
não há a mínima referência de que chegou a “existir”. Foi uma pena, claro!
É o primeiro caso que
conheço – e nem sei se existe algum outro – em que uma pessoa, e não importa
sua atividade, recusa o “sucesso”, por não acreditar nele. Quem conhece sua
história pessoal, a forma como morreu, esquecido, abandonado, quase cego,
enfrentando inúmeros problemas financeiros, talvez até lhe dê alguma razão.
Porquanto, mesmo fugindo da fama e do lado bom (pouca coisa) que esta
proporciona, Dias da Costa não deixou de ser famoso, pelo menos no seu meio. No
entanto... quando mais precisou de solidariedade e amparo, não pôde contar com
ninguém. Tanto que, quando morreu, deixou sua amada esposa, Beatriz da Costa
(com quem havia se casado em 1930), praticamente na indigência. Ela sofreu um
derrame, seguido de esclerose, e terminou seus dias em um asilo de idosos, o
que, certamente, seu ilustre e talentoso marido jamais quis.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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