Criança no adulto
Pedro J. Bondaczuk
A natureza é, mesmo,
caprichosa, mas sumamente sábia. Dota-nos do essencial para a vida –
como o andar, falar, comer, sonhar, se deslumbrar, temer etc.etc.etc.
– na mais tenra infância. A maior parte do que aprendemos depois
é, senão supérfluo, indesejável e, não raro, nocivo e até
perigoso. Claro que não se pode radicalizar. Apendemos, também,
coisas úteis e até indispensáveis. Mas...
Com o passar dos anos, vamos
deixando pelo caminho nossos sonhos, fantasias e ideais de menino,
como se fossem descartáveis, trocando-os por valores que, de fato,
pouco ou nada valem. Perdemos a inocência e, como Adão no Paraíso
após desobedecer a Deus, constatamos que “estamos nus”.
Quem consegue conservar, em
essência, no fundo da alma, a criança que um dia foi, se torna ou
um líder, ou um revolucionário, ou um santo, ou um grande artista.
Quem não tem essa prudência... Tem que se contentar em ser mais um,
dos tantos seres humanos que povoam o planeta, sem nada de original
ou especial que o distinga.
Temos que aprender a nos
alegrar como crianças, sem que essa alegria dependa de fatores
externos, como coisas e pessoas. Ela deve brotar espontânea em nosso
coração pelo simples fato de estarmos vivos, de podermos usufruir,
de graça, das delícias da natureza, de um dia de sol, da sombra
amiga de um belo bosque ou do banquete de beleza proporcionado por um
jardim intensamente florido.
Vinculamos nossa alegria a
pessoas e coisas e quando as perdemos, raramente sabemos como voltar
a nos alegrar. João Guimarães Rosa escreveu um belíssimo texto,
com o qual muitos discordam, mas que concordo plenamente, pela
verdade que encerra. Diz: “Deus nos dá pessoas e coisas, para
aprendermos a alegria. Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já
somos capazes da alegria sozinhos. Essa é a alegria que Ele quer”.
E nós, em nossa falta de entendimento, não aprendemos a lição.
Lamentamos a perda das pessoas e coisas e mostramos que somos
incapazes de nos alegrar sozinhos.
O engraçado é que, quando um
adulto age ou fala de forma imprudente, sem o mínimo bom-senso,
diz-se que está fazendo “criancice”. É uma injustiça tola
contra a criança, fruto de preconceito. Dá a entender que tudo o
que ela fala ou faz é um amontoado de tolices. Não é! Dizemos e
fazemos muito mais besteiras quando nos tornamos adultos e ninguém
diz que estamos fazendo “adultices”. Ademais, a criança, se bem
instruída e orientada, certamente será um homem ou uma mulher
notável, quem sabe, até, genial. E o adulto sem instrução é
melhor? Não! Claro que não!
Também tem sempre que
aprender alguma coisa, melhorar em algum ponto, se informar, se
instruir, se educar. Contudo, sua capacidade de aprendizagem já não
é a mesma dos tempos de criança. A educação é um processo
ininterrupto, que vai do berço à tumba. Reitero que, mesmo que
relutemos em admitir, trazemos em nós o menino (ou a menina, no caso
das mulheres) que um dia fomos. Muitos, todavia, o sufocam,
aprisionam, escondem e depois reclamam que são infelizes. Não é de
se admirar. Afinal, sem se darem conta, negam-se a si próprios.
As crianças são muito mais
sábias, e práticas, do que ousamos admitir. Contam com aquela
sabedoria natural, primitiva, herdada de gerações de antepassados,
inscrita em seus genes, ainda não contaminada por dogmas, teorias,
discutíveis conceitos e caducas ideologias. Perdemos a inocência
original por nos esquecermos de como éramos nessa fase da nossa
vida. Não deveríamos.
Para chegarmos ao menos
próximos da sabedoria, não podemos, jamais, deixar morrer em nós a
inocência da infância. Não devemos nunca sufocar a criança que
vive em nós, mas lhe dar espaço e ouvidos, para não nos deixarmos
enredar por dogmas contestáveis e tolos e vazios preconceitos,
embora à revelia de críticas e de zombarias dos néscios, que se
julgam sábios.
Não sou eu que o digo, mas o
eminente psicanalista Carl Gustav Jung, do alto da sua inegável
autoridade de mestre no assunto. Ele escreveu a respeito: “Falamos
sobre a criança, mas deveríamos ter em vista a criança no adulto,
porque em cada adulto está escondida uma criança – uma eterna
criança, algo que está sempre crescendo, que nunca se completa e
exige incessante cuidado, atenção e educação”.
Não importa, portanto, que
ostentemos ares de sisudez, por achar que essa postura nos confere
respeitabilidade e maturidade. Não confere. Aliás, o amadurecimento
verdadeiro implica em não abrir mão das experiências, até as mais
pequeninas e aparentemente sem valor, colhidas na infância. Por
exemplo, tenhamos a idade que tivermos, teremos, sempre, necessidade,
até física, de brincar, de dar asas à imaginação, de criar e
viver fantasias.
Só guardando essa
simplicidade, essa capacidade imensa de se alegrar, essa inocência
primitiva, seremos amados e, consequentemente, felizes. Devemos,
portanto, manter a autenticidade, a transparência e a pureza das
crianças. Cristo já dizia: “Vinde a mim as criancinhas, pois
delas é o Reino dos Céus”. Ele será nosso também, no entanto,
caso não deixemos calar (ou morrer) o menino que teima em habitar em
nós.
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