Bebendo dos lábios
Pedro J. Bondaczuk
A
vida nas grandes cidades –, embora haja consenso que seja
estressante, eterna correria e um rosário interminável de
preocupações – nos prende de forma tal que raramente conseguimos
nos desvincular dela. Principalmente se temos acesso aos bens e
facilidades que relativamente poucos têm, como uma casa confortável,
bem mobiliada e de preferência totalmente paga e em um bom bairro,
um carro potente (se possível do ano), uma conta bancária
razoavelmente recheada e toda essa parafernália tecnológica que,
embora cara, facilita nossas tarefas e nos confere conforto e
segurança. Além, claro, de amplas possibilidades de acesso ao
consumo, quer do essencial, quer do supérfluo.
Raros,
contudo, são os que, mesmo gozando de todas as regalias mencionadas,
não sonham em jogar, um dia, tudo para o alto. Poucos são os que
jamais fantasiaram em retornar ao convívio da natureza, na companhia
da pessoa amada (quem a tem, óbvio) ou de alguma bela mulher que
satisfaça todos os seus mais requintados caprichos e fantasias, em
alguma remota e paradisíaca ilha (e nem precisa ser em alguma dos
Mares do Sul, na imensidão do Pacífico. Pode ser aqui mesmo, em
nosso vasto e luxuriante litoral).
Alguns
acham que poderiam ter essa vida de sonhos em alguma montanha, na
Chapada Diamantina, quem sabe, ou na Chapada dos Veadeiros ou, mesmo,
no Pantanal. Lugares fantásticos, que nos parecem a reprodução do
Éden original, isolados, longe do que se convencionou chamar de
“civilização”, é que não faltam neste Brasil continente.
O
que falta é coragem para largar essa vidinha, confortável, é
verdade, porém medíocre e não raro rotineira. A maioria
restringe-se, apenas, ao sonho, secretíssimo, por sinal, que as
pessoas não revelam nem para o amigo mais íntimo. Sequer deixam-no
registrado em algum eventual diário.
Coisas
para chatear, convenhamos, é que não faltam. Pelo contrário,
abundam. É o trânsito caótico, com seus engarrafamentos
quilométricos, a testar, várias vezes ao dia, nossa paciência e
nosso equilíbrio. É a escassez de estacionamentos, fazendo-nos
perder um tempo enorme ou levando-nos a nos submeter à exploração
dos que dispõem de vagas para nossos carros, desde que paguemos o
“olho da cara”. São as reprimendas, justas e injustas, de
patrões e de chefes. É a violência urbana, ameaçando
permanentemente nossa integridade física e do patrimônio, que
levamos anos e mais anos para amealhar. Poderíamos alinhavar uma
infinidade de pequenos e maiúsculos aborrecimentos, que nos
estressam, aborrecem, irritam e nos deixam à beira de um ataque de
nervos, quando não da loucura.
E
por que não nos livramos disso tudo? A verdade é porque a maioria
de nós não sobreviveria (não, pelo menos, com decência e
dignidade) sequer por um reles dia inteiro nos recantos paradisíacos
que fantasiamos, mas que, na verdade, para nós, homens urbanos, que
não temos a menor familiaridade com a natureza, não são tão
paraísos assim.
Conheço
crianças, por exemplo, que nunca viram, “ao vivo e a cores”, uma
galinha, a não ser os frangos comprados nos supermercados ou os já
assados, que fazem as vezes de mistura nos almoços de domingo.
Vacas, cavalos, porcos e cabras? Nem pensar! E há muito marmanjo,
que nunca saiu da cidade, que também jamais esteve frente a frente
com algum desses bichos. Que chances essas pessoas teriam em uma ilha
como a que Robinson Crusoé teria vivido por um tempão? Nenhuma!
Como
passar, por exemplo, um só dia sem eletricidade? E sem nosso
inseparável computador? E sem o fogão a gás, o microondas, a cama
confortável e vasta? Já nem digo sem a onipresente televisão a
cabo.
Como
garantir as três refeições do dia, se o supermercado mais próximo
dista 300 quilômetros ou mais do nosso hipotético paraíso de
fantasia? Ainda assim, raros já não sonharam com uma vida
despojada, livre, sem estresse e preocupações, num remoto recanto
que só Deus sabe onde fica.
Não
vou negar, esse é um desejo recorrente meu (também sou filho de
Deus!). Eu, pelo menos, tenho a vantagem de conhecer de perto os
bichos (alguns, e domésticos) já que, na tenra infância, fui
criado numa fazenda remota (remotíssima) no distante Noroeste do Rio
Grande do Sul. Ainda assim... Provavelmente não sobreviveria mais
que 24 horas nesse paraíso dos meus sonhos.
Mas
que, se aprendesse a viver sem os luxos e facilidades a que estou
acostumado na cidade, seria maravilhoso privar da companhia
onipresente da doce amada (se ela e eu nunca envelhecêssemos, claro,
e conservássemos o tesão que sempre nos ligou), em um fantástico
Éden tropical, ah, isso seria mesmo!!!
Talvez,
então, tornasse reais estes versos do poeta maranhense Luís Augusto
Cassas (que integram seu poema intitulado “Torpedo à moda
antigona”) e diria à minha caríssima metade:
“Contigo
eu moraria
numa
casinha de palha
à
beira da praia
onde
o vento faz a curva
e
viveria de brisa
bebendo
em teus lábios
a
água que vem da chuva”.
Todavia,
como não tenho coragem... Contento-me em amá-la, estressado,
nervoso, desesperado e enlouquecido, aqui mesmo, no conforto do que
se convencionou chamar de “civilização”. Mesmo sem beber em
seus lábios a água que vem da chuva...
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