Wednesday, January 15, 2014

Obra e memória ao sabor do acaso

Pedro J. Bondaczuk

A perenidade ou efemeridade de nossas obras, não importa se materiais ou intelectuais, se artísticas ou de outra natureza qualquer, depende, em grande parte (diria na maior) do acaso. Muitos, sem se darem o trabalho de refletir sobre o óbvio, perguntam, já com a resposta (negativa) engatilhada: “Por que todo esse empenho pela preservação? Não seria por excesso de vaidade”? Eu responderia: “também”. Mas não é só isso.

Ninguém empenha todo seu talento, suas forças, seu tempo e tudo o que é e o que tem para produzir obras do tipo “prêt-à-porter”, do “use e jogue fora”. Seria suprema burrice se houvesse alguém que o fizesse. Todos querem algum resultado, não importa se financeiro ou se de outra natureza. Neste caso, o que prevalece, no autor, não é a vaidade (embora esta possa, e geralmente, esteja presente, ou onipresente). Trata-se de ser prático. De abominar o desperdício (no caso, de talento e de esforço), ou seja, de evitar fazer muito, ou algo, por nada. Da minha parte, quero, e muito, que algum dos meus textos, se possível todos, se preservem e permaneçam muito além da minha morte (na verdade, meu desejo e empenho é que me sobrevivam para “sempre”, se é que isso seja possível. Desconfio que não é). E embora vaidoso, como todo o mundo, não é a vaidade que me move. É um certo “que” de idealismo e de senso prático.

E o que esse assunto tem a ver com a série de estudos que venho partilhando com você, caríssimo e requisitado leitor, sobre os principais ficcionistas baianos, tomando por referência a antologia de contos “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963)? Tem muito! Tanto que resolvi, hoje, abrir este extenso parêntese para trazer o tema à baila. O assunto me foi suscitado após analisar o que ocorreu com um dos personagens desta série, A. Mendes Netto, do qual o pesquisador encontra imensas dificuldades até para saber o verdadeiro nome (o que significa esse “A” abreviado, André, Antonio, Amilcar ou outro prenome qualquer?). É verdade que restam seus livros, posto que restritos a algumas raras bibliotecas e a um ou outro sebo. Mas é pouco, muito pouco, irrisório, um quase nada para quem demonstrou ter tamanho talento.

A esse propósito, um leitor fez uma observação, por e-mail, sobre algo em que também pensei. Indagou: “Os escritores, acaso, não têm parentes (esposa, filhos, netos etc.) ou amigos ou admiradores para se empenharem pela preservação de seu patrimônio literário e de sua memória”? Salvo alguma rara exceção, têm! E por que, então, eles não batalham por essa causa, que de uma forma ou de outra, também lhes diz respeito? Bem, as circunstâncias e as ações (ou omissões) são múltiplas.

Alguns, até que se empenham, fazem o que lhes é possível, mas encontram invariáveis “ouvidos moucos”. Talvez (provavelmente) adotem estratégias equivocadas, no mínimo inadequadas, e por isso fracassam. Tentam, tentam, tentam e, por fim, desanimam. Afinal, têm as próprias vidas, com os respectivos interesses pessoais, para tocar. Provavelmente, não contam com redes de relacionamento adequadas. Não conhecem, por exemplo, jornalistas da área de cultura para divulgar as obras do parente escritor morto. Enfim, esbarram no mesmo obstáculo que nós, literatos na ativa, confrontamos a todo o momento: as dificuldades, em alguns casos insuperáveis, de divulgação. Creio que esta é uma realidade que a maioria dos freqüentadores deste espaço conhece de sobejo. Tanto, que não precisa ser detalhada.

Há os que conseguem sucesso relativo, que transformam até as casas do parente escritor, por exemplo, em museus, onde reúnem todo seu acervo, obtêm patrocínio valendo-se da escassa e mal-aproveitada legislação de incentivo à cultura. Mantêm, por certo tempo, viva a memória e a obra do pai (ou marido, ou filho, ou irmão, não importa). Mas...desconheço quem consiga isso o tempo todo. Pode até existir, porém... Passados alguns anos (às vezes meses) o entusiasmo inicial esfria, o museu fica às moscas, as despesas se acumulam e o empreendimento fracassa. Há, ainda, aqueles que não partilham com a parentela suas atividades literárias, por não julgarem essa partilha importante. Ou que, mesmo tentando partilhar, esses parentes não mostram o menor interesse por elas. Isso acontece. Tomo por base o meu caso.

Tenho algumas centenas, ou alguns milhares de leitores espalhados pela imensidão deste país continente. Mas, para meu desgosto e decepção, nenhum deles é meu filho. Estes têm outros interesses, que não a Literatura. Nunca sequer abriram um único dos quatro livros que publiquei. Imaginem os dezoito inéditos! Nem pensar! Não lêem meus textos na internet e nem as críticas e elogios que outros escrevem sobre mim. Desconhecem o gênero que mais exploro, meu estilo, minha forma de narrar e tudo mais. Não sabem nada, rigorosamente nada do pai escritor. Como sou um sujeito liberal, sem nenhum vezo ditatorial, não os obrigo a isso. Aliás, não os forço a nada. Eles têm lá suas vidas e eu a minha. Posso esperar, pois, deste lado qualquer empenho para preservar minha memória e minha obra? Claro que não! E que não se entenda isso como eventual crítica. Não é. É simples constatação. E não sou o único nessa situação. Não sou exceção e, até, provavelmente, seja a regra.

Estas considerações podem parecer, a muitos desavisados, sombrias, amargas e profundamente pessimistas. Engano. Até porque, por questão de temperamento, sou um sujeito positivo, otimista e não raro inocente, de tão crédulo que sou. Acredito sempre no melhor. O que constatei a propósito é a lídima expressão da realidade, que qualquer pessoa atenta pode, facilmente, constatar. Por saber que as coisas são como são, e por amar tanto a literatura e, sobretudo, a justiça, é que me empenho tanto na preservação da memória e da obra daqueles a quem tanto devo, pelas inestimáveis lições que me ensinaram, na ingenuiníssima (admito) esperança de que alguém, algum dia e em algum lugar aja da mesma forma em relação ao que sou e ao que faço. Viram como sou otimista? Afinal, confio no acaso!!!


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