Thursday, January 16, 2014

Sem espaço para mitos


Pedro J. Bondaczuk


O peronismo, na Argentina, vive atualmente a sua pior crise desde quando surgiu como um dos maiores fenômenos de massa da América Latina, há pouco mais de quatro décadas. Dirigido à distância, "por controle-remoto", desde a capital espanhola por Isabelita Perón, segunda esposa do seu grande inspirador, Juan Domingo Perón, foi fragorosamente batido nas eleições presidenciais de 1983, perdendo o pleito em virtude exatamente da sua grande divisão interna. O comando de fato, desde o auto-exílio de Isabelita na Espanha, está nas mãos do líder sindical Lorenzo Miguel, presidente da poderosa União Operária Metalúrgica. E este é acusado, freqüentemente, por seus correligionários, de prejudicar o movimento, com arroubos de um extremado personalismo.

O peronismo, recorde-se, surgiu no cenário nacional argentino em 2 de setembro de 1943, quando Juan Perón assumiu a até então desprestigiada Secretaria do Trabalho e Segurança Social do governo militar de Pedro Ramirez.

Bom orador, político hábil e bem falante, possuidor de um raro carisma popular, rapidamente caiu no gosto da população. Com muita cabeça soube, sobretudo, cultivar uma imagem, que nem sempre correspondia à real. Em pouco tempo, era um político imbatível em qualquer tipo de pleito que se fizesse na Argentina. Assim, elegeu-se presidente em 1946, reelegeu-se em 1951 (desta vez ao lado da sua primeira esposa, Eva Perón) e dominou o cenário por nove anos, tornando o peronismo para as classes menos favorecidas algo mais do que um movimento político-social. Transformou-o numa autêntica religião, da qual era, obviamente, a máxima divindade.

Mas como acontece com todos os líderes personalistas, sua estrela também viria a se ofuscar. E em 16 de setembro de 1955 ele era deposto e exilado para a Espanha, onde permaneceria por 17 anos. Mas o peronismo era forte demais na alma popular para morrer ante a simples ausência do seu líder. E sua atuação, posto que à distância, foi tão vigorosa, que os militares, no momento em que decidiram devolver o poder aos civis, chegaram à conclusão de que nenhum regime conseguiria vingar na Argentina se os adeptos de Perón fossem ignorados.

Entretanto, se o peronismo conseguiu sobreviver 17 anos sem a "presença física" do seu inspirador, mal está suportando dez sem a sua "existência". Afinal, Perón já não pode mais chamar às falas os dissidentes, como fazia antes e nem reaglutinar o movimento. O tempo dos grandes mitos foi sepultado junto com ele. A Argentina mudou muito, especialmente após 1976, quando houve um autêntico genocídio promovido por alguns militares que não tinham os pés bem plantados no chão e que, inclusive, envolveram o país na sua mais desastrosa aventura, que foi a guerra das Malvinas. Mas os peronistas, pelo jeito, não perceberam a passagem do tempo. Não reciclaram seus conceitos e sua visão política. Por isso, estão perdendo o bonde da história, mergulhados em suas contradições.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular em 15 de dezembro de 1984)


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