Monday, January 27, 2014

Novo movimento musical

Pedro J. Bondaczuk

A etapa de São Paulo do “Festival dos Festivais”, realizada sábado, no Ibirapuera e transmitida pela Rede Globo, não teve o mesmo brilho da desenvolvida em Porto Alegre, embora estivesse longe de ser a decepção da fase do Recife. Caracterizou-se, acima de tudo, pela predominância dos intérpretes, como Teté Medina e o grupo Joelho de Porco, sobre as composições em julgamento. Apesar disso, a amostra não foi das piores. Afinal, refletiu a tendência atual da música popular do País.

Essa questão de movimento musical é algo que merece algumas considerações. Geralmente, quando aparece alguma coisa nova na praça, a primeira reação desfavorável é da crítica. O público ou espera para ver o resultado ou adere de imediato à moda nascente. Assim aconteceu com a Bossa Nova em fins da década de 50 e começo da de 60. Repetiu-se, pouco tempo depois, com o “Iê-Iê-Iê”. Voltou a ocorrer quando do surgimento do “Tropicalismo”. E agora, novamente, está sendo assim. Embora nós, que por dever de profissão, temos a incumbência de analisar o panorama artístico-cultural brasileiro, vivamos pedindo, praticamente exigindo, novidades, dificilmente isenção para fazer um julgamento desapaixonado quando elas surgem. O novo acaba nos chocando. E findamos, invariavelmente, tendo que nos retratar, tempos depois, quando o movimento que antes criticávamos acaba por se impor.

Na época da Bossa Nova, a voz pequenininha de João Gilberto, embora bem colocada ritmicamente, foi motivo, até, para ridicularizações. Em pouco tempo, entretanto, o cantor caiu no gosto do público e dos programadores de rádio. Os convites para shows cresceram numa avalanche. E João Gilberto foi mostrar para os norte-americanos todo o seu imenso talento, hoje unanimemente reconhecido e consagrado.

Com o “Iê-Iê-Iê”, uma tentativa de criação de um rock com batida e temática nacionais, ocorreu algo mais ou menos parecido. Enquanto a crítica torcia o nariz para Roberto, Erasmo, Vanderléia e outros astros e estrelas da “Jovem Guarda”, os compradores de discos e consumidores de músicas desse tipo garantiam-lhes um rápido e seguro sucesso. O mesmo se deu com o “Tropicalismo”.

Quem sabe se agora também não estará nascendo um novo e forte movimento musical, reunindo raízes as mais heterogêneas possíveis, como o rock, a moderna canção latino-americana e os sons regionais brasileiros? Quem sabe se esse ritmo, que à primeira vista parece amorfo, não vai ser aquele que vai marcar o restante desta década, carente de novidades? É bem possível! Até porque, essa desconfiança prévia, provavelmente prematura, por aquilo que é novo, já teve os precedentes supra-referidos. E em todos eles, os críticos é que estavam errados.

Esse movimento nascente ficou mais caracterizado nas fase de Porto Alegre do “Festival dos Festivais”, embora a eliminatória de sábado passado apresentasse algumas composições interessantes e até bem humoradas. A sua qualidade vai ficar mais fácil de julgar na semifinal do Rio de Janeiro, quando as 24 classificadas poderão ser analisadas em conjunto. Como toda manifestação artística, a música popular é reflexo de uma época. E a nossa, na crista de uma crise que, posto que esteja amainada, ainda está aí para todos sentirem, é caracterizada pelo descontentamento, pela busca de novos caminhos, por algumas tentativas de fuga desta dura realidade. Não é de se estranhar, portanto, que a nova moda seja tão heterogênea. Afinal, em face de qualquer perigo, as reações humanas não são todas iguais. A expressão das inquietações que nos dominam, por conseqüência, também não são.

 Nas três fases desenvolvidas até aqui, no “Festival dos Festivais”, destacaram-se algumas tendências. Elas ficaram, inclusive, bem marcadas. De um lado, estão os tradicionalistas, mostrando o convencional, o esperado, como o chorinho classificado no Recife, o “Recriando a criação”, de Martinho da Vila, que obteve a sua vaga em Porto Alegre, e “Verdejando”, escolhida em São Paulo. De outro, os que tentam implantar características nossas a ritmos alienígenas, especialmente o “raggae” e o chamado “rock pauleira”. E, finalmente, a música de caráter regional, exaltando as coisas típicas de regiões do País ou realçando a nossa condição de povo latino-americano.

Confesso que a primeira impressão que me ficou das três eliminatórias jás realizadas é a mesma da maior parte da crítica. Ou seja, de frustração. Analisando, contudo, com mais vagar tudo o que foi mostrado, a gente percebe algo de novo surgindo, embora com contornos ainda muito vagos, bastante indefinidos. Para saber se o que virá será bom ou ruim é preciso agir como aconselha a letra de uma canção nordestina muito famosa tempos atrás: “Deixar nascer para ver as cara que ele tem”.


(Comentário publicado na coluna Vídeo,  página 20, editoria de Arte e Variedades do Correio Popular, em 27 de setembrol de 1985).

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