Vida perdida
Pedro J. Bondaczuk
A vida é o bem mais precioso
que temos (óbvio), principalmente por contar com um “prazo de
validade”. Ninguém sabe, de antemão, qual é o seu. Mas todos
temos a íntima certeza de que um dia deixaremos este mundo
misterioso, às vezes hostil, sempre fascinante, e extremamente belo.
Cabe-nos, todavia, encontrar (e usufruir) essa beleza.
Alguns têm o privilégio do
usufruto dessa aventura por um tempo relativamente extenso (para os
padrões humanos). Meu avô paterno, por exemplo, viveu, plenamente,
por 105 anos e deixou-me preciosas lições acerca da “arte de
viver”. Outros, porém, sequer chegam a se desenvolver.
Extinguem-se em questão de meras horas, quando não de minutos, logo
ao nascer. Só temos uma grande certeza: nenhum de nós, viva o
quanto viver, será poupado da morte.
O poeta suíço, Charles
Ramuz, legou-nos uma afirmação sutil, posto que verdadeira, que
explica nossa (pelo menos a minha) obsessão pela beleza. Escreveu:
“É por tudo ter que acabar é que tudo é tão belo”. E não é
verdade?! Alguém pode argumentar: “o mundo não tem apenas beleza.
Abalroa-nos, a todo o instante, com o extremo da feiúra, com a
maldade, a violência e o horror”. É verdade. Mas isso nem
precisamos procurar. Está permanentemente ao nosso redor e
desafia-nos sem cessar a nos defender ou a reverter esse quadro. Da
minha parte, prefiro gastar meu tempo, escassíssimo e que sequer sei
de quanto é, deleitando-me com a beleza.
A propósito, para quem não
sabe, Charles Ferdinand Ramuz foi escritor e poeta suíço, nascido
em 24 de setembro de 1878 na cidadezinha de Cully-sur-Lausanne e que
morreu em 24 de maio de 1947 em Pully, no seu país natal. Gosto de
ler, sobretudo, seus aforismos, profundos, instigantes e repletos de
sabedoria, como: “A única verdadeira tristeza está na ausência
de desejo”. Ou, “não basta fugir, é necessário fugir-se para o
lado mais conveniente”. Ou, “sentirmo-nos inúteis é ainda pior
do que nos sentirmos culpados”. Ou, “sinto que progrido na medida
em que começo a não entender nada de nada”. Cada um deles
mereceria um texto a parte, de análise e reflexão.
Descobri esse magnífico
escritor ao consultar, certo dia, a enciclopédia eletrônica
“Wikipédia”. A partir daí, busquei mais referências no Google
e encontrei cerca de 196 mil! Claro que não consultei todas, mas
adquiri um conhecimento para além do razoável acerca da sua vida e
da sua obra.
Pois é, “é por tudo ter
que acabar que tudo é tão belo”. Ouço, amiúde, dizer-se que
“fulano perdeu a vida”, não no sentido da sua morte física, mas
do desperdício de oportunidades. Dessa forma, passa a ser
considerado por todos como “perdedor”. E é. Porquanto, quando
isso acontece, é porque essa pessoa não tem garra, coragem,
disposição e estofo moral para recomeçar. Enquanto estivermos
vivos, não importa com que idade estivermos, sempre é possível um
recomeço, para reverter imensos fracassos, transformando-os em
surpreendentes sucessos.
Marco Aurélio, o
imperador-filósofo romano, escreveu, em seu livro “Reflexões”,
o seguinte a esse propósito, reproduzido por Jorge Luís Borges em
“História da Eternidade”: “Ainda que os anos de tua vida sejam
três mil ou dez vezes três mil, lembra-te que ninguém perde outra
vida senão a que vive agora, nem vive outra senão a que perde. O
prazo mais longo e o mais breve são, portanto, iguais. O presente é
de todos; morrer é perder o presente, que é um lapso brevíssimo.
Ninguém perde o passado nem o futuro, pois a ninguém podem tirar o
que não tem”.
Como se vê, nenhuma perda (a
não ser a da própria vida, óbvio), é irreversível. Alguma
oportunidade escapou por entre nossos dedos? Corramos atrás de
outras. Se não surgir nenhuma nova, elaboremos uma, com nosso
esforço, empenho e imaginação. O que se perdeu foi, apenas, uma
fração curtíssima de tempo, tão breve que é impossível de se
medir por qualquer tipo de instrumento existente: o presente.
O passado, por seu turno, não
pode ser perdido, já que não mais nos pertence. É mera peça de
museu, que pode ser apreciada, mas jamais modificada. O futuro não
pode ser dado como desperdiçado, pois está sempre nascendo, a cada
trilionésimo de segundo ou muito menos, acenando para nós, de forma
desafiadora, nos conclamando à ação. A vida, pois, só estará
perdida (pelo menos potencialmente) após nosso derradeiro suspiro.
Quando nos julgarmos perdidos,
atentemos para a sábia observação do imperador-filósofo: “Ainda
que os anos da tua vida sejam três mil ou dez vezes três mil,
lembra-te que ninguém perde outra vida senão a que vive agora...”
Aprecie a beleza. Valorize-a. Crie-a sempre que puder (e sempre
podemos). E tenha, a cada instante da sua vida, em mente: “É por
tudo ter que acabar que tudo é tão belo”.
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