Administração
de frustrações
Pedro
J. Bondaczuk
A vida é repleta de frustrações,
de todos os tipos e intensidades. Não há quem tenha todos os
projetos bem-sucedidos, todos os sonhos realizados e todas as
vontades atendidas. Frustramo-nos a todo o momento, não raro todos
os dias e até várias vezes num mesmo dia. Isso ocorre por uma série
de razões, como planos malfeitos, superestimação da capacidade,
excesso de confiança nos outros e vai por aí afora. Não há, pois,
como eliminar as frustrações. Temos é que aprender a
“administrá-las”, de sorte que seus efeitos sobre nossa mente,
nosso ânimo e nossa autoconfiança sejam mínimos, se possível
irrisórios ou praticamente nulos. Parece tarefa fácil, mas, creiam,
não é.
Quando nos frustramos por falha
exclusivamente nossa – por mau planejamento, falta de informação
ou desconhecimento de algo essencial para o sucesso de alguma
empreitada – sempre há a esperança da reversão e correção de
rumos. Bastará nos planejarmos melhor, nos informarmos adequadamente
ou aprendermos o que for necessário para o êxito do empreendimento
tentado.
Todavia, o mesmo não ocorre
quando terceiros frustram nossas expectativas, desejos, sonhos e
esperanças. Aí... não há outra forma de evitar a repetição de
frustrações a não ser o afastamento (quando possível) de quem nos
frustrou. Se for pessoa de confiança, compete-nos cortá-la das
nossas relações, dada sua ausência de confiabilidade. Sou contra
conceder segunda chance nesses casos. O risco de novas frustrações
é muito grande e desnecessário. Quem nos trai, nos decepciona e nos
frustra uma vez, provavelmente o fará outras tantas, em
circunstâncias idênticas ou mesmo diferentes. Prefiro, nesses
casos, cortar o mal pela raiz.
Nós, que lidamos com alguma forma
de arte, nos frustramos, a cada momento, em decorrência até do
nosso perfeccionismo. Temos em mente uma obra perfeita, mas após
executada, descobrimos nela inúmeras falhas, algumas das quais que
existem apenas na nossa cabeça. Outro tipo de frustração é quanto
aos resultados do que fizemos. Há os que se aplicam no que fazem
somente por gosto. Pintam um quadro, fazem uma escultura, compõem
uma sinfonia, escrevem um poema, criam um romance, conto ou novela,
ou produzem qualquer outra coisa, sem preocupações, pelo menos no
momento em que estão executando as obras, com o resultado material.
Não pensam, por exemplo, no
sucesso comercial e no dinheiro que poderiam ganhar. Nem se lembram
da possibilidade de que o que fizerem poderá durar anos, décadas,
séculos, milênios, através de gerações. No instante em que estão
agindo, não lhes passam pela cabeça as questões do lucro e da
imortalidade. Querem é fazer o que apreciam: com alegria, com
entusiasmo, com prazer. Até aí, tudo bem. Se mantiverem essa
postura, ficarão a salvo de frustrações. Mas... Ocorre que nem
todos mantêm.
Depois da obra concluída, para
muitos, vem o momento das ambições, da expectativa dos resultados,
da paga pelo esforço ou talento. E este é o duro instante da
frustração. Nem sempre o que fazemos recebe o devido reconhecimento
dos outros (diria que, quase nunca). Se formos prudentes, não
nutriremos muitas expectativas a respeito. Mas se as nutrirmos...
Bem, teremos que estar preparados para as decepções, os revezes e,
consequentemente, as frustrações.
Corremos a vida toda atrás do
sucesso, sem que sequer tenhamos uma visão clara do que ele
signifique. E fazemos o possível e o impossível para fugir do
fracasso, embora, às vezes, ele seja necessário, didático e a
nossa redenção. Quando iniciamos um empreendimento, não temos a
mínima condição de saber qual será seu resultado. Podemos, quando
muito, somente prevê-lo, com razoável (jamais absoluta) margem de
acerto.
Machado de Assis, no preâmbulo do
romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, lembra que Stendhal
confessou haver escrito um de seus livros para apenas cem leitores.
Qualquer coisa que excedesse essa cifra, seria considerada por ele
como inesperado sucesso. Claro que superou, em muito, esse número.
Sentiu-se vitorioso. Escapou da frustração por subestimar a própria
capacidade de mobilizar leitores.
Não raro, abrimos mão dos nossos
mais preciosos sonhos, ao somente desconfiarmos que eles são
impossíveis de se concretizar. Ou seja, que são inatingíveis, por
serem demasiadamente altos. Trata-se de um erro. Tememos frustrações,
quando deveríamos não fugir delas, mas aprender a administrá-las
(se e quando acontecerem). Não há mal algum em ousarmos em nossas
pretensões e, principalmente, em lutarmos com todas as nossas forças
para atingir o supostamente (ou apenas imaginariamente) impossível.
Agindo assim, mesmo que venhamos a
nos frustrar (e muitas e muitas vezes nos frustraremos, sem a menor
dúvida) teremos, pelo menos, o prazer de uma boa luta, o que,
certamente, nos engrandecerá. Mário Quintana abordou, com graça e
humor, essa questão, neste poema minimalista, que intitulou “Das
utopias”:
“Se as coisas são
inatingíveis... ora!
Não é motivo para não
querê-las…
Que tristes os caminhos, se não
fora
a mágica presença das
estrelas!”.
Foi por ousar, por querer alcançar
o inalcançável, que o homem deixou a caverna primitiva e empreendeu
maravilhas. Frustrou-se no processo? Claro que sim, e muitas vezes.
Nem por isso desanimou. Caso desanimasse, continuaria selvagem,
bronco e atrasado como era. Continuou tentando, tentando e tentando.
Porquanto nada é inatingível para quem crê e luta pelo que quer! A
despeito das frustrações.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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