Wednesday, January 01, 2014

Temos que assumir a cidadania


Pedro J. Bondaczuk


A leitura do processo que condenou Tiradentes à morte e que redundou na sua execução na forca, há 200 anos, permite que se tenha uma visão mais precisa das dimensões de seu gesto heróico e da extensão de seu ideal.

Muita coisa que consta nos compêndios de História acerca do inconfidente mineiro está, proposital ou casualmente, distorcida. O verdadeiro Joaquim José da Silva Xavier, homem de poucas letras, mas de uma visão de vida extraordinária, é muito maior do que os historiadores retratam.

O livro “O Processo de Tiradentes”, coordenado pelo escritor português Luís F. Pereira Gil, que integra a coleção “Os Grandes Julgamentos da História” (Otto Pierre Editores, Lisboa), transcreve, na íntegra, diversos interrogatórios a que o revolucionário de Minas foi submetido, desde maio de 1789, quando foi preso.

Seus depoimentos ressaltam um caráter firme, refletem um cidadão que tinha consciência de sua cidadania e estava disposto a lutar pela construção de uma pátria, obstinadamente, sacrificando a própria vida para que isso se tornasse possível.

O inconfidente mineiro, sobretudo, tinha uma fé inabalável no povo brasileiro. Tiradentes e seus companheiros pretendiam fazer uma revolução, inspirados na luta dos norte-americanos pela independência, com somente 400 soldados, conforme consta dos autos do processo.

Os revolucionários acreditavam que, como os franceses na tomada da Bastilha, a população iria aderir em massa à causa e criar, no solo de Minas Gerais, uma nova República democrática, a exemplo dos Estados Unidos. O povo, todavia, não aderiu.

Há 200 anos, como agora, a maioria dos brasileiros abriu mão do exercício de sua cidadania. As conseqüências, todos estamos sentindo na carne. Para que se tenha uma pálida idéia do grau de miserabilidade que atinge a maioria da população deste rico País, basta ler alguns trechos do livro do economista suíço Rudolf H. Strahm, “Subdesenvolvimento. Por que Somos Tão Pobres?” (Editora Vozes), pinçados ao acaso.

Como este: “Em quase todos os países em desenvolvimento, o fosso de rendas que separa os pobres dos ricos, os habitantes das cidades e os da zona rural, se aprofundou ainda mais. No Brasil, a parte dos 10% mais ricos na renda nacional passou de 39% a 51% nos anos 1960-1980, enquanto a parte dos 50% mais pobres caiu de 17% a 12%; a parte dos 20% ainda mais pobres caiu de 3.9% a 2,8%. Ainda que o Brasil tenha se tornado uma potência econômica, os pobres empobreceram ainda mais. Neste milagre econômico que é o Brasil, 1% dos mais ricos tomou uma parte do bolo econômico igual àquela que é dividida pela metade mais pobre da população”.

Certamente, não era este o País que Tiradentes sonhava construir. Strahm, em seu livro, assinala: “As favelas mais sórdidas se encontram nos países que, segundo as estatísticas, realizaram um verdadeiro milagre econômico: Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo) e México”.

Irá esta geração permitir que os ideais defendidos com a própria vida por Tiradentes se percam na mediocridade, na corrupção e no cinismo? Afinal, como disse o herói, “se todos quisermos, faremos deste país uma grande nação”.               

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 26 de abril de 1992)


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