Ação
com intenção e sentido
Pedro J. Bondaczuk.
Há, principalmente entre o vulgo (e até mesmo entre pessoas cultas
e supostamente bem informadas), uma série de equívocos e
interpretações errôneas sobre o significado da poesia e por
consequência daquele que a faz. Volta e meia sou interpelado, ora
com azedume, ora com ar de galhofa, quando afirmo que os poetas têm
visão mais lúcida e objetiva da vida do que as demais pessoas,
mesmo que sua postura pareça insólita, incoerente ou utópica.
“Mas como?!”, interrogam-me admirados, como se eu estivesse
dizendo o maior dos disparates, “se eles se alimentam de fantasias
vivem fora da realidade”? Os poetas são, como se vê,
estereotipados. São rotulados como incorrigíveis sonhadores, como
os que mantêm a cabeça permanentemente nas nuvens e, por
consequência, os pés fora do sólido solo da realidade. Enganam-se
os que os veem dessa maneira. Os poetas são, na verdade, homens de
ação. Às vezes, agem até demais, impulsivamente, movidos
exclusivamente pela emoção, em detrimento da reflexão. Mas agem.
A professora de Teoria Literária da USP/UNICAMP, Adélia Bezerra de
Meneses, observa a propósito: “Sabemos que na Grécia as funções
de adivinho, poeta e sábio muitas vezes se sobrepunham no mesmo
poder mântico, na capacidade excepcional de ver e de viver para além
das aparências sensíveis. Nas palavras de Vernant (Jean-Pierre,
historiador e antropólogo francês, 1990), eles possuiriam ‘uma
espécie de extra sentido, que lhes descobre o acesso a um mundo
normalmente interdito aos mortais’. E desde longa tradição, não
apenas os adivinhos são cegos, como por exemplo Tirésias, pois têm
o dom de ‘ver o invisível’, mas também os poetas, de Homero aos
cantadores do Nordeste, passando por Camões. Cegos dos olhos do
corpo, porque têm uma outra visão, normalmente interdita aos
mortais”.
Há, em contrapartida, pessoas que refletem muito, são especialistas
em dar palpites, mas na hora de agir... É aquela tragédia! Não são
poetas. Omitem-se, acovardam-se, transferem tarefas que lhes competem
fazer para outros. Não cometem erros, é verdade (ou os têm em
menor quantidade do que outros), mas, pudera: nada fazem! Os poetas
(salvo exceções), por sua vez, não são assim. Não por acaso, em
grego, “fazer poesia” tinha o significado de agir, de atuar, de
realizar, de construir. Portanto, até semanticamente, não há
nenhum exagero na reflexão de André Maurois, quando afirma que “o
homem de ação é, antes de tudo, um poeta”.
Um “poema” (poiema em grego) era, para os “pais da civilização
ocidental”, “coisa feita”. Ou seja, era fruto de uma ação. A
palavra “poeta” provém de “poietés”, significando
fabricante, produtor, criador, ou aquele que faz. Sonhador? Até pode
ser. Mas é o homem de ação por excelência, o que sabe transformar
o sonho em realidade e transforma.
Hilda Hilst escreveu, em matéria sobre o Dia Mundial dos Poetas
(publicada em 21 de setembro de 1983, pelo Correio Popular de
Campinas, (cidade em que viveu e onde morreu): “O poeta tem os
olhos no espírito do homem, no possível infinito. Quando o poeta
fala, não fala do palanque, não está no comício, não deseja
riqueza, não barganha, sabe que o ouro é sangue, sabe de cada um a
própria fome. Enquanto vive o poeta, o homem está vivo!”.
Carecemos, nos dias atuais, de uma certa rebeldia face à corrupção,
aos desmandos e à violência que campeiam e se multiplicam,
arruinando as nossas vidas. Onde foram parar os grandes sonhos da
juventude? Onde estão os valores éticos defendidos com destemor?
Foram substituídos pelo comodismo? Foram trocados por posições?
Foram abastardados? O pior de tudo é que aqueles idealistas da
década de 60 renegaram por completo seus ideais a ponto de sequer
passá-los a seus filhos. Daí o cínico desalento de hoje, o
individualismo inconsequente, a busca por meras miragens, estas sim
“caretices” de quem não tem rumo e nem sonhos pelos quais
batalhar. Faltam homens de ação. Carecemos de poetas, no sentido
original.
As sociedades humanas, desde tempos imemoriais, sempre precisaram de
líderes, de pessoas muito especiais, dotadas de iniciativa, com
capacidade inata de comunicação e talento, para guiá-las. Em cima
dessa necessidade é que se estruturaram as hierarquias – desde
as familiares (nos clãs), às tribais e posteriormente comunitárias
e nacionais. Como ocorre com todos os animais, possivelmente até por
questões genéticas, alguns indivíduos nascem com aptidões maiores
do que outros. São os que normalmente constituem as elites. Quando
não, se transformam em rebeldes, em contestadores, em questionadores
que não se submetem ao status vigente. São os revolucionários,
fatores essenciais de mudanças, para o bem e para o mal. São os
poetas na verdadeira acepção do termo. Não da do vulgo e dos
pseudointelectuais, acomodados e mal-informados. Mas no sentido
original, dos que agem com intenção e sentido e cujas ações
apresentam resultado. Conceitualmente, pois, eu não preciso escrever
versos para ser poeta. Talvez os mais legítimos foram os que nunca
escreveram uma reles linha. Possivelmente nem mesmo sabiam escrever.
Mas foram gigantes. Deixaram suas marcas. Agiram. Atuaram
positivamente para o avanço da civilização.
Para ser poeta e merecer essa designação tenho é que “sentir”
a poesia (a obra, portanto). Tenho que ter os olhos no infinito.
Tenho que falar não a linguagem dos palanques, mas a da
sensibilidade e da razão. Sejamos, pois, este tipo de poeta, ou
seja, líderes na construção de um mundo de justiça e de paz.
Ainda há tempo. Só não se sabe quanto!
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