Espanto e surpresa
Pedro J. Bondaczuk
A capacidade de sentir (e de manifestar) espanto face a
acontecimentos inusitados ou incompreensíveis e, sobretudo, com o
mistério da vida, e surpresa diante de ações e reações (próprias
e/ou alheias) é a principal característica das pessoas
“inteligentes” (no sentido lato da palavra, ou seja, das que
entendem, posto que minimamente, sua condição humana).
Muitos já não a têm. Alguns, nunca a tiveram. É uma lástima!
Albert Einstein escreveu, em seu livro “Como vejo o mundo”, que
“se alguém não conhece esta sensação, ou não pode mais
experimentar espanto ou surpresa, já é um morto-vivo e seus olhos
se cegaram”. Exagero do cientista? Longe disso!
Há quem jamais tenha sequer tentado fazer um exercício mínimo de
racionalidade. Estes jamais se questionaram, por exemplo, sobre o que
de fato são, qual a posição que ocupam na escala animal e que
propósito suas vidas têm. Afinal, queiram ou não, tudo no universo
tem algum motivo e objetivo, mesmo que não tenhamos capacidade de
discernir quais são.
Há quem viva por viver. Estes são incapazes de raciocinar por si
sós e têm que ser “programados” para exercer funções mínimas
que os caracterizem como humanos. Argumenta-se, amiúde, com a falta
de oportunidades dessas pessoas, o que não deixa de ser real. Para
pensar, todavia, sequer é necessária qualquer instrução. Há
pessoas analfabetas que, no entanto, são inteligentíssimas e
entendem, mesmo que intuitivamente, o que muitos doutores, com
inúmeros diplomas acadêmicos, jamais entenderão.
Nosso remoto ancestral, por exemplo, não tinha instrução nenhuma,
óbvio. Não sabia ler e nem escrever, porquanto sequer o primeiro e
rústico alfabeto havia ainda sido inventado. E, no entanto, soube
como sair da caverna primitiva, domar a natureza, adaptar-se às suas
forças e leis e lançar os fundamentos da atual civilização. O
homem contemporâneo, com toda sua empáfia e arrogância, não passa
de pigmeu intelectual. Tudo o que faz e que pensa, não passa, em
certa medida, de plágio, posto que com acréscimos pessoais
(pudera!) das obras e pensamentos dos remotos ancestrais. Só parece
gigante por estar nos ombros deles.
Todos somos dotados desse mecanismo fantástico que nos permite,
entre tantas coisas, nos espantarmos e nos surpreendermos. Afinal,
todos somos dotados dessa capacidade que nos distingue não só dos
demais animais, mas de todos os seres vivos: o raciocínio.
Como não se espantar ao contemplar, por exemplo, numa noite de Lua
Cheia, o céu estrelado e ver, até onde nossa vista alcança,
milhões, bilhões, quiçá trilhões de pontos de luz, cada um deles
um sol, a maioria de dimensões até cinco vezes maiores do que o
nosso, muitos dos quais com vários planetas ao redor e (conforme as
probabilidades matemáticas) com cerca de 300 mil com o tamanho e as
características da Terra? São habitados? Por que (tanto faz se a
resposta for positiva ou negativa)? Em caso positivo, por quem? Há
vida inteligente alhures? Onde?
Infelizmente, esse mistério não causa a menor emoção em muitos
(diria, na maioria), que se julgam “realistas”, objetivos (na
verdade não passam do que o jornalista Nelson Rodrigues classificava
de “idiotas da objetividade”). A que realidade eles se referem?
Que realismo é esse em que os que se dizem dotados dele sequer
intuem (e nem mesmo se questionam) “quem” (ou “o que”) são?
Em que não os preocupa saber onde estão? Em que não manifestam a
menor curiosidade sobre para que existem, e para onde vão, ao cabo
de parcas dezenas de anos (se tanto), se é que há algum destino
além deste, material?
Einstein concluiu (e por isso também merece a justa classificação
de “gênio”, de um dos raros gigantes da espécie), que essa
intensa emoção causada pelo mistério da vida “é o sentimento
que sustenta a beleza e a verdade, cria a arte e a ciência”. Sem
ela, estaríamos, todos, ainda, nas cavernas primitivas (se não
fôssemos, claro, destruídos antes, o que é mais provável, dada
nossa incrível fragilidade física, comparada à força dos demais
animais), desorganizados, nos digladiando por comida, apavorados com
os fenômenos naturais ao nosso redor, sem contar, sequer, com uma
linguagem coerente para nos comunicar, grunhindo como os símios, com
os quais temos algumas semelhanças.
Há tanta coisa que nos causa espanto e é mister que seja assim. Mas
nossa condição humana exige que busquemos entender o que nos
espantou, mesmo que não o consigamos. Temos o instrumental
necessário para procurar esse entendimento. É nossa obrigação
fazê-lo, até em respeito à nossa descendência.
Outrossim, não podemos deixar morrer em nós a capacidade de nos
surpreender, com a beleza, com o horror, com a bondade latente, com a
maldade, com a justiça, com a violência, com o bem e o mal etc. E,
sobretudo, a de nos espantar, sempre, com os inúmeros mistérios que
cercam a vida.
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