Corrupção
da justiça
Pedro J. Bondaczuk
O bom senso prevaleceu no episódio dos seis negros
sul-africanos condenados à morte por sua suposta participação no massacre do
vice-prefeito do gueto de Sharpeville, em 1984, que deveriam ser enforcados
hoje, na África do Sul.
O mesmo juiz que os condenou, acolheu, ontem, uma
petição de última hora, para um novo julgamento. A possibilidade dos
sentenciados serem executados despertou uma onda internacional de solidariedade
por suas situação, como nunca havia sido vista antes.
Nem mesmo o famoso “Caso Dreyfuss”, no final do
século passado, causou tanto estardalhaço como este. A forma como os réus foram
julgados é que estarreceu o mundo. Os seis de Sharpeville, como ficaram
conhecidos, foram condenados à morte porque foram identificados entre as mais
de 100 pessoas que lincharam e puseram fogo no corpo de Jacob Diamini, em 3 de
setembro de 1984.
Os agressores agiram dessa maneira para punir a
vítima, considerada delatora de seus irmãos negros junto às autoridades sul-africanas.
Não se estabeleceu, sequer, se os acusados participaram, de fato, desse crime
ou se somente (como todos nós fazemos em circunstâncias como essa) chegaram ao
local da arruaça para saber o que estava acontecendo, movidos por pura
curiosidade.
Em nenhuma das instâncias em que eles foram
julgados, os juízes tiveram qualquer prova de que os cinco homens e uma mulher
fossem os autores do delito. Mesmo assim, contudo, os seis foram condenados. E
justamente à pena capital, a única que não permite a reparação em caso de erro
judicial.
É evidente que os magistrados agiram dessa forma
porque os réus são negros. Como no caso de Dreyfuss, que foi implicado numa
conspiração em que o célebre capitão francês recebeu a pecha de traidor da
pátria, depois de uma ridícula acusação de espionagem (que não se sustentaria,
jamais, perante uma corte séria, que soubesse manter a compostura de quem tem a
incumbência de ministrar esse conceito mágico e extraordinário chamado justiça)
apenas por ser de origem judia.
Se é verdade que o legal e o moral nem sempre andam
juntos, não é menos real que o preconceito, por parte de um juiz, configura um
delito dos mais graves. Distorce sua visão dos fatos e faz com que exorbite de
suas funções.
No momento em que um indivíduo veste a toga para
julgar alguém, teoricamente, deixa de ser um homem, falível e sujeito a
paixões. Passa a simbolizar algo de muito transcendental. É indispensável que
nesse instante se dispa de todos os interesses pessoais e conceitos
pré-estabelecidos, que eventualmente possua, para se ater, exclusivamente, às
provas.
No momento em que um magistrado decide uma causa,
ele se transforma na própria justiça. Quem não age assim, qualquer que seja o
seu motivo, se corrompe. E, ao que se saiba, a corrupção também é um crime
contra a sociedade à qual se propôs, um dia, a defender.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 18 de março de 1988)
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