Tuesday, January 28, 2014

Um implacável autocrítico

Pedro J. Bondaczuk

O escritor baiano Dias da Costa é um exemplo típico do autodidata, daquele que não ostenta uma relação interminável de títulos acadêmicos, mas que, ainda assim, legou à posteridade uma produção (escassa) de tamanha qualidade, que tem, necessariamente, que ser incluído entre os maiores ficcionistas da Bahia e do País. Há poucas referências biográficas a seu respeito. Porém, colhi as informações que precisava no excelente perfil que dele traçou o escritor Gil Francisco. Chamam-me a atenção, em especial, algumas particularidades da sua vida, que certamente influenciaram a sua maneira de ser, de entender e de descrever o mundo.

Oswaldo Dias da Costa é o sexto escritor, cujo conto, intitulado “Um simples farol no mar”, foi publicado na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como referência para esta série de estudos a propósito de alguns dos principais ficcionistas baianos. Nasceu em 29 de agosto de 1907, no Largo da Piedade, em Salvador. Perdeu o pai, José Dias da Costa, quando sequer havia completado sete anos de idade. A mãe, Arminda de Queiroz Costa, era portuguesa e prima do célebre romancista, Eça de Queiroz. Se isso influenciou ou não em sua vocação para a Literatura, não se sabe. Apenas se pode especular a propósito. Minha intuição, todavia, é que essa ascendência familiar, esse ilustre parentesco, teve, sim, alguma influência, embora não se possa saber quanta.

Depois de perder o pai, prematuramente, não tardou para perder também a mãe. Assim, ainda menino, ele e seus três irmãos (Jayme Dias da Costa, Walkyria Dias da Costa e Anayde Dias da Costa) foram criados pela madrinha, Dindinha Margarida, que os acompanhou, e também aos filhos dos quatro, enquanto viveu. Fica claro que o futuro escritor sempre nutriu afeição filial por essa generosa figura. E nem poderia ser diferente.

Gil Francisco informa, em seu citado perfil biográfico, sobre como e onde transcorreram os estudos de Oswaldo Dias da Costa: “(...) Começou seus estudos (aos 12 anos de idade) no Ginásio Ipiranga, onde se destacou como aluno, um dos primeiros da turma. Mais tarde, ao transferir-se para o Ginásio da Bahia para fazer o curso de Humanidades, encontrou muitas dificuldades na disciplina de matemática, principalmente nos cálculos de álgebra”. Não chegou a se formar. Após quatro anos, abandonou os bancos escolares e passou a levar vida boêmia, para desgosto de Dindinha Margarida. Convenhamos, quem conhece Salvador sabe que não faltam tentações para jovens que queiram gozar os prazeres da vida. E Dias da Costa tinha, na oportunidade, apenas 22 anos de idade.

Não tardou, porém, para entender que tinha necessidade de trabalhar para obter seu sustento. Arranjou, pois, um emprego de revisor no jornal “O Democrata”, pertencente ao Partido Democrático da Bahia. Foi lá que iniciou carreira jornalística, que duraria cinqüenta anos, desenvolvida não apenas em Salvador, mas também no Rio de Janeiro, para onde viria a se mudar anos mais tarde. Foi também nessa ocasião que descobriu a vocação literária, embora nunca tenha se dado conta do talento que tinha. Pelo contrário.

Vários dos seus amigos mais íntimos testemunham que Dias da Costa não tinha a exata noção do seu valor. Ou seja, tinha atitude diametralmente oposta da imensa maioria dos escritores, muitos dos quais se perdem pelo caminho por excesso de vaidade. No seu caso, quase se perdeu também, mas por contar com “excessiva humildade”. Tanto que publicou poucos livros e em todos eles colocou, invariavelmente, defeitos que só ele enxergava e que, por isso, não permitia que passassem da primeira edição. Dias da Costa era, antes e acima de tudo, “implacável autocrítico”. Não fosse o bom escritor que era, certamente hoje sequer saberíamos de sua existência. Felizmente, para os amantes da boa literatura, isso não aconteceu.

Dias da Costa começou a escrever – e quase sempre contos, de caráter urbano, com personagens e cenários de Salvador, sua cidade natal – antes de se empregar no jornal, em 1927, quando mal havia completado vinte anos de idade. Guardava, no entanto, seus textos, mantendo-os a salvo de “olhares indiscretos”.  Como homem ligado à imprensa, posto que em função, então, considerada “secundária”, a de revisor, não tardou a fazer amizade com jovens e promissores escritores. Daí a ligar-se ao grupo literário, liderado por Pinheiro Viegas – o que veio a ocorrer em 1929 – foi só um pulo. Esse personagem caracterizava-se pela rebeldia, péla sem cerimônia, e pela irreverência, por se opor aos cânones literários então vigentes em boa parte do País, que considerava ultrapassados e demodés, sete anos após haver ocorrido, em São Paulo, a tal “Semana da Arte Moderna de 1922”.

Não por acaso, esse grupo ficou conhecido como a “Academia dos Rebeldes”. E põe rebeldia nisso!!! Contava entre seus integrantes com figuras que, anos depois (e não muitos) comporia a nata dos escritores brasileiros, alguns com projeção mundial. Exagero meu? Não! Por exemplo, faziam parte do grupo, entre outros, figuras como Édison Carneiro, João Cordeiro, Sosigenes Costa, Alves Ribeiro, Clóvis Amorim e... Jorge Amado. Sim, caro leitor, o futuro autor de “Gabriela cravo e canela”, “Tieta do agreste”, “Jubiabá”, “Cacau”, “Suor” e tantos outros marcos da literatura, integrava a tal “Academia dos Rebeldes”. Claro que Dias da Costa só tinha a lucrar com essa companhia e com essa influência. E lucrou, posto que em sentido literário e não financeiro.

Desde então, entre outras coisas, manteve sólida amizade com Jorge Amado, que durou muitos e muitos anos. E o que esse grupo, liderado por “um velho satânico” (como era então conhecido), no caso Pinheiro Viegas, conseguiu com sua atuação? Gil Francisco revela em seu citado perfil biográfico o que: “Declarou guerra à burrice, à literatice, ao arrivismo e a outros males. O grupo destruiu, na Bahia, muita glória fácil, muita burrice fátua. Eram os jovens diabólicos, comandados por um velho satânico Viegas, que a ninguém perdoava”. E Dias da Costa era um deles.


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