Como
prever o imprevisível?
Pedro J. Bondaczuk
A previsão do futuro, principalmente o bem distante, é um exercício
que deve ser restrito exclusivamente ao ficcionista. Afinal, ele não
tem compromisso, obrigação de acertar os palpites que der. E, caso
erre (dificilmente deixará de errar), mas se produzir, em
contrapartida, um bom enredo, que desenvolva com talento e perícia,
num texto claro, atrativo e rigorosamente correto do ponto de vista
gramatical, na pior das hipóteses irá entreter o leitor por bom
tempo. Terá, pois, valido a pena sua tentativa. Mas insisto em
afirmar que a “previsão”, como ato real, não existe. É mera
metáfora de “palpite”. E o jornalista não pode nem pensar em
fazer tamanha bobagem. A característica da sua profissão impede que
saia por aí fazendo previsões a três por dois. Se o fizer... terá
que arcar com as consequências, das quais a menos grave é a de cair
no ridículo.
Ninguém tem bola de cristal que lhe mostre, com antecedência, os
obstáculos que irão surgir e ainda, de quebra, como eles poderão
ser superados. Podemos imaginar isso. Às vezes, até acertaremos,
mas por uma casualidade. Geralmente, iremos errar. Compete a cada um
planejar a vida, conforme sua capacidade e sua realidade pessoal,
buscando se adaptar às circunstâncias e estabelecendo alternativas,
um plano “b” (ou “c” ou “d”, ou seja de que letra for),
para as diversas situações possíveis. E trabalhar, trabalhar e
trabalhar, sempre e incansavelmente, em busca dos objetivos que
traçar. Ou seja, persistir na persistência e nunca se dar por
vencido, se houver mínima, mesmo que ínfima, chance de sucesso.
Querem um exemplo prático de como os tais “videntes” que há aos
montes por aí (claro, irremediáveis charlatães) geralmente dão
com os burros n’água ao tentarem desvendar o futuro a sério, e
não como mero exercício de ficção, o que seria mais lógico? Aí
vai. Tenho em mãos o “Almanaque Para Todos”, da dupla de
escritores norte-americanos Irving Wallace e David Wallenchinsky,
elaborado em 1975 e lançado no Brasil, em dois volumes, pela Editora
Record, um ano depois. Contém informações úteis e algumas,
digamos, não tão úteis assim, no entanto curiosas. Entre estas
últimas, a dupla relacionou algumas previsões para o futuro feitas
por psíquicos famosos e videntes que então estavam na moda.
Os acertos foram raríssimos e todos óbvios, do tipo “uma
personalidade famosa (que não identificam) vai morrer no ano tal”.
Todos os anos, sabemos, morre alguém conhecido do público. Essa
previsão não precisa sequer ser do polvo Pol – o tal que se
tornou célebre no período da Copa do Mundo de 2010 na África do
Sul, pelos prognósticos de resultados dos jogos que “teria feito”
e acertado. Como as pessoas gostam de ser ingênuas, de acreditar em
besteiras e de serem enganadas!
A título de curiosidade reproduzo algumas dessas “previsões”. O
psíquico britânico Malcolm Besset, por exemplo, previu que por
volta de 1979, os Estados Unidos entrariam em guerra com a China. Não
aconteceu, óbvio, coisíssima nenhuma nesse sentido. Foi um chute
que passou metros longe do gol. Já o pastor batista, David Bubar,
fundador da “Fundação SOS”, organização semirreligiosa do
Tennessee, relacionou uma série de “delírios” que, se fossem
ditos por brincadeira, seriam até divertidos, mas afirmados a sério,
descambam para o ridículo.
Afirmou, por exemplo, dando 100% de garantia, que em meados da década
de 80 do século passado russos e americanos tentariam colonizar a
lua e que a rivalidade entre ambos iria acarretar ações policiais
lunares. Não ocorreu, óbvio, nada sequer parecido. Disse, ainda,
que nesse mesmo período, “as pessoas seriam capazes de transformar
pensamentos em imagens numa tela parecida com a de televisão. E que
cientistas norte-americanos e russos inventariam um dispositivo, um
aparelho parecido com uma lanterna ou lata de aerosol, pelo qual as
pessoas poderiam ficar invisíveis. E que o telefone seria usado para
transmissão de pensamento. Esse daria um grande escritor de ficção
científica. O chato é que “previu” tudo isso a sério, em
programas de rádio e televisão de grande audiência.
O referido almanaque relaciona pelo menos 50 desses “profetas”,
com as respectivas “previsões”, todas furadíssimas por sinal.
Outro vidente citado foi um tal de Criswell, professor, agente
funerário, radialista e jornalista. Este não se fez de rogado e deu
asas à sua fértil imaginação. Garantiu, por exemplo, que na
década de 90, do século passado, os pensamentos e a moral das
pessoas seriam controlados externamente. Que os voos para Vênus,
Marte e Netuno seriam uma realidade nessa mesma ocasião. Que os
ônibus não mais seriam movidos a combustíveis derivados do
petróleo ou a etanol, mas por energia atômica. Que em 10 de março
de 1980 ocorreria, em Las Vegas, no Estado de Nevada, a 1ª Convenção
Interplanetária, com a participação de convencionais provenientes
de Marte, Vênus, Netuno, Lua e dos Estados Unidos, claro. O chato é
que o cidadão fez essas previsões estapafúrdias a sério. E o mais
chato ainda é que muita gente acreditou.
Essas previsões são tão divertidas, que dá vontade de
reproduzi-las todas. Claro que não farei esta maldade com o leitor,
até porque foram tantas, que ocupariam o espaço de um livro de
cerca de mil páginas. E quantas se concretizaram? Poucas,
pouquíssimas, algo em torno de 2%, no máximo, e assim mesmo
daquelas óbvias, que eu, você, seu vizinho, sua empregada etc.
faríamos e acertaríamos na mosca.
O futuro é o que ainda não existe, certo? Errado! Nem sempre é
assim. Não, pelo menos, em relação ao segundo seguinte ao que
estamos vivendo. É consequência do que fizemos no passado e do que
estivermos fazendo agora. Não surge, como por encanto, do nada.
Nosso futuro estamos construindo a cada momento, mediante atos,
empenho e predisposição do espírito. Se perdermos tempo com
temores exacerbados, inúteis lamentações e manifestações de
pessimismo e mau humor (ou com bobagens como tentar adivinhar o que
irá acontecer, “se” acontecer), quando ele chegar, e num piscar
de olhos, será estéril, sem que tenhamos feito nada de útil e
proveitoso para nós e para a espécie.
Nem esse futuro imediato (a jato), todavia, temos condições de
prever. Não com 100% de acerto. Aliás, “prever” não é o termo
correto, o verbo deve ser substituído por palpitar. Porquanto,
afirmo, reafirmo e reitero: “previsão” é mera figura de
linguagem, uma espécie de metáfora, porquanto não se pode “ver”
previamente o que ainda não existe ou que não aconteceu. Pode, isso
sim, render boa literatura de ficção. Ou não, se o recurso for
usado impropriamente, com exagero, e por um mau escritor.
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