Sunday, February 18, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Meio e finalidade


Meio e finalidade



Pedro J. Bondaczuk


As campanhas para as eleições municipais de 3 de outubro começam a ganhar as ruas, embora ainda timidamente, e já se observa o mesmo tipo de comportamento vicioso que caracteriza o processo eleitoral nacional: uso da máquina estatal, aliciamentos e esbanjamento de dinheiro.

Todavia, esta é a melhor das oportunidades para que os cidadãos deem início a um amplo processo de renovação da vida pública do País, não somente em termos de nomes, mas, principalmente, de comportamentos.

Os acontecimentos que o Brasil todo observa, estarrecido, na atualidade, no chamado escândalo PC e em outros, com denúncias e mais denúncias de corrupção, negociatas e transações ilícitas, mostram com clareza que o brasileiro ainda não apurou os seus critérios de escolha. Falta uma consciência mais clara do poder e da importância do voto.

Há os que ainda entendem que votar é uma forma de protesto, quando o objetivo está muito distante de ser este. Boa parte dos eleitores, nas últimas eleições que o País teve, abriu mão de sua cidadania e se omitiu. Muitos votaram em branco e um número não menos expressivo anulou seu sufrágio, escrevendo gracinhas nas cédulas, como se estivessem prestando algum serviço à Nação.

Houve quem transacionasse sua indicação de um representante, quer para o Legislativo, quer para o Executivo. Estes, trocaram o voto por promessas de empregos, por objetos ou por favores pessoais. Não votaram, portanto, naqueles que a seu critério eram os melhores, mas subornaram e se deixaram subornar. Praticaram, por isso, um ato de corrupção, como os que tanto condenam, embora talvez sequer se dessem conta disso.

Não há oportunidade melhor para iniciar um processo de moralização, no entanto, do que as eleições municipais. É nos municípios que os homens com talento para a vida pública descobrem suas vocações e as exercitam. Além disso, as pesquisas dos candidatos, a apuração do seu passado, da sua conduta, da sua capacidade, são mais facilmente exercitadas.

Quem se candidata a um posto expõe-se, explicitamente, a essa devassa. E é lícito e recomendável que os eleitores a façam. O padre Antonio Vieira disse que “a gentileza de um voto consiste em duas proporções: em proporcionar o meio com o fim, e em proporcionar o instrumento com o meio”.

O que isso significa? Qual a finalidade de se votar? Numa democracia, tal exercício destina-se a escolher os representantes do povo para atuar em seu nome. Ou seja, para serem o “instrumento” de manifestação de suas vontades e opiniões.

Como alguém pode ser representado por quem pensa de forma completamente diversa da sua ou cujas ideias sequer conhece? Pois foi isto o que aconteceu nas últimas eleições. Não é o sistema democrático que não funciona, o que há é uma falta de consciência sobre a importância e até a transcendência do voto.

A propósito, para quem vota por amizade, simpatia ou numa barganha com o candidato, o padre Vieira alerta: “Melhorou a fortuna o vosso maior amigo, e ao outro dia já vos olha com outros olhos, já vos fala com outra linguagem: o que ontem era amor, hoje é autoridade; o que ontem era rosto, hoje é semblante. Pois, meu amigo, que mudança é esta?”.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 18 de julho de 1992).


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