Situação ideal para novo “quartelazzo”
Pedro J.
Bondaczuk
A situação criada na Bolívia, com duas ponderáveis
correntes opostas deblaterando sobre a oportunidade ou não da confirmação das
eleições presidenciais para este domingo, constitui um grave perigo de
confronto entre os bolivianos, principalmente tendo em vista os antecedentes
desse país, recordista mundial de golpes de Estado.
A apenas três dias da votação,
marcada com seis meses de antecedência, ninguém pode dizer, com certeza, se ela
de fato acontecerá ou não. E isso, no mínimo, é estranho, senão até
surrealista. Durante semanas, vários líderes camponeses vieram a público para
exigir o adiamento da ida às urnas, argumentando que cerca de um milhão de
eleitores das zonas rurais não puderam ser inscritos por absoluta carência do
Tribunal Eleitoral.
Uma intermitente greve dos
funcionários do Banco Central boliviano, que teve lances dramáticos, inclusive
com ocupação de repartições e incidentes de violência, impediu a liberação (em
tempo hábil para que as indispensáveis providências preparatórias às eleições
fossem tomadas) da verba destinada a esse fim.
Sensibilizado com essas
reclamações (justíssimas, por sinal), o presidente Siles Zuazo tomou uma
posição a respeito. Só que, como todas outras assumidas nesses três anos de um
atribulado mandato, ela veio num momento extremamente inoportuno, quando os
candidatos à presidência já se esfalfaram numa penosa e dispendiosa campanha,
cujo encerramento oficial deve ocorrer hoje.
Coincidentemente, os dois considerados
favoritos em todas as pesquisas de opinião, os únicos desde o início do
processo eleitoral com chances reais de vitória, Victor Paz Estenssoro e Hugo
Banzer Suarez, repudiaram, em uníssono, a solicitação presidencial, feita,
anteontem, ao Congresso. Zuazo pede o adiamento das eleições para 15 de
setembro.
Ambos entendem, e com
justificável razão, que se o Congresso acatar a solicitação, em sua reunião da
tarde de hoje (fato sumamente improvável), isso vai significar uma mudança das
regras do jogo em pleno andamento deste. Os militares inquietaram-se nos
quartéis e já mandaram recados claros e ríspidos ao presidente, sobre os riscos
que esse protelamento pode trazer.
Caso o pedido de Zuazo seja
desconsiderado pelos parlamentares (e o mais provável é que sequer haja quorum
na casa em virtude do recesso de meio do ano), se teme pela reação da outra
parte prejudicada: a dos camponeses e analfabetos (estes últimos representam
37% da população boliviana), punidos com uma estranha cassação de seus direitos
civis, ditada por algo que eles não causaram e de que são, a rigor, as
principais vítimas, que é a crise econômica.
Como reagirão os candidatos
esquerdistas, cuja força está calcada no voto camponês? E os mineiros
bolivianos, tidos e havidos como extremamente determinados (e até violentos em
certas ocasiões)? Alguém, certamente, deve estar pagando para ver.
O Conselho de Segurança Nacional
advertiu o governo que, caso as eleições sejam proteladas até setembro, o país
corre sério risco de uma convulsão social, de proporções imprevisíveis, podendo
redundar, até, numa desagregação do Estado. E se elas forem realizadas, com
quase metade do eleitorado sendo impedida de votar, as possibilidades não são
as mesmas?
A culpa de tudo isso cabe a uma
só pessoa. Conhecendo as peculiaridades do seu país e o clima de agitação
social em que vive atualmente, em virtude de um voraz processo
hiperinflacionário, o presidente Siles Zuazo deveria ter tomado a providência
protelatória pelo menos dois meses antes.
Seu titubeio apenas abriu espaço
para que grupos contrários ao processo democrático ganhassem força. Para que
argumentos dos defensores de um regime de exceção conquistassem inesperados
adeptos. E que, por conseqüência, a Bolívia, mais uma vez em sua atribulada
história, ficasse muito próxima de um novo “quartelazzo”. Com o clima existente
hoje no país, não será nenhuma novidade para ninguém se isso vier a ocorrer até
domingo. Ou mesmo um pouco depois, em decorrência do resultado dessa atípica e
excepcional eleição. E isso significará, em certa medida, um retrocesso para
todo o continente.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 11
de julho de 1985).
No comments:
Post a Comment