Wednesday, January 08, 2014

Exercício de bom senso

Pedro J. Bondaczuk

O homem não se conforma em viver apenas o presente – que de tão volátil, chega a ser praticamente mera abstração – e tenta prever o futuro, como se isso fosse possível. Acreditem-me, não é. Há, até, quem considere ser possível “viajar”, fisicamente, para esse tempo que ainda não aconteceu e que ninguém tem certeza de que irá acontecer. Talvez não aconteça nem mesmo para o suposto “vidente” e ele morra antes, bem antes, quem sabe até minutos após fazer suas previsões. Fala-se, até, na construção de alguma “máquina do tempo”, que nos leve para o futuro, com o objetivo de testemunhar o que não aconteceu. Bobagem. Falta de lógica. Perda de tempo e de fosfato. Qualquer pessoa de bom senso sabe que isso é absurdo. Não se pode prever, sequer, o que vai ocorrer, digamos, nos próximos cinco minutos, quanto mais em anos.

Podemos, quando muito, fazer extrapolações, com base em dados concretos. Mas até essas contam com margem ínfima de acerto, mesmo levando em conta que as informações em que nos basearmos sejam rigorosamente corretas. Porquanto os que extrapolam não levam em conta, e nem têm como levar, a atuação do acaso, do fortuito, do imprevisível, do acidental, que anulam e inviabilizam a mínima possibilidade de exatidão de seus prognósticos. Alguma coisa alguém acerta. Mas esses acertos ocasionais não passam de frutos do acaso. É como, por exemplo, acertar que um dado, lançado cinco vezes, cairá em todas com o número seis. As coisas só acontecem de determinada maneira se alguém agir para que aconteçam. E nossas ações, por mais que as planejemos, são todas circunstanciais e na maioria imprevisíveis.

Fico pasmo com o fato de haver tanta gente que acredite nessas tolices. Tenho o hábito (e admito que se trate de mais uma de minhas tantas excentricidades) de colecionar previsões feitas por alegados videntes em todos os finais do ano, para os 365 dias seguintes. Separei, ao acaso, em meu arquivo, algumas que foram feitas há vinte anos, ou seja, em 1984, tendo em vista o ano de 1985. Elas foram publicadas na revista Manchete da segunda semana de janeiro de 1985 (a publicação era semanal). Quem as fez, ao repórter Robert McPherson, foi o “vidente” inglês Allan Richard Way, na oportunidade, pelo décimo segundo ano consecutivo.

Vamos conferir algumas coisas que o tal cidadão “previu”? Ele disse que iria ocorrer uma erupção vulcânica na América do Norte (embora sem precisar se nos Estados Unidos, no Canadá ou no México). Acrescentou que esse evento geológico iria causar grande desastre ecológico. Não aconteceu nada disso. Houve, sim, uma erupção, a do Monte Santa Helena, mas ocorrida cinco anos antes, em 1980. Disse que o Japão seria abalado pelo tão temido terremoto, o “big one”, que os japoneses esperam há anos, que tenderia a destruir o país por completo. Garantiu que as conseqüências desse devastador abalo sísmico seriam tais que iriam “espantar o mundo”. Outro erro (felizmente) de Allan Richard Way.

Uma coisa a tal “Cassandra de mau agouro” acertou, mas esta até eu, que nunca assumi ares de vidente, acertaria. Mesmo assim, o acerto foi só parcial. Disse que em 1985 ocorreriam catástrofes aéreas e ferroviárias. Houve, de fato, quedas de aviões, como o da Air India, que fazia o vôo 182; o da Japan Airlines (vôo 123); o da Arrow Air (vôo 1285) e o da TWA (vôo 847). Mas na ocasião, as quedas de aviões eram muito freqüentes. E não ocorreu nenhum desastre ferroviário que merecesse consideração. Ademais, também posso chutar esse tipo de coisa e talvez acerte metade.

Richard Way previu, ainda, entre outros tantos disparates (que não dá para resumir todos neste escasso espaço), conflitos armados catastróficos entre Vietnã, Laos, Camboja e Tailândia e a queda dos aiatolás no Irã, com o herdeiro do xá Mohammed Rheza Pahlevi sendo empossado no trono, com a restauração da monarquia. Óbvio que nada disso ocorreu. Afirmou, ainda, que Tancredo Neves venceria a eleição indireta no Brasil (o que estava na cara), mas que teria muita saúde e que faria um governo marcante, que ficaria na história. Ora, ora, ora, o político mineiro sequer chegou a ser empossado e todos sabem o que aconteceu na sequência. Que “vidente” de meia tigela foi esse!!!
       
Quando tentamos convencer alguém da exatidão de uma idéia (ou de uma “previsão”, como era o caso) que sequer tenhamos absoluta convicção de ser correta (duvido que o “vidente” inglês estivesse convicto do que afirmou), nossa responsabilidade se multiplica. Podemos induzir interlocutores ao erro, não raro de conseqüências irreparáveis.

Agostinho da Silva, no livro “Textos e ensaios filosóficos”, recomendou a propósito: “Nunca se precipite a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, exceto o do amor de entendimento, de ver o mais possível claro dentro e fora de si; critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância dos fatos”. E a recomendação do filósofo português é válida, óbvio, quer sejamos artistas, quer cientistas, quer jornalistas ou mesmo que não exerçamos nenhuma atividade congênere, mas pretendamos pensar e agir com sabedoria e bom-senso.

Nossa responsabilidade se agiganta se tivermos, na sociedade, o papel de “formadores de opinião” com acesso à cátedra (no caso de professores) ou aos meios de comunicação.. E o escritor, assim como o jornalista, tem essa função. Trata-se de tarefa destinada a poucos que tenham, como principal virtude, o bom-senso, o raciocínio lógico e cartesiaso e, sobretudo, a capacidade de filtrar idéias e conceitos mediante a crítica criteriosa, correta, exata e permanente. Pensem nisso.


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