Um implacável
autocrítico
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor baiano Dias
da Costa é um exemplo típico do autodidata, daquele que não ostenta uma relação
interminável de títulos acadêmicos, mas que, ainda assim, legou à posteridade
uma produção (escassa) de tamanha qualidade, que tem, necessariamente, que ser
incluído entre os maiores ficcionistas da Bahia e do País. Há poucas
referências biográficas a seu respeito. Porém, colhi as informações que
precisava no excelente perfil que dele traçou o escritor Gil Francisco.
Chamam-me a atenção, em especial, algumas particularidades da sua vida, que
certamente influenciaram a sua maneira de ser, de entender e de descrever o
mundo.
Oswaldo Dias da Costa é
o sexto escritor, cujo conto, intitulado “Um simples farol no mar”, foi
publicado na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR, 1963), que tomei como
referência para esta série de estudos a propósito de alguns dos principais
ficcionistas baianos. Nasceu em 29 de agosto de 1907, no Largo da Piedade, em
Salvador. Perdeu o pai, José Dias da Costa, quando sequer havia completado sete
anos de idade. A mãe, Arminda de Queiroz Costa, era portuguesa e prima do
célebre romancista, Eça de Queiroz. Se isso influenciou ou não em sua vocação
para a Literatura, não se sabe. Apenas se pode especular a propósito. Minha
intuição, todavia, é que essa ascendência familiar, esse ilustre parentesco,
teve, sim, alguma influência, embora não se possa saber quanta.
Depois de perder o pai,
prematuramente, não tardou para perder também a mãe. Assim, ainda menino, ele e
seus três irmãos (Jayme Dias da Costa, Walkyria Dias da Costa e Anayde Dias da
Costa) foram criados pela madrinha, Dindinha Margarida, que os acompanhou, e
também aos filhos dos quatro, enquanto viveu. Fica claro que o futuro escritor
sempre nutriu afeição filial por essa generosa figura. E nem poderia ser
diferente.
Gil Francisco informa,
em seu citado perfil biográfico, sobre como e onde transcorreram os estudos de
Oswaldo Dias da Costa: “(...) Começou seus estudos (aos 12 anos de idade) no
Ginásio Ipiranga, onde se destacou como aluno, um dos primeiros da turma. Mais
tarde, ao transferir-se para o Ginásio da Bahia para fazer o curso de
Humanidades, encontrou muitas dificuldades na disciplina de matemática,
principalmente nos cálculos de álgebra”. Não chegou a se formar. Após quatro
anos, abandonou os bancos escolares e passou a levar vida boêmia, para desgosto
de Dindinha Margarida. Convenhamos, quem conhece Salvador sabe que não faltam
tentações para jovens que queiram gozar os prazeres da vida. E Dias da Costa
tinha, na oportunidade, apenas 22 anos de idade.
Não tardou, porém, para
entender que tinha necessidade de trabalhar para obter seu sustento. Arranjou,
pois, um emprego de revisor no jornal “O Democrata”, pertencente ao Partido
Democrático da Bahia. Foi lá que iniciou carreira jornalística, que duraria
cinqüenta anos, desenvolvida não apenas em Salvador, mas também no Rio de
Janeiro, para onde viria a se mudar anos mais tarde. Foi também nessa ocasião
que descobriu a vocação literária, embora nunca tenha se dado conta do talento
que tinha. Pelo contrário.
Vários dos seus amigos
mais íntimos testemunham que Dias da Costa não tinha a exata noção do seu
valor. Ou seja, tinha atitude diametralmente oposta da imensa maioria dos
escritores, muitos dos quais se perdem pelo caminho por excesso de vaidade. No
seu caso, quase se perdeu também, mas por contar com “excessiva humildade”.
Tanto que publicou poucos livros e em todos eles colocou, invariavelmente,
defeitos que só ele enxergava e que, por isso, não permitia que passassem da
primeira edição. Dias da Costa era, antes e acima de tudo, “implacável
autocrítico”. Não fosse o bom escritor que era, certamente hoje sequer
saberíamos de sua existência. Felizmente, para os amantes da boa literatura,
isso não aconteceu.
Dias da Costa começou a
escrever – e quase sempre contos, de caráter urbano, com personagens e cenários
de Salvador, sua cidade natal – antes de se empregar no jornal, em 1927, quando
mal havia completado vinte anos de idade. Guardava, no entanto, seus textos,
mantendo-os a salvo de “olhares indiscretos”.
Como homem ligado à imprensa, posto que em função, então, considerada
“secundária”, a de revisor, não tardou a fazer amizade com jovens e promissores
escritores. Daí a ligar-se ao grupo literário, liderado por Pinheiro Viegas – o
que veio a ocorrer em 1929 – foi só um pulo. Esse personagem caracterizava-se
pela rebeldia, péla sem cerimônia, e pela irreverência, por se opor aos cânones
literários então vigentes em boa parte do País, que considerava ultrapassados e
demodés, sete anos após haver ocorrido, em São Paulo, a tal “Semana da Arte
Moderna de 1922”.
Não por acaso, esse
grupo ficou conhecido como a “Academia dos Rebeldes”. E põe rebeldia nisso!!!
Contava entre seus integrantes com figuras que, anos depois (e não muitos)
comporia a nata dos escritores brasileiros, alguns com projeção mundial.
Exagero meu? Não! Por exemplo, faziam parte do grupo, entre outros, figuras
como Édison Carneiro, João Cordeiro, Sosigenes Costa, Alves Ribeiro, Clóvis
Amorim e... Jorge Amado. Sim, caro leitor, o futuro autor de “Gabriela cravo e
canela”, “Tieta do agreste”, “Jubiabá”, “Cacau”, “Suor” e tantos outros marcos
da literatura, integrava a tal “Academia dos Rebeldes”. Claro que Dias da Costa
só tinha a lucrar com essa companhia e com essa influência. E lucrou, posto que
em sentido literário e não financeiro.
Desde então, entre
outras coisas, manteve sólida amizade com Jorge Amado, que durou muitos e
muitos anos. E o que esse grupo, liderado por “um velho satânico” (como era
então conhecido), no caso Pinheiro Viegas, conseguiu com sua atuação? Gil
Francisco revela em seu citado perfil biográfico o que: “Declarou guerra à
burrice, à literatice, ao arrivismo e a outros males. O grupo destruiu, na
Bahia, muita glória fácil, muita burrice fátua. Eram os jovens diabólicos,
comandados por um velho satânico Viegas, que a ninguém perdoava”. E Dias da
Costa era um deles.
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