Thursday, February 22, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Síndrome da indecisão


Síndrome da indecisão



Pedro J. Bondaczuk


O secretário especial de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Winston Fritsch, em entrevista publicada no jornal “Folha de S. Paulo”, frustrou as expectativas dos que esperam uma substancial queda da inflação neste segundo semestre. Ressaltou que as taxas inflacionárias, pressionadas pela recomposição das tarifas públicas, tendem, isto sim, a subir mais alguns pontinhos.

Péssima notícia para o trabalhador, que é o mais penalizado por essa disfunção econômica. Terá que continuar fazendo incríveis malabarismos para a travessia do que resta do corrente ano. A declaração do secretário, embora sombria, reflete uma mudança de enfoque do governo. Ou seja, passou a adotar a postura de não despertar falsas expectativas na sociedade.

As manchetes dos jornais, todavia, chamam a atenção do leitor para um aspecto que vem caracterizando o brasileiro há muito, desde a redemocratização do País: a indecisão. Por exemplo, a entrega da proposta de cortes orçamentários ao presidente Itamar Franco foi adiada mais uma vez.

Outro adiamento refere-se à posição governamental acerca do reajuste mensal de salários, cujo projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados. A regulamentação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira tramita com uma enervante morosidade no Senado. Parece que o brasileiro adquiriu um enorme pavor de decidir qualquer coisa. Daí a enxurrada de comissões, estudos, relatórios e outras medidas protelatórias para assuntos dos mais simples aos complexos.

Outro dia, no intervalo do cafezinho, em conversa informal com o editor e editorialista de Correio Popular, Roberto do Valle, este levantou uma tese interessante e consistente a esse propósito. Argumentou que toda uma geração ficou marcada pelos 22 anos de autoritarismo que o País atravessou. Daí o pavor de decidir qualquer coisa.

Essa indecisão reflete-se nos mínimos atos das pessoas. Valle destacou que isso ficou mais uma vez evidente, por exemplo, na eliminação da seleção de futebol pela Argentina, na Copa América. A derrota, como em 1986, na Copa do Mundo do México, ou como no Mundial de Juniores de 1992, foi na cobrança de penalidades máximas. A responsabilidade pesou demais nos jogadores.

Nas repartições públicas, questões extremamente simples levam tempo enorme para serem decididas, pois os funcionários subalternos se recusam a assumir determinadas decisões, que deveriam ser rotineiras. Encaminham a papelada, invariavelmente, às chefias, abarrotando a mesa dos chefes.

Nas empresas esse comportamento também caracteriza o relacionamento profissional. Por vias tortuosas, formam-se milhões de miniditaduras consensuais. Até no âmbito familiar essa incapacidade de decidir manifesta-se diariamente.

Uma das características da liderança é, exatamente, a disposição, a coragem, a competência e o senso de oportunidade na tomada de decisões. Em 1988 escrevemos, no Correio, toda uma série de 22 ensaios, abordando a importância e a necessidade desse exercício.

Se o leitor atentar bem, desde o fim do regime militar, todos os nossos governos foram caracterizados pela indecisão (e outros defeitos mais, que seria até redundante relembrar). O presidente Itamar Franco, portanto, não é o único e nem o mais indeciso dos nossos governantes. Por isso, um dos caminhos para a saída da crise (não o único, é evidente) é o brasileiro combater e debelar o mais rápido a “síndrome da indecisão” que o caracteriza há tanto tempo.


(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1º de julho de 1993)



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