Monday, February 12, 2018


Criança no adulto


Pedro J. Bondaczuk


A natureza é, mesmo, caprichosa, mas sumamente sábia. Dota-nos do essencial para a vida – como o andar, falar, comer, sonhar, se deslumbrar, temer etc.etc.etc. – na mais tenra infância. A maior parte do que aprendemos depois é, senão supérfluo, indesejável e, não raro, nocivo e até perigoso. Claro que não se pode radicalizar. Apendemos, também, coisas úteis e até indispensáveis. Mas...

Com o passar dos anos, vamos deixando pelo caminho nossos sonhos, fantasias e ideais de menino, como se fossem descartáveis, trocando-os por valores que, de fato, pouco ou nada valem. Perdemos a inocência e, como Adão no Paraíso após desobedecer a Deus, constatamos que “estamos nus”.

Quem consegue conservar, em essência, no fundo da alma, a criança que um dia foi, se torna ou um líder, ou um revolucionário, ou um santo, ou um grande artista. Quem não tem essa prudência... Tem que se contentar em ser mais um, dos tantos seres humanos que povoam o planeta, sem nada de original ou especial que o distinga.

Temos que aprender a nos alegrar como crianças, sem que essa alegria dependa de fatores externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar espontânea em nosso coração pelo simples fato de estarmos vivos, de podermos usufruir, de graça, das delícias da natureza, de um dia de sol, da sombra amiga de um belo bosque ou do banquete de beleza proporcionado por um jardim intensamente florido.

Vinculamos nossa alegria a pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente sabemos como voltar a nos alegrar. João Guimarães Rosa escreveu um belíssimo texto, com o qual muitos discordam, mas que concordo plenamente, pela verdade que encerra. Diz: “Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos. Essa é a alegria que Ele quer”. E nós, em nossa falta de entendimento, não aprendemos a lição. Lamentamos a perda das pessoas e coisas e mostramos que somos incapazes de nos alegrar sozinhos.

O engraçado é que, quando um adulto age ou fala de forma imprudente, sem o mínimo bom-senso, diz-se que está fazendo “criancice”. É uma injustiça tola contra a criança, fruto de preconceito. Dá a entender que tudo o que ela fala ou faz é um amontoado de tolices. Não é! Dizemos e fazemos muito mais besteiras quando nos tornamos adultos e ninguém diz que estamos fazendo “adultices”. Ademais, a criança, se bem instruída e orientada, certamente será um homem ou uma mulher notável, quem sabe, até, genial. E o adulto sem instrução é melhor? Não! Claro que não!

Também tem sempre que aprender alguma coisa, melhorar em algum ponto, se informar, se instruir, se educar. Contudo, sua capacidade de aprendizagem já não é a mesma dos tempos de criança. A educação é um processo ininterrupto, que vai do berço à tumba. Reitero que, mesmo que relutemos em admitir, trazemos em nós o menino (ou a menina, no caso das mulheres) que um dia fomos. Muitos, todavia, o sufocam, aprisionam, escondem e depois reclamam que são infelizes. Não é de se admirar. Afinal, sem se darem conta, negam-se a si próprios.

As crianças são muito mais sábias, e práticas, do que ousamos admitir. Contam com aquela sabedoria natural, primitiva, herdada de gerações de antepassados, inscrita em seus genes, ainda não contaminada por dogmas, teorias, discutíveis conceitos e caducas ideologias. Perdemos a inocência original por nos esquecermos de como éramos nessa fase da nossa vida. Não deveríamos.

Para chegarmos ao menos próximos da sabedoria, não podemos, jamais, deixar morrer em nós a inocência da infância. Não devemos nunca sufocar a criança que vive em nós, mas lhe dar espaço e ouvidos, para não nos deixarmos enredar por dogmas contestáveis e tolos e vazios preconceitos, embora à revelia de críticas e de zombarias dos néscios, que se julgam sábios.

Não sou eu que o digo, mas o eminente psicanalista Carl Gustav Jung, do alto da sua inegável autoridade de mestre no assunto. Ele escreveu a respeito: “Falamos sobre a criança, mas deveríamos ter em vista a criança no adulto, porque em cada adulto está escondida uma criança – uma eterna criança, algo que está sempre crescendo, que nunca se completa e exige incessante cuidado, atenção e educação”.

Não importa, portanto, que ostentemos ares de sisudez, por achar que essa postura nos confere respeitabilidade e maturidade. Não confere. Aliás, o amadurecimento verdadeiro implica em não abrir mão das experiências, até as mais pequeninas e aparentemente sem valor, colhidas na infância. Por exemplo, tenhamos a idade que tivermos, teremos, sempre, necessidade, até física, de brincar, de dar asas à imaginação, de criar e viver fantasias.

Só guardando essa simplicidade, essa capacidade imensa de se alegrar, essa inocência primitiva, seremos amados e, consequentemente, felizes. Devemos, portanto, manter a autenticidade, a transparência e a pureza das crianças. Cristo já dizia: “Vinde a mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus”. Ele será nosso também, no entanto, caso não deixemos calar (ou morrer) o menino que teima em habitar em nós.



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