Força sem limites
Pedro J. Bondaczuk
Tudo o que é pensado, intuído, sentido, visto e ouvido; tudo o que
acontece conosco ou ao nosso redor, ou que apenas pode acontecer (e
até o que não pode), acaba por virar literatura. É infinita a
capacidade humana de expressão. E por diversos meios: ou mediante
imagens, ou apenas por sons, ou por ambas ou, principalmente, pela
magia da palavra.
Não falta, pois, campo para a criação artística. Por mais que
sejam explorados, os temas jamais se esgotam. É possível abordar um
mesmo assunto inúmeras vezes, e sempre de forma original,
encontrando novos e insuspeitados ângulos a considerar, nuances que
escapam à primeira abordagem, sutilezas, detalhes e filigranas.
Claro que isso requer talento, poder de observação, atenção,
criatividade e, sobretudo, vontade, muita vontade. É o que me
fascina em Literatura (e em outras artes também, embora meu foco,
por razões compreensíveis, seja o das belas letras).
Essas reflexões vêm a propósito de uma declaração de Ian McEwan,
escritor britânico ganhador do “Booker Prize” de 1998, em
entrevista publicada pela Folha de S. Paulo, em 12 de dezembro de
1998. Ele afirmou, na oportunidade: “Não há o que não possa ser
contado, porque a engenhosidade humana e a força da metáfora não
têm limite. Preservar o incompreensível compete às religiões; o
que compete à literatura e também, de outro modo, à ciência, é
iluminar. Chegar ao entendimento de um evento é chegar à verdade, e
a verdade não trai nada. O escritor que é verdadeiro consigo mesmo
não trai nada”.
Há uma série de considerações que podem ser feitas em torno dessa
afirmação. McEwan (autor, entre outros livros, dos romances
“Ao Deus-dará”, “Cães negros”, “A criança no tempo”,
“O inocente”, “O jardim de cimento”, “Primeiro amor, último
sacramento”, “O sonhador”, “Amsterdam” e “Enduring Love”)
destaca, por exemplo, a força da metáfora, que diz “não ter
limites”.
Trata-se de recurso típico dos poetas, embora não exclusivo deles.
Seu hábil manejo elimina a carência de palavras dos dicionários
para descrever determinadas situações, notadamente emoções, de
forma inteligente, verdadeira e artística. Usá-la com habilidade e
pertinência é o desafio aos bons escritores, que eles “tiram de
letra”.
Outro aspecto abordado por McEwan é o comprometimento do escritor (e
de todos os artistas por extensão) com o esclarecimento (ou
tentativa dele) do que em princípio pareça (e de fato seja)
nebuloso. Ressalta que “preservar o incompreensível compete às
religiões”. Afinal, esta trata do grande e insondável mistério
para a mente humana, que é a glória, grandeza, eternidade e
transcendência do Criador de todas as coisas, Onipotente,
Onipresente, Onisciente e Infinito.
Como explicar algo assim e torná-lo minimamente compreensível? Como
fazer caber em uma mente efêmera e limitadíssima os conceitos do
infinito e do eterno? Esse, sim, pois, é tema em que nós,
escritores, não devemos nos meter. É incompreensível para nós e,
portanto, intraduzível. É da alçada das religiões. No mais...
Compete-nos associar-nos à nossa atividade gêmea, a ciência na
tarefa do esclarecimento, próprio e alheio. Ela e a arte têm por
missão iluminar, espancar as trevas, trazer a lume o escondido e o
não-revelado (ainda), fazendo, no tempo certo, tal revelação.
A Física fá-lo partindo de hipóteses, testadas exaustivamente, até
que se transformem em leis, como a da gravidade, do tempo, do espaço
etc.etc.etc. O escritor vale-se, por seu turno, das palavras. E
quando estas ameaçam deixá-lo na mão, recorre às metáforas,
quanto mais engenhosas melhores, e finda por dizer o supostamente
indizível.
Compete-nos buscar ingentemente entender todo e qualquer evento.
Entendido, torna-se mais fácil de ser comunicado, descrito, desnudo,
absolutamente desvendado. Mas McEwan observa, também, que “o
escritor que é verdadeiro consigo mesmo não trai nada”.
Podemos, eventualmente, mentir para o mundo (e não raro mentimos) e
fazer dessa mentira tão verossímil, a ponto dela adquirir foros não
só de verdade, como até de dogma. Mas jamais podemos nos enganar.
Não ser sincero consigo próprio equivale ao suicídio intelectual
(senão moral). Quem faz isso, pode ser tudo (impostor, hipócrita,
falso etc.etc.etc.), menos escritor. Nosso fulcro é a verdade. E
esta, como McEwan destaca, “não trai nada”. Pense nisso!
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