Novo movimento musical
Pedro
J. Bondaczuk
A etapa de São Paulo do
“Festival dos Festivais”, realizada sábado, no Ibirapuera e transmitida pela
Rede Globo, não teve o mesmo brilho da desenvolvida em Porto Alegre, embora
estivesse longe de ser a decepção da fase do Recife. Caracterizou-se, acima de tudo,
pela predominância dos intérpretes, como Teté Medina e o grupo Joelho de Porco,
sobre as composições em julgamento. Apesar disso, a amostra não foi das piores.
Afinal, refletiu a tendência atual da música popular do País.
Essa questão de
movimento musical é algo que merece algumas considerações. Geralmente, quando
aparece alguma coisa nova na praça, a primeira reação desfavorável é da
crítica. O público ou espera para ver o resultado ou adere de imediato à moda
nascente. Assim aconteceu com a Bossa Nova em fins da década de 50 e começo da
de 60. Repetiu-se, pouco tempo depois, com o “Iê-Iê-Iê”. Voltou a ocorrer
quando do surgimento do “Tropicalismo”. E agora, novamente, está sendo assim.
Embora nós, que por dever de profissão, temos a incumbência de analisar o
panorama artístico-cultural brasileiro, vivamos pedindo, praticamente exigindo,
novidades, dificilmente isenção para fazer um julgamento desapaixonado quando
elas surgem. O novo acaba nos chocando. E findamos, invariavelmente, tendo que
nos retratar, tempos depois, quando o movimento que antes criticávamos acaba
por se impor.
Na época da Bossa Nova,
a voz pequenininha de João Gilberto, embora bem colocada ritmicamente, foi
motivo, até, para ridicularizações. Em pouco tempo, entretanto, o cantor caiu
no gosto do público e dos programadores de rádio. Os convites para shows
cresceram numa avalanche. E João Gilberto foi mostrar para os norte-americanos
todo o seu imenso talento, hoje unanimemente reconhecido e consagrado.
Com o “Iê-Iê-Iê”, uma
tentativa de criação de um rock com batida e temática nacionais, ocorreu algo
mais ou menos parecido. Enquanto a crítica torcia o nariz para Roberto, Erasmo,
Vanderléia e outros astros e estrelas da “Jovem Guarda”, os compradores de
discos e consumidores de músicas desse tipo garantiam-lhes um rápido e seguro
sucesso. O mesmo se deu com o “Tropicalismo”.
Quem sabe se agora
também não estará nascendo um novo e forte movimento musical, reunindo raízes
as mais heterogêneas possíveis, como o rock, a moderna canção latino-americana
e os sons regionais brasileiros? Quem sabe se esse ritmo, que à primeira vista
parece amorfo, não vai ser aquele que vai marcar o restante desta década,
carente de novidades? É bem possível! Até porque, essa desconfiança prévia,
provavelmente prematura, por aquilo que é novo, já teve os precedentes
supra-referidos. E em todos eles, os críticos é que estavam errados.
Esse movimento nascente
ficou mais caracterizado nas fase de Porto Alegre do “Festival dos Festivais”,
embora a eliminatória de sábado passado apresentasse algumas composições
interessantes e até bem humoradas. A sua qualidade vai ficar mais fácil de
julgar na semifinal do Rio de Janeiro, quando as 24 classificadas poderão ser
analisadas em conjunto. Como toda manifestação artística, a música popular é
reflexo de uma época. E a nossa, na crista de uma crise que, posto que esteja
amainada, ainda está aí para todos sentirem, é caracterizada pelo
descontentamento, pela busca de novos caminhos, por algumas tentativas de fuga
desta dura realidade. Não é de se estranhar, portanto, que a nova moda seja tão
heterogênea. Afinal, em face de qualquer perigo, as reações humanas não são
todas iguais. A expressão das inquietações que nos dominam, por conseqüência,
também não são.
Nas três fases desenvolvidas até aqui, no
“Festival dos Festivais”, destacaram-se algumas tendências. Elas ficaram,
inclusive, bem marcadas. De um lado, estão os tradicionalistas, mostrando o
convencional, o esperado, como o chorinho classificado no Recife, o “Recriando
a criação”, de Martinho da Vila, que obteve a sua vaga em Porto Alegre, e
“Verdejando”, escolhida em São Paulo. De outro, os que tentam implantar
características nossas a ritmos alienígenas, especialmente o “raggae” e o
chamado “rock pauleira”. E, finalmente, a música de caráter regional, exaltando
as coisas típicas de regiões do País ou realçando a nossa condição de povo
latino-americano.
Confesso que a primeira
impressão que me ficou das três eliminatórias jás realizadas é a mesma da maior
parte da crítica. Ou seja, de frustração. Analisando, contudo, com mais vagar
tudo o que foi mostrado, a gente percebe algo de novo surgindo, embora com
contornos ainda muito vagos, bastante indefinidos. Para saber se o que virá
será bom ou ruim é preciso agir como aconselha a letra de uma canção nordestina
muito famosa tempos atrás: “Deixar nascer para ver as cara que ele tem”.
(Comentário
publicado na coluna Vídeo, página 20,
editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 27 de setembrol de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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