Friday, January 17, 2014

Situação ideal para novo “quartelazzo”


Pedro J. Bondaczuk


A situação criada na Bolívia, com duas ponderáveis correntes opostas deblaterando sobre a oportunidade ou não da confirmação das eleições presidenciais para este domingo, constitui um grave perigo de confronto entre os bolivianos, principalmente tendo em vista os antecedentes desse país, recordista mundial de golpes de Estado.

A apenas três dias da votação, marcada com seis meses de antecedência, ninguém pode dizer, com certeza, se ela de fato acontecerá ou não. E isso, no mínimo, é estranho, senão até surrealista. Durante semanas, vários líderes camponeses vieram a público para exigir o adiamento da ida às urnas, argumentando que cerca de um milhão de eleitores das zonas rurais não puderam ser inscritos por absoluta carência do Tribunal Eleitoral.

Uma intermitente greve dos funcionários do Banco Central boliviano, que teve lances dramáticos, inclusive com ocupação de repartições e incidentes de violência, impediu a liberação (em tempo hábil para que as indispensáveis providências preparatórias às eleições fossem tomadas) da verba destinada a esse fim.

Sensibilizado com essas reclamações (justíssimas, por sinal), o presidente Siles Zuazo tomou uma posição a respeito. Só que, como todas outras assumidas nesses três anos de um atribulado mandato, ela veio num momento extremamente inoportuno, quando os candidatos à presidência já se esfalfaram numa penosa e dispendiosa campanha, cujo encerramento oficial deve ocorrer hoje.

Coincidentemente, os dois considerados favoritos em todas as pesquisas de opinião, os únicos desde o início do processo eleitoral com chances reais de vitória, Victor Paz Estenssoro e Hugo Banzer Suarez, repudiaram, em uníssono, a solicitação presidencial, feita, anteontem, ao Congresso. Zuazo pede o adiamento das eleições para 15 de setembro.

Ambos entendem, e com justificável razão, que se o Congresso acatar a solicitação, em sua reunião da tarde de hoje (fato sumamente improvável), isso vai significar uma mudança das regras do jogo em pleno andamento deste. Os militares inquietaram-se nos quartéis e já mandaram recados claros e ríspidos ao presidente, sobre os riscos que esse protelamento pode trazer.

Caso o pedido de Zuazo seja desconsiderado pelos parlamentares (e o mais provável é que sequer haja quorum na casa em virtude do recesso de meio do ano), se teme pela reação da outra parte prejudicada: a dos camponeses e analfabetos (estes últimos representam 37% da população boliviana), punidos com uma estranha cassação de seus direitos civis, ditada por algo que eles não causaram e de que são, a rigor, as principais vítimas, que é a crise econômica.

Como reagirão os candidatos esquerdistas, cuja força está calcada no voto camponês? E os mineiros bolivianos, tidos e havidos como extremamente determinados (e até violentos em certas ocasiões)? Alguém, certamente, deve estar pagando para ver.

O Conselho de Segurança Nacional advertiu o governo que, caso as eleições sejam proteladas até setembro, o país corre sério risco de uma convulsão social, de proporções imprevisíveis, podendo redundar, até, numa desagregação do Estado. E se elas forem realizadas, com quase metade do eleitorado sendo impedida de votar, as possibilidades não são as mesmas?

A culpa de tudo isso cabe a uma só pessoa. Conhecendo as peculiaridades do seu país e o clima de agitação social em que vive atualmente, em virtude de um voraz processo hiperinflacionário, o presidente Siles Zuazo deveria ter tomado a providência protelatória pelo menos dois meses antes.

Seu titubeio apenas abriu espaço para que grupos contrários ao processo democrático ganhassem força. Para que argumentos dos defensores de um regime de exceção conquistassem inesperados adeptos. E que, por conseqüência, a Bolívia, mais uma vez em sua atribulada história, ficasse muito próxima de um novo “quartelazzo”. Com o clima existente hoje no país, não será nenhuma novidade para ninguém se isso vier a ocorrer até domingo. Ou mesmo um pouco depois, em decorrência do resultado dessa atípica e excepcional eleição. E isso significará, em certa medida, um retrocesso para todo o continente.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11 de julho de 1985).


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