Friday, January 10, 2014

Capital humano

Pedro J. Bondaczuk

O maior capital com que um país pode contar, para promover grandeza e desenvolvimento, não é o financeiro e nem o constituído por reservas minerais ou vegetais (por mais profusas, raras e preciosas que estas matérias-primas sejam). E nem contar com imensa reserva de moeda forte. É o fator humano. É a existência de um povo saudável, educado e produtivo. É a distribuição equitativa de riquezas.

Mas no Brasil, a julgar pelas estatísticas nacionais e principalmente de organismos internacionais, o investimento no homem é ainda secundário. Já foi pior, é verdade, mas ainda está longe do ideal. O País ocupa a 73ª colocação no "ranking" do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas. Esse indicador leva em conta não exatamente a performance econômica de determinado Estado nacional, embora esta conte, sem dúvida, mas as vantagens, por exemplo, que o crescimento do Produto Interno Bruto traz para seus habitantes.

É calculado com base no tripé saúde (expectativa de vida), educação e renda real ajustada. Exatamente os três aspectos em que o Brasil é mais deficiente e dá vexame quando confrontado com países muito menores e de incipiente projeção mundial. Em termos de América Latina, o Índice de Desenvolvimento Humano brasileiro está abaixo, entre outros, da Argentina, do Uruguai, Chile, México, Costa Rica, Venezuela, Colômbia e vai por aí afora. Imaginem quando a comparação é feita com Estados Unidos, Canadá, Suécia, Japão, França, Itália, Alemanha!

“Mas este é um assunto para ser tratado por escritor?”, perguntará, em tom de censura, aquele leitor mais chato, que entende (equivocadamente), que arte e cultura tenham que ser necessariamente desvinculados da realidade, por se tratarem de obras de criação. Obviamente não têm. Ademais, tudo e todos sempre foram, são e serão assuntos tratáveis em Literatura, dependendo da forma como o forem. Por isso ouso, neste espaço voltado à reflexão literária, trazer à baila, sempre que possa, temas que aparentemente nada têm a ver com livros, mas que no fundo sempre têm. 

No aspecto saúde, um dos itens essenciais na composição do IDH, é desnecessário mencionar a trágica situação do Brasil. Isso principalmente depois da imprensa ter mostrado, escancarado e comprovado, com som e imagens, em dias recentes, a pontinha de um "iceberg" de criminosa irresponsabilidade, representada por filas quilométricas nos prontos-socorros de hospitais, por escandalosos desvios de verba oriunda dos tantos impostos que pagamos, por vários meios, principalmente  mediante guias de internamento toscamente adulteradas (quando não completamente forjadas) para assaltar os cofres públicos via ressarcimento do SUS e tantas e tantas e tantas outras mazelas de igual porte ou piores.

Em alguns desses documentos adulterados, inclusive, registraram-se situações absurdas, de deixar escritores surrealistas morrendo de inveja. Duas delas, provavelmente não as piores, porém as mais “folclóricas”, denunciadas em reportagem exibida pelo programa Fantástico, da Rede Globo, referem-se a cobranças (e de valores exorbitantes) de alegada cesariana feita em paciente masculino e de surreal cirurgia de próstata, realizada numa mulher (?!!!!). Seria risível, não fosse trágico. Isso sem falar de morto que teria recebido alta após custoso tratamento e de defuntos que morreram duas vezes. Que escritor, por mais criativo, conseguiria elaborar enredo tão pitoresco e inverossímil? 

Destaque-se que essas mazelas e atos de corrupção não são novos e talvez nem sejam sequer os mais graves e lesivos ao sistema público de saúde e à sociedade. Fico imaginando quanta coisa infinitamente pior não deve ter ocorrido nos “anos de chumbo”, nas mais de duas décadas de ditadura militar, quando jornalista algum sequer ousava em pensar em fazer alguma denúncia do tipo, quanto mais fazê-la de fato. E se fizesse, tomaria, com toda certeza, imediato “chá de sumiço” (isso se encontrasse jornal ou emissora de rádio ou de TV que tivessem a coragem de veicular matéria desse tipo). Nunca mais se saberia dele. E é provável que sequer seus restos mortais viessem a ser encontrados algum dia, por quem quer que fosse.

Isso tem que ficar claro para que não se pense, e nem se dê a entender aos ingênuos (que existem aos milhões) que a corrupção no Brasil começou neste governo, ou nos dois anteriores. Óbvio que não começou. Claro que ela não deveria existir jamais, nem antes e nem agora. Quem sabe algum dia consigamos a façanha de extirpar esse cancro maligno da vida pública brasileira! Afinal, sonhar (ainda) não paga imposto! Temos que trabalhar nesse sentido, mas com realismo e verdade e sem politizar a questão. Nesse aspecto, infelizmente, não existem santos. 

Mas, voltando às razões do nosso IDH ser tão baixo, quanto à educação, o segundo dos “calcanhares de Aquiles” brasileiros, ensaiam-se, timidamente, os primeiros passos para que esse fator fundamental do desenvolvimento seja resgatado. Para tanto, seu agente principal, o professor, tem que ser devidamente valorizado e dignamente remunerado. Só assim ele poderá reciclar-se, atualizar-se e exercer plenamente seu papel social. Mas ainda não é. É preciso que providências nesse sentido sejam adotadas já e generalizadas e que tenham continuidade e não sejam apenas tópicas. É necessária uma política educacional consistente, sábia e que não se restrinja ao papel, ou seja, ás boas intenções. Não é, infelizmente, o que ocorre. E de bem-intencionados o inferno está superpovoado!

A respeito da renda brasileira, é público e notório que se trata ainda da mais concentrada do Planeta. Em outras palavras, somos a sociedade mais injusta do mundo. É certo que as coisas, também nesse aspecto, já foram piores. Este foi, provavelmente, o campo em que o Brasil mais evoluiu, nos últimos três governos, contabilizando contingente superior a 20 milhões de brasileiros que subiram de classe social e saíram da linha de miséria.


Esses avanços poderiam ser ainda muito mais expressivos, caso não houvesse tantos desvios de recursos públicos. Todavia, estudos mais recentes mostram que as medidas de amparo social adotadas até hoje, embora tendo inegáveis efeitos benéficos na distribuição de renda, ainda estão muito longe de terem corrigido as gritantes e seculares distorções econômicas e sociais existentes no País. Os avanços são insuficientes até para que o Brasil ocupe melhor posição internacional quanto ao IDH. Esta colocação só vai ser melhor quando e se o investimento humano tornar-se prioridade, o que, atualmente, e sem politizar a questão, não é ou não parece ser.

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