Wednesday, January 08, 2014

A ditadura dos índices de audiência

Pedro J. Bondaczuk

No mundo da TV os boletins de audiência do Ibope é que ditam se um programa deve ou não continuar sendo produzido, se uma novela deve ser esticada ou abreviada, ou se um profissional continua tendo prestígio por parte da direção ou não (e neste último caso,  ou pega seu “boné” e se demite, ou acaba cortado sumariamente, indo engrossar o rol dos desempregados). Até certo ponto, isso é justo e compreensível. Afinal, televisão é um negócio como qualquer outro. O próprio preço cobrado pela publicidade veiculada em determinado horário está diretamente ligado ao percentual de audiência que ele tem.

Mas em certos casos, essa “ditadura de taxas” acaba gerando exageros. Muito programa bom, que às vezes por falta de divulgação correta não tem a performance desejada em termos de audiência, é sumariamente extinto , sem maiores análises ou considerações. Em contrapartida, produções que não têm nenhuma substância, vistas muitas vezes por grandes quantidades de pessoas apenas por falta de melhores opções no horário, recebem um prestígio desproporcional à sua qualidade e permanecem anos a fio veiculando subcultura à população. Não mencionaremos nenhuma, por ser desnecessária tal menção, pois os telespectadores sabem muito bem quais são elas.

Para ilustrar melhor a nossa colocação, vamos citar dois casos diferentes, ocorridos  em 1968, que mostram que nem sempre há lógica na escolha de determinado programa por parte dos que o assistem, nem critério na avaliação feita pelas emissoras. A TV Record, há 16 anos, levava ao ar o “Aliança para o Sucesso”, comandado por Paulo Planet Buarque, que consistia em reunir diante das câmeras marido e mulher e fazer com que ambos respondessem, separadamente, a perguntas como “se seu marido arranjasse outro amor na vida, ele lhe confessaria a fraqueza ou esconderia?” Ou então, “sua mulher gasta mais dinheiro com roupa  no verão ou no inverno?” O casal em que houvesse coincidências nas respostas ganhava pontos e os que somassem em maior quantidade adquiriam direito a prêmios.

Como se vê, era um programa simples, sadio, familiar , sem nenhum fórmula mágica a sustentá-lo, que não a competência do apresentador. Por isso, estava entre os dez de maior audiência em todo o País. Pois bem, a TV Tupi tinha uma programação exatamente igual. A mesma fórmula, a mesma divulgação, o mesmo talento do apresentador. O programa dos Diários Associados chamava-se “Sua família, sua fortuna”, ao contrário do Aliança para o Sucesso da Record, sua audiência nunca passou dos irrisórios 7%. Por que? Onde a diferença? Telespectador algum conseguiria explicar. É claro que o segundo foi retirado rapidinho do ar e substituído por algo considerado mais atrativo.

O segundo caso, é em relação ao Chacrinha, considerado fenômeno de comunicação na época e tema, inclusive, de tese de doutorado. Sua audiência era tamanha, que a Rede Globo dedicou ao apresentador um programa especial, uma espécie de jogo da verdade, intitulado “Este Chacrinha nu e escandaloso”, com a presença de gente muito ilustre, como o físico Mário Schemberg, o produtor de cinema Fernando de Barros, o maestro Rogério Duprat, o cantor Juca Chaves, a escritora e jornalista Helena Silveira e o diretor de teatro José Celso Martinez.

Desse debate registramos as palavras do próprio diretor da Globo, na época, Geraldo Casé, a respeito do comunicador: “Na sua ignorância, o Chacrinha nem desconfia a importância que tem”. Para reforçar suas palavras, citou o sociólogo francês Edgar Morin, perito da Unesco, que chegou a afirmar que o “Velho Guerreiro era um fenômeno de comunicação de massas, só comparável a Kennedy e a De Gaulle”. Pois bem, bastou esse mesmo Chacrinha, prestigiado, endeusado, ditador das vontades do telespectador, baixar alguns míseros pontinhos na audiência para ser crucificado pela emissora.

O que aconteceu depois? Alguém conseguiu ofuscar o “Velho Guerreiro”? Em absoluto! Ele foi campeão de audiência na Tupi, na Record e na Bandeirantes, até que a Globo o recontratasse, admitindo publicamente seu erro de avaliação de anos atrás.

Como o caso do Chacrinha, muitos outros ocorreram, só que os protagonistas não possuíam o mesmo talento comunicativo dele e literalmente sumiram da televisão. Com isso, a TV deixou de avançar durante muitos anos, a ponto de ser chamada pelo cronista Sérgio Porto(o saudoso Stanislaw Ponte Preta) de “máquina de fazer doido”., tal a influência perniciosa do que produzia.

Como afirmamos no início destas linhas, é justo, lógico e lícito que os índices de audiência sejam os parâmetros de medida da aceitação dos programas. Mas quando eles forem baixos, manda o bom senso que antes da retirada sumária de qualquer programação do ar, seja feita uma análise criteriosa das causas de sua má performance junto ao telespectador. E tomar essa providência extrema apenas nos “casos perdidos”, em que for evidente que o programa é totalmente irrecuperável.

(Comentário publicado na página 19, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 28 de novembro de 1984).


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