Exercício
de bom senso
Pedro J. Bondaczuk
O
homem não se conforma em viver apenas o presente – que de tão volátil, chega a
ser praticamente mera abstração – e tenta prever o futuro, como se isso fosse
possível. Acreditem-me, não é. Há, até, quem considere ser possível “viajar”,
fisicamente, para esse tempo que ainda não aconteceu e que ninguém tem certeza
de que irá acontecer. Talvez não aconteça nem mesmo para o suposto “vidente” e
ele morra antes, bem antes, quem sabe até minutos após fazer suas previsões.
Fala-se, até, na construção de alguma “máquina do tempo”, que nos leve para o
futuro, com o objetivo de testemunhar o que não aconteceu. Bobagem. Falta de
lógica. Perda de tempo e de fosfato. Qualquer pessoa de bom senso sabe que isso
é absurdo. Não se pode prever, sequer, o que vai ocorrer, digamos, nos próximos
cinco minutos, quanto mais em anos.
Podemos,
quando muito, fazer extrapolações, com base em dados concretos. Mas até essas
contam com margem ínfima de acerto, mesmo levando em conta que as informações
em que nos basearmos sejam rigorosamente corretas. Porquanto os que extrapolam
não levam em conta, e nem têm como levar, a atuação do acaso, do fortuito, do
imprevisível, do acidental, que anulam e inviabilizam a mínima possibilidade de
exatidão de seus prognósticos. Alguma coisa alguém acerta. Mas esses acertos
ocasionais não passam de frutos do acaso. É como, por exemplo, acertar que um
dado, lançado cinco vezes, cairá em todas com o número seis. As coisas só
acontecem de determinada maneira se alguém agir para que aconteçam. E nossas
ações, por mais que as planejemos, são todas circunstanciais e na maioria
imprevisíveis.
Fico
pasmo com o fato de haver tanta gente que acredite nessas tolices. Tenho o
hábito (e admito que se trate de mais uma de minhas tantas excentricidades) de
colecionar previsões feitas por alegados videntes em todos os finais do ano,
para os 365 dias seguintes. Separei, ao acaso, em meu arquivo, algumas que
foram feitas há vinte anos, ou seja, em 1984, tendo em vista o ano de 1985.
Elas foram publicadas na revista Manchete da segunda semana de janeiro de 1985
(a publicação era semanal). Quem as fez, ao repórter Robert McPherson, foi o
“vidente” inglês Allan Richard Way, na oportunidade, pelo décimo segundo ano
consecutivo.
Vamos
conferir algumas coisas que o tal cidadão “previu”? Ele disse que iria ocorrer
uma erupção vulcânica na América do Norte (embora sem precisar se nos Estados
Unidos, no Canadá ou no México). Acrescentou que esse evento geológico iria causar
grande desastre ecológico. Não aconteceu nada disso. Houve, sim, uma erupção, a
do Monte Santa Helena, mas ocorrida cinco anos antes, em 1980. Disse que o
Japão seria abalado pelo tão temido terremoto, o “big one”, que os japoneses
esperam há anos, que tenderia a destruir o país por completo. Garantiu que as
conseqüências desse devastador abalo sísmico seriam tais que iriam “espantar o
mundo”. Outro erro (felizmente) de Allan Richard Way.
Uma
coisa a tal “Cassandra de mau agouro” acertou, mas esta até eu, que nunca
assumi ares de vidente, acertaria. Mesmo assim, o acerto foi só parcial. Disse
que em 1985 ocorreriam catástrofes aéreas e ferroviárias. Houve, de fato,
quedas de aviões, como o da Air India, que fazia o vôo 182; o da Japan Airlines
(vôo 123); o da Arrow Air (vôo 1285) e o da TWA (vôo 847). Mas na ocasião, as
quedas de aviões eram muito freqüentes. E não ocorreu nenhum desastre
ferroviário que merecesse consideração. Ademais, também posso chutar esse tipo
de coisa e talvez acerte metade.
Richard
Way previu, ainda, entre outros tantos disparates (que não dá para resumir
todos neste escasso espaço), conflitos armados catastróficos entre Vietnã,
Laos, Camboja e Tailândia e a queda dos aiatolás no Irã, com o herdeiro do xá
Mohammed Rheza Pahlevi sendo empossado no trono, com a restauração da
monarquia. Óbvio que nada disso ocorreu. Afirmou, ainda, que Tancredo Neves
venceria a eleição indireta no Brasil (o que estava na cara), mas que teria
muita saúde e que faria um governo marcante, que ficaria na história. Ora, ora,
ora, o político mineiro sequer chegou a ser empossado e todos sabem o que
aconteceu na sequência. Que “vidente” de meia tigela foi esse!!!
Quando
tentamos convencer alguém da exatidão de uma idéia (ou de uma “previsão”, como
era o caso) que sequer tenhamos absoluta convicção de ser correta (duvido que o
“vidente” inglês estivesse convicto do que afirmou), nossa responsabilidade se
multiplica. Podemos induzir interlocutores ao erro, não raro de conseqüências
irreparáveis.
Agostinho
da Silva, no livro “Textos e ensaios filosóficos”, recomendou a propósito:
“Nunca se precipite a aderir; não se deixe levar por nenhum sentimento, exceto
o do amor de entendimento, de ver o mais possível claro dentro e fora de si;
critique tudo o que receba e não deixe que nada se deposite no seu espírito
senão pela peneira da crítica, pelo critério da coerência, pela concordância
dos fatos”. E a recomendação do filósofo português é válida, óbvio, quer
sejamos artistas, quer cientistas, quer jornalistas ou mesmo que não exerçamos
nenhuma atividade congênere, mas pretendamos pensar e agir com sabedoria e
bom-senso.
Nossa
responsabilidade se agiganta se tivermos, na sociedade, o papel de “formadores
de opinião” com acesso à cátedra (no caso de professores) ou aos meios de
comunicação.. E o escritor, assim como o jornalista, tem essa função. Trata-se
de tarefa destinada a poucos que tenham, como principal virtude, o bom-senso, o
raciocínio lógico e cartesiaso e, sobretudo, a capacidade de filtrar idéias e
conceitos mediante a crítica criteriosa, correta, exata e permanente. Pensem
nisso.
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