Sem espaço para mitos
Pedro J.
Bondaczuk
O peronismo, na Argentina, vive atualmente a sua
pior crise desde quando surgiu como um dos maiores fenômenos de massa da
América Latina, há pouco mais de quatro décadas. Dirigido à distância,
"por controle-remoto", desde a capital espanhola por Isabelita Perón,
segunda esposa do seu grande inspirador, Juan Domingo Perón, foi fragorosamente
batido nas eleições presidenciais de 1983, perdendo o pleito em virtude
exatamente da sua grande divisão interna. O comando de fato, desde o
auto-exílio de Isabelita na Espanha, está nas mãos do líder sindical Lorenzo
Miguel, presidente da poderosa União Operária Metalúrgica. E este é acusado,
freqüentemente, por seus correligionários, de prejudicar o movimento, com
arroubos de um extremado personalismo.
O peronismo, recorde-se, surgiu no cenário nacional
argentino em 2 de setembro de 1943, quando Juan Perón assumiu a até então
desprestigiada Secretaria do Trabalho e Segurança Social do governo militar de
Pedro Ramirez.
Bom orador, político hábil e bem falante, possuidor
de um raro carisma popular, rapidamente caiu no gosto da população. Com muita
cabeça soube, sobretudo, cultivar uma imagem, que nem sempre correspondia à
real. Em pouco tempo, era um político imbatível em qualquer tipo de pleito que
se fizesse na Argentina. Assim, elegeu-se presidente em 1946, reelegeu-se em
1951 (desta vez ao lado da sua primeira esposa, Eva Perón) e dominou o cenário
por nove anos, tornando o peronismo para as classes menos favorecidas algo mais
do que um movimento político-social. Transformou-o numa autêntica religião, da
qual era, obviamente, a máxima divindade.
Mas como acontece com todos os líderes
personalistas, sua estrela também viria a se ofuscar. E em 16 de setembro de
1955 ele era deposto e exilado para a Espanha, onde permaneceria por 17 anos.
Mas o peronismo era forte demais na alma popular para morrer ante a simples
ausência do seu líder. E sua atuação, posto que à distância, foi tão vigorosa,
que os militares, no momento em que decidiram devolver o poder aos civis,
chegaram à conclusão de que nenhum regime conseguiria vingar na Argentina se os
adeptos de Perón fossem ignorados.
Entretanto, se o peronismo conseguiu sobreviver 17
anos sem a "presença física" do seu inspirador, mal está suportando
dez sem a sua "existência". Afinal, Perón já não pode mais chamar às
falas os dissidentes, como fazia antes e nem reaglutinar o movimento. O tempo
dos grandes mitos foi sepultado junto com ele. A Argentina mudou muito,
especialmente após 1976, quando houve um autêntico genocídio promovido por
alguns militares que não tinham os pés bem plantados no chão e que, inclusive,
envolveram o país na sua mais desastrosa aventura, que foi a guerra das
Malvinas. Mas os peronistas, pelo jeito, não perceberam a passagem do tempo.
Não reciclaram seus conceitos e sua visão política. Por isso, estão perdendo o
bonde da história, mergulhados em suas contradições.
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do
Correio Popular em 15 de dezembro de 1984)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment