A
grande armadilha
Pedro
J. Bondaczuk
Convido-os, mais uma vez, a um instante de
reflexão. Volto a abordar a previsão feita pelo historiador
britânico Arnold Toynbee, que eu trouxe à baila neste espaço há
algum tempo, e que é extremamente pessimista em relação ao futuro
da humanidade, o que nos enseja uma série de novas considerações.
O citado intelectual disse numa entrevista: “Se tivermos uma guerra
nuclear, sobreviverão tão poucos, que a civilização não se
poderá manter. Se não tivermos uma guerra nuclear, haverá tantos
habitantes sobre a Terra que a vida se fará intolerável”. Ou
seja, se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come.
Notaram a armadilha que se desenha para a
humanidade? No caso de uma abrupta redução da população do
Planeta, em decorrência de uma possível (talvez não provável)
guerra com a utilização de armas atômicas, o atual sistema de
relações entre classes sociais e países fatalmente ruiria (ou
ruirá?). O número de sobreviventes será baixíssimo e sabe-se lá
em que condições físicas e psicológicas eles viverão. A
radioatividade contaminará a tudo e a todos e tal contaminação
persistirá não por um ano ou dois, mas por, no mínimo, cinco
séculos ou mais. Será um inferno!
A situação oposta, igualmente provável,
todavia, trará consequências não menos ruins ou menos dramáticas.
O Planeta que nos acolhe tem recursos limitados. E eles já estão
próximos da exaustão. Até quando, por exemplo, será possível a
produção de alimentos que, bem ou mal, atenda às necessidades de
todas as pessoas? E a água potável, cada vez mais escassa, quando
estará exaurida? Hoje, um bilhão de pessoas já pena por não
contar com esse recurso. E as coisas, nesse aspecto, tendem apenas a
piorar, e muito.
Não se trata de neomalthusianismo, mas a mais
comezinha das lógicas indica que se a população mundial prosseguir
neste vertiginoso crescimento, chegará um momento em que não será
possível alimentar a todos os habitantes da Terra. Quando isso vai
ocorrer? Está próximo de acontecer? O mundo comporta, ainda, outro
bilhão (ou bilhões) de habitantes? É impossível de afirmar
categoricamente. Mas chegará o momento em que o limite será
atingido. E temo que isso esteja bem mais próximo de acontecer do
que ousamos supor.
O crescimento desordenado dos
habitantes de um país que não conte com recursos para absorver
novos e crescentes contingentes de pessoas é mais grave ainda.
Conduz à ocupação de todos seus espaços livres, com crescente
desmatamento e progressiva degradação do solo. Esse é mais um
fator complicador. Em vez de se multiplicar a produção de alimentos
para atender a essa crescente demanda, a tendência é de sua brusca
redução. Quando essa escassez abrupta irá acontecer? Talvez em
dois ou mais séculos, talvez já no ano que vem. A única certeza é
que, um dia, será uma fatalidade. Não há como deixar de ocorrer.
De acordo com Programa de
População da ONU, no início da década de 90 nasciam, em média,
três bebês por segundo no Planeta (hoje, possivelmente, nasçam
seis ou perto disso) . Descontando os indivíduos que morriam – por
doenças, assassinatos, acidentes, guerras, fome ou velhice – a
espaçonave Terra ganhava, então, diariamente, cerca de 250 mil
passageiros. O acréscimo atual deve chegar a 500 mil. E isso ocorria
e ocorre, mais do que nunca, notadamente em países paupérrimos,
inviáveis, do ponto de vista econômico, de tão pobres que são.
Não precisa ser nenhum gênio para concluir que um dia o limite de
pessoas será atingido, se é que já não foi. Afinal, o Planeta não
é elástico, não estica, não amplia automaticamente seu
território.
O trágico, reitero, é que 90%
desse crescimento populacional ocorre onde a prudência manda que se
limite a natalidade. Ou seja, nas regiões mais pobres do mundo, o
que só multiplica a miséria, a fome, as doenças, os conflitos
sociais e a violência. A ONU informa que dos 7,6 bilhões de
habitantes da Terra, mais de um bilhão, ou quase um quinto da
humanidade, vive em estado de absoluta carência. Há solução?
Qual? Da minha parte, só vislumbro uma, que considero, contudo,
irreal: a limitação espontânea da natalidade, fruto da
conscientização generalizada dos habitantes da Terra. E isso, nas
condições atuais... raia o despautério, o disparate, impossível.
Veja-se o que ocorre nas
aglomerações humanas, autênticas babéis contemporâneas, em que
80% dos habitantes do Planeta vivem (a maioria vegeta). O arquiteto
Paulo Archias Mendes da Rocha, em seu livro "Memórias",
faz uma observação, que nós, moradores dessas grandes cidades,
deveríamos levar muito a sério: "A cidade é uma ideia, ela
não existe. É uma invenção do homem. Se não gostamos dela, temos
de fazer uma outra. A esperança é essa. Saber que sabemos fazer
desta uma outra".
Compete-nos, portanto, fazer uma
"outra" cidade, que de fato nos pertença, e não aos
violentos, aos bandidos, aos marginais, aos ladrões e aos
sequestradores. Mas como fazer isso? Projetá-la, até mesmo em
detalhes, é uma coisa. Viabilizá-la e torná-la concreta é outra
completamente diferente.
Deste modelo de cidade que está
aí (a perigosa e violenta), certamente não gostamos! Mas não temos
opção. E a cada dia que passa, a situação tende a piorar. Em
países miseráveis e superpovoados, vilarejos até não muito
minúsculos e que não passavam de meros pontinhos, quase invisíveis,
nos mapas, transformam-se, da noite para o dia, em gigantescos
depósitos de gente, sem nenhuma estrutura: caóticos, desorganizados
e... violentos. Mesmo em sociedades nacionais com maiores recursos,
este inchaço das cidades se verifica e multiplica os problemas que,
por terem as soluções invariavelmente adiadas para um futuro que
nunca chega, se tornam insolúveis.
Como seria bom, todavia, podermos
voltar a caminhar tranquilos pelas ruas da nossa cidade, a qualquer
hora do dia ou da noite, como em passado ainda relativamente recente,
sem riscos de assaltos, sequestros, agressões ou de atropelamentos
(ou, pelo menos, de aborrecimentos)! Como seria bom poder apreciar o
céu, as nuvens, as árvores, os monumentos, os tipos humanos...
Enfim... Cada dia isso restringe-se, mais e mais, a mero sonho. Em
que baita armadilha a humanidade se meteu!..
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