Tuesday, February 06, 2018


A imaginação não tem limites

Pedro J. Bondaczuk

Não há limites para a imaginação dos bons escritores na escolha dos temas e na criação de cenários e personagens de suas histórias. Tanto podem abordar o que existe, enfocado, todavia, por ângulos inusitados, inesperados e originais, quanto o que nunca existiu, mas que poderia (pode?) existir. Ou, então, cuja existência nos pareça impossível (e talvez o seja), mas a que, com seu talento e inventividade, conferem verossimilhança.

De fato, não há limites para a criatividade e, sobretudo, para a imaginação. Alguns escritores, por exemplo, retornam, se não ao princípio de tudo, pelo menos ao remotíssimo passado, quando o homem ainda habitava as cavernas, era rústico e selvagem e mal tomava consciência do que era, onde estava e se apercebia pela primeira vez que podia até se reproduzir, mas que era impotente para evitar a morte. Quão terrível deve ter sido ao primitivíssimo Homo Sapiens tomar consciência dessa realidade!

Há, todavia, os que “viajam” muito mais, avançam futuro adentro e desvendam ao leitor, em inconsciente exercício profético, um mundo possível, mesmo que improvável. Há, ainda, quem se valha de antiqüíssimos textos de registros históricos, para inventar personagens, cenários e episódios fictícios obviamente (se não, não seria invenção) tendo por pano de fundo pessoas que existiram e acontecimentos que de fato se verificaram. Reitero, não há limites para a criatividade e a imaginação.

Paulo Coelho, por exemplo, inspirou-se na Bíblia, mais especificamente em um pequeno trecho do primeiro livro dos Reis, no Velho Testamento, para escrever um romance instigante e original, de tirar o fôlego: “O Monte Cinco”.

Curiosamente, embora essa obra ficcional tenha esgotado inúmeras edições (afinal, esse escritor deve ser reencarnação de Midas, porquanto faz com que tudo o que toque se transforme em ouro), esse livro não repercutiu, nem na crítica especializada e nem nos mais diversos círculos literários. Por que? Talvez por preconceito em relação ao autor, sei lá. Quando se menciona a bibliografia de Paulo Coelho, esse magnífico romance nem mesmo é mencionado ou, quando é, a menção ocorre apenas de passagem.

O escritor, em vez de criar novo personagem, como tantos que criou, optou por “recriar” um dos mais misteriosos, instigantes e psicologicamente ricos da tradição bíblica: o profeta Elias. Certamente tratou-se de um homem excepcional, que se vivesse em nossos dias, frequentaria assiduamente as manchetes da imprensa, mas não por deter e abusar de poder político, longe disso, todavia pela convicção nos princípios morais e espirituais que o norteavam e, sobretudo, pela inabalável fé que tinha, que lhe conferia incomparável coragem. Contudo, não para guerrear, destruir, matar e conquistar povos pelas armas, como Alexandre o Grande, por exemplo, mas para conduzir uma nascente nação aos pés do Deus único, em contraposição aos inúmeros e sanguinários deuses pagãos do seu tempo.

Foi um indivíduo, certamente, tão carismático, que a Bíblia assegura que jamais conheceu a morte. Paulo Coelho assim se refere a essa “imortalidade”: “Conta a Bíblia que certa tarde, quando conversava com Eliseu – o profeta que nomeara como seu sucessor – um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro, e Elias subiu aos céus num rodamoinho”. Os que creem em ETs (e são muitos), interpretam essa passagem como uma das primeiras viagens espaciais humanas.

Paulo Coelho prossegue: “Quase oitocentos anos depois, Jesus convida Pedro, Santiago e João para subirem um monte. Conta o evangelista Mateus que Jesus foi transfigurado diante deles, o seu rosto resplandecia como o sol, e suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que apareceram Moisés e Elias falando com Ele”.

O livro de Paulo Coelho, todavia, não se concentra nessa misteriosa viagem do profeta ao além (para onde seria?). Narra outro episódio, este verídico e, sobretudo, verossímil, ocorrido no século IX a.C. Seu foco é o exílio de Elias na Fenícia (atual Líbano), para escapar da sanha homicida da rainha Jezabel.

A monarca pagã havia introduzido a adoração a uma infinidade de deuses do seu culto pessoal entre os israelitas, notadamente ao mais popular no Oriente Médio na época: Baal. Determinara que tais divindades fossem cultuadas por toda a população. E banira, em contrapartida, o culto ao Deus único dos hebreus, invisível e sem imagens que o representassem. Foi mais longe: determinou que todos os que se opusessem às suas ordens fossem sumariamente mortos.

Elias, claro, se opôs e conclamou o povo a fazer o mesmo. Por isso, passou a ser o principal alvo da fúria homicida de Jezabel. Optou pelo exílio, com a esperança de voltar, para redimir os israelitas do paganismo e conduzi-los nos caminhos da retidão, justiça e verdade.

Em torno desse episódio real, Paulo Coelho constrói, habilmente, uma história magnífica e criativa e, principalmente, verossímil. Ou seja, se não aconteceu dessa forma, bem que poderia ter acontecido.

Como de hábito, sempre que comento algum livro, não revelarei também o enredo deste. Recomendo que vocês leiam este romance, com o devido espírito crítico, mas sem reservas prévias e sem o preconceito que estranhamente cerca esse campeoníssimo de vendas.


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