Vida curta e obra
copiosa
Pedro
J. Bondaczuk
A Literatura –
sobretudo a brasileira, notadamente a de caráter regional e, mais
especificamente, a ficcional baiana – muito deve a David Salles, um dos seus
maiores expoentes. Foi um escritor que se dedicou, pode-se dizer (e não
figurativamente, mas até literalmente) de corpo e alma ao texto, à pesquisa e à
descrição dos costumes, tradições e cultura do seu povo. Foi, pois, intelectual
que não pode ser esquecido, quer pelo apuro dos seus textos, quer, e principalmente,
por sua criatividade e produtividade.
Dele, por exemplo, o
crítico Mário da Silva Brito escreveu, na apresentação do livro “Do ideal às
ilusões”: “David Salles não se preocupa em ser original – embora o seja com
freqüência. Mesmo quando se apossa de dados já divulgados, cuida de
reorganizá-los para obter um pensamento novo”. Foi brilhante, tanto como
ficcionista, cuja obra não fica nada a dever aos melhores da Bahia e do Brasil,
quanto na qualidade de preciso, posto que generoso, crítico literário, sempre
atento a novas vertentes temáticas e a revelações das letras, que tratava com
justiça e com rigor, mas com respeito.
Quanto á ficção, objeto
direto destes estudos baseados na antologia “Histórias da Bahia” (Edições GDR,
1963), foi um desbravador, um pioneiro, um escritor que não temeu abrir novos
caminhos descritivos e estilísticos e novas formas de expressão. Eduardo
Portela, no prefácio do livro “Reunião”, intitulado “Tradição e originalidade”
(dois conceitos difíceis de serem conciliados, por sinal) avaliou da seguinte
forma sua atuação: “(...) David Salles se inclina por uma forma particular e
nova de regionalismo. A única forma razoável e possível de ficção regionalista
trinta anos depois do advento do chamado ‘romance do Nordeste’. Ele como que
incorporou a lição faulkneriana no sentido de aproveitar-se de uma geografia,
de um espaço, sem nunca, em nenhum momento, se deixar escravizar a esse espaço
ou a essa geografia (...) sendo seguro na narração – uma narrativa de
pronunciado acento lírico –, sabe, com especial sabedoria, compor os diálogos e
dispor os flagrantes”.
Destaque-se que David
Salles fez o que fez – pesquisou, observou, aprendeu, ensinou, escreveu seus
livros, redigiu centenas de críticas literárias para jornais da Bahia e do Sul
do País, enfim “viveu” plenamente a Literatura – em apenas 28 anos de carreira.
Morreu cedo, muito jovem, aos 48 anos, idade em que a maioria dos escritores
começa, de fato, a se empenhar na atividade. Fico indagando aos meus botões:
“Quanto mais não poderia ter contribuído com as letras do seu Estado e do País
caso a leucemia não o tivesse matado tão prematuramente?”. Nunca se saberá,
óbvio. É fato que uma vida longa não é garantia de criatividade e de
produtividade. Há centenas, diria, um punhado de milhares de escritores, mundo
e tempo afora, que produziram bastante em curto período de vida, geralmente
entre os 30 e os 50 anos, e depois se acomodaram e nada mais fizeram até a
morte, alguns octogenários e até nonagenários. Não creio, contudo, que isso viesse
a ocorrer com esse prolífico intelectual baiano.
Jesus David Salles de
Souza nasceu em 1° de maio de 1938, na cidade de Castro Alves, interior da
Bahia, que hoje conta com população estimada em pouco mais de 25 mil
habitantes. Se estivesse vivo, teria completado, neste 2013, 75 anos de idade e
poderia estar na ativa. Ainda adolescente, mudou-se, em definitivo, para
Salvador, em busca de perspectivas melhores para sua vida, que satisfizessem,
minimamente que fosse, suas grandiosas ambições pessoais. Aos dezoito anos,
passou a freqüentar o Colégio da Bahia (atualmente conhecido como Colégio
Central) e teve o privilégio de conviver com pessoas que viriam a se tornar,
anos depois, celebridades em suas respectivas atividades, que então estavam na
sua mesma faixa etária. Entre estas, destaco duas: Glauber Rocha e Paulo Gil
Soares. Ambos viriam a se tornar destacados cineastas, o primeiro bastante
polêmico, posto que genial e fartamente premiado por seus filmes
“surrealistas”. Os jovens estudantes se influenciaram mutuamente. Aliás, David
Salles foi comparado a Glauber Rocha e por alguém que o conhecia muito bem, na
intimidade. Refiro-me ao seu irmão Sigismundo Salles que, em entrevista que
concedeu, em 24 de novembro de 1997, afirmou: “David Salles era um determinado,
um angustiado, um homem fora de seu tempo, como Glauber Rocha”.
Destaque-se que na
época – meados dos anos 50 do século XX (o futuro escritor matriculou-se em
1956) – o Colégio da Bahia era tido e havido (e era de fato) um dos espaços
mais efervescentes de novas idéias e de originais manifestações artísticas de
Salvador, do Estado e possivelmente de todo o Nordeste. Esse fato pode ter
determinado a trajetória de David, ou, no mínimo, ter contribuído para isso. Já
naquele primeiro ano de freqüência a essa instituição, o jovem promissor
publicou seus primeiros textos em jornais soteropolitanos, alguns dos quais de
grande circulação. Curiosamente, eram poesias, gênero ao qual não se dedicou na
sequencia da carreira. Mas eram versos muito bons, caso contrário, sequer
seriam publicados.
Destaco que as
informações principais a propósito de David Salles eu colhi na excelente tese
de doutoramento no curso de pós-graduação em Letras da Universidade Federal da
Bahia, de Itana Nogueira Nunes, que me esclareceu uma série de dúvidas a
propósito desse seminal escritor baiano. A estréia de David Salles, em ficção,
ocorreu em 1961, quando contava com 23 anos de idade. Foi num livro coletivo de
contos, uma espécie de antologia, intitulado “Reunião”, junto com três ficcionistas
que viriam a se consagrar em âmbito nacional: João Ubaldo Ribeiro, Sônia
Coutinho e Noênio Spínola, dos quais tratarei, no momento oportuno, nesta série
de estudos. Dois anos depois, aos 25 anos, foi incluído na antologia “Histórias
da Bahia”. Tão jovem, na oportunidade, no entanto já reconhecido e
reverenciado, com plena justiça, no mundo literário.
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