Capital
humano
Pedro J. Bondaczuk
O
maior capital com que um país pode contar, para promover grandeza e
desenvolvimento, não é o financeiro e nem o constituído por reservas minerais
ou vegetais (por mais profusas, raras e preciosas que estas matérias-primas
sejam). E nem contar com imensa reserva de moeda forte. É o fator humano. É a
existência de um povo saudável, educado e produtivo. É a distribuição
equitativa de riquezas.
Mas
no Brasil, a julgar pelas estatísticas nacionais e principalmente de organismos
internacionais, o investimento no homem é ainda secundário. Já foi pior, é
verdade, mas ainda está longe do ideal. O País ocupa a 73ª colocação no
"ranking" do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações
Unidas. Esse indicador leva em conta não exatamente a performance econômica de
determinado Estado nacional, embora esta conte, sem dúvida, mas as vantagens,
por exemplo, que o crescimento do Produto Interno Bruto traz para seus
habitantes.
É
calculado com base no tripé saúde (expectativa de vida), educação e renda real
ajustada. Exatamente os três aspectos em que o Brasil é mais deficiente e dá
vexame quando confrontado com países muito menores e de incipiente projeção
mundial. Em termos de América Latina, o Índice de Desenvolvimento Humano
brasileiro está abaixo, entre outros, da Argentina, do Uruguai, Chile, México,
Costa Rica, Venezuela, Colômbia e vai por aí afora. Imaginem quando a
comparação é feita com Estados Unidos, Canadá, Suécia, Japão, França, Itália,
Alemanha!
“Mas
este é um assunto para ser tratado por escritor?”, perguntará, em tom de
censura, aquele leitor mais chato, que entende (equivocadamente), que arte e
cultura tenham que ser necessariamente desvinculados da realidade, por se
tratarem de obras de criação. Obviamente não têm. Ademais, tudo e todos sempre
foram, são e serão assuntos tratáveis em Literatura, dependendo da forma como o
forem. Por isso ouso, neste espaço voltado à reflexão literária, trazer à
baila, sempre que possa, temas que aparentemente nada têm a ver com livros, mas
que no fundo sempre têm.
No
aspecto saúde, um dos itens essenciais na composição do IDH, é desnecessário
mencionar a trágica situação do Brasil. Isso principalmente depois da imprensa
ter mostrado, escancarado e comprovado, com som e imagens, em dias recentes, a
pontinha de um "iceberg" de criminosa irresponsabilidade,
representada por filas quilométricas nos prontos-socorros de hospitais, por
escandalosos desvios de verba oriunda dos tantos impostos que pagamos, por
vários meios, principalmente mediante
guias de internamento toscamente adulteradas (quando não completamente
forjadas) para assaltar os cofres públicos via ressarcimento do SUS e tantas e
tantas e tantas outras mazelas de igual porte ou piores.
Em
alguns desses documentos adulterados, inclusive, registraram-se situações
absurdas, de deixar escritores surrealistas morrendo de inveja. Duas delas,
provavelmente não as piores, porém as mais “folclóricas”, denunciadas em
reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, referem-se a
cobranças (e de valores exorbitantes) de alegada cesariana feita em paciente
masculino e de surreal cirurgia de próstata, realizada numa mulher (?!!!!).
Seria risível, não fosse trágico. Isso sem falar de morto que teria recebido
alta após custoso tratamento e de defuntos que morreram duas vezes. Que
escritor, por mais criativo, conseguiria elaborar enredo tão pitoresco e
inverossímil?
Destaque-se
que essas mazelas e atos de corrupção não são novos e talvez nem sejam sequer
os mais graves e lesivos ao sistema público de saúde e à sociedade. Fico
imaginando quanta coisa infinitamente pior não deve ter ocorrido nos “anos de
chumbo”, nas mais de duas décadas de ditadura militar, quando jornalista algum
sequer ousava em pensar em fazer alguma denúncia do tipo, quanto mais fazê-la
de fato. E se fizesse, tomaria, com toda certeza, imediato “chá de sumiço”
(isso se encontrasse jornal ou emissora de rádio ou de TV que tivessem a
coragem de veicular matéria desse tipo). Nunca mais se saberia dele. E é
provável que sequer seus restos mortais viessem a ser encontrados algum dia,
por quem quer que fosse.
Isso
tem que ficar claro para que não se pense, e nem se dê a entender aos ingênuos
(que existem aos milhões) que a corrupção no Brasil começou neste governo, ou
nos dois anteriores. Óbvio que não começou. Claro que ela não deveria existir
jamais, nem antes e nem agora. Quem sabe algum dia consigamos a façanha de
extirpar esse cancro maligno da vida pública brasileira! Afinal, sonhar (ainda)
não paga imposto! Temos que trabalhar nesse sentido, mas com realismo e verdade
e sem politizar a questão. Nesse aspecto, infelizmente, não existem
santos.
Mas,
voltando às razões do nosso IDH ser tão baixo, quanto à educação, o segundo dos
“calcanhares de Aquiles” brasileiros, ensaiam-se, timidamente, os primeiros
passos para que esse fator fundamental do desenvolvimento seja resgatado. Para
tanto, seu agente principal, o professor, tem que ser devidamente valorizado e
dignamente remunerado. Só assim ele poderá reciclar-se, atualizar-se e exercer
plenamente seu papel social. Mas ainda não é. É preciso que providências nesse
sentido sejam adotadas já e generalizadas e que tenham continuidade e não sejam
apenas tópicas. É necessária uma política educacional consistente, sábia e que
não se restrinja ao papel, ou seja, ás boas intenções. Não é, infelizmente, o
que ocorre. E de bem-intencionados o inferno está superpovoado!
A
respeito da renda brasileira, é público e notório que se trata ainda da mais
concentrada do Planeta. Em outras palavras, somos a sociedade mais injusta do
mundo. É certo que as coisas, também nesse aspecto, já foram piores. Este foi,
provavelmente, o campo em que o Brasil mais evoluiu, nos últimos três governos,
contabilizando contingente superior a 20 milhões de brasileiros que subiram de
classe social e saíram da linha de miséria.
Esses avanços poderiam ser
ainda muito mais expressivos, caso não houvesse tantos desvios de recursos
públicos. Todavia, estudos mais recentes mostram que as medidas de amparo
social adotadas até hoje, embora tendo inegáveis efeitos benéficos na
distribuição de renda, ainda estão muito longe de terem corrigido as gritantes
e seculares distorções econômicas e sociais existentes no País. Os avanços são
insuficientes até para que o Brasil ocupe melhor posição internacional quanto
ao IDH. Esta colocação só vai ser melhor quando e se o investimento humano
tornar-se prioridade, o que, atualmente, e sem politizar a questão, não é ou
não parece ser.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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