Friday, January 10, 2014

Corrupção da justiça


Pedro J. Bondaczuk

O bom senso prevaleceu no episódio dos seis negros sul-africanos condenados à morte por sua suposta participação no massacre do vice-prefeito do gueto de Sharpeville, em 1984, que deveriam ser enforcados hoje, na África do Sul.

O mesmo juiz que os condenou, acolheu, ontem, uma petição de última hora, para um novo julgamento. A possibilidade dos sentenciados serem executados despertou uma onda internacional de solidariedade por suas situação, como nunca havia sido vista antes.

Nem mesmo o famoso “Caso Dreyfuss”, no final do século passado, causou tanto estardalhaço como este. A forma como os réus foram julgados é que estarreceu o mundo. Os seis de Sharpeville, como ficaram conhecidos, foram condenados à morte porque foram identificados entre as mais de 100 pessoas que lincharam e puseram fogo no corpo de Jacob Diamini, em 3 de setembro de 1984.

Os agressores agiram dessa maneira para punir a vítima, considerada delatora de seus irmãos negros junto às autoridades sul-africanas. Não se estabeleceu, sequer, se os acusados participaram, de fato, desse crime ou se somente (como todos nós fazemos em circunstâncias como essa) chegaram ao local da arruaça para saber o que estava acontecendo, movidos por pura curiosidade.

Em nenhuma das instâncias em que eles foram julgados, os juízes tiveram qualquer prova de que os cinco homens e uma mulher fossem os autores do delito. Mesmo assim, contudo, os seis foram condenados. E justamente à pena capital, a única que não permite a reparação em caso de erro judicial.

É evidente que os magistrados agiram dessa forma porque os réus são negros. Como no caso de Dreyfuss, que foi implicado numa conspiração em que o célebre capitão francês recebeu a pecha de traidor da pátria, depois de uma ridícula acusação de espionagem (que não se sustentaria, jamais, perante uma corte séria, que soubesse manter a compostura de quem tem a incumbência de ministrar esse conceito mágico e extraordinário chamado justiça) apenas por ser de origem judia.

Se é verdade que o legal e o moral nem sempre andam juntos, não é menos real que o preconceito, por parte de um juiz, configura um delito dos mais graves. Distorce sua visão dos fatos e faz com que exorbite de suas funções.

No momento em que um indivíduo veste a toga para julgar alguém, teoricamente, deixa de ser um homem, falível e sujeito a paixões. Passa a simbolizar algo de muito transcendental. É indispensável que nesse instante se dispa de todos os interesses pessoais e conceitos pré-estabelecidos, que eventualmente possua, para se ater, exclusivamente, às provas.

No momento em que um magistrado decide uma causa, ele se transforma na própria justiça. Quem não age assim, qualquer que seja o seu motivo, se corrompe. E, ao que se saiba, a corrupção também é um crime contra a sociedade à qual se propôs, um dia, a defender.     

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 18 de março de 1988)


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk     

No comments: