Autossuficiência
perigosa
Pedro J. Bondaczuk
Nada é mais perigoso para qualquer pessoa, não importa a atividade
que exerça, do que o ingênuo sentimento da autossuficiência. Quem
achar que sabe tudo de tudo, ou mais do que os outros, e não der a
menor importância à opinião alheia, estará semeando urtigas de
decepções nos vastos campos da vida. E estes têm solo sumamente
fértil. E as “plantas” que dele nascerem serão enormes,
espinhentas e dolorosas.
Em Literatura, o sentimento de autossuficiência pode ser fatal. Não
adianta você dizer: “escrevo à minha maneira, não tenho que dar
satisfações a ninguém, meu modo de escrever me satisfaz, pois
tenho talento e vocação”.
Ocorre que essas características não lhe são exclusivas. Todos
seus competidores também as têm. Afinal, como tudo na vida, a
Literatura também é atividade altamente competitiva. E como! Por
melhor escritor que você seja, sempre irá competir com outros
iguais ou melhores do que você: por espaços na mídia, por presença
nos catálogos de editoras, por prêmios literários, por cadeiras em
alguma academia etc.etc.etc.
Se você quiser escrever “apenas” para o próprio deleite, sem se
preocupar com estilo, conteúdo ou correção, escreva um diário ou
faça um blog pessoal e estará tudo bem. Não precisará suar a
camisa para elaborar texto algum, nem para aprender métodos que lhe
facilitem a tarefa e sequer ser cuidadoso na revisão dos seus textos
etc.
Mas se pretender escrever “profissionalmente”, vender seus livros
ou textos avulsos, creia, apenas o talento, a vocação e a tal da
“inspiração” não lhe bastarão. Você será presa fácil dos
críticos ferozes. Será encalhe certo nas prateleiras das livrarias.
E acabará banido da atividade pelo único personagem que deve nos
importar sempre e sempre, em qualquer circunstância ou ocasião: o
leitor.
Você terá, sim, crises de criatividade ao longo da carreira, e
muitas. Você cometerá, sim, erros, muitos erros, por haver
eventualmente se descuidado do essencial: uma criteriosa revisão.
Você encontrará, sim, como todo o mundo, dificuldades em criar e
desenvolver determinados personagens, em descrever certos cenários,
em estabelecer diálogos naturais e verossímeis e assim por diante.
Afinal, por melhor que você escreva, você não é gênio. Você é
só um escritor. E há, mundo afora, milhões iguais ou melhores que
você.
O escritor, além de precisar ser criativo e sempre exato em seu
linguajar, necessita da mesma precisão quando se refere a lugares,
fatos, pessoas etc. que menciona em seus textos. Para isso, todavia,
tem que cultivar o saudabilíssimo hábito da pesquisa. Quem confia
só na memória, quase sempre resvala para o irremediável ridículo.
Muitas vezes, o escritor arruína um bom livro por falta de capricho,
apenas por causa de mero detalhe que deixou escapar e que estava ao
seu alcance corrigir. Mas os críticos, e principalmente os leitores,
detectam esses senões, que poderiam ser evitados com um tiquinho, um
pouquinho a mais de cuidado.
Fontes de pesquisa é que não faltam. O ideal é contar com boa e
variada biblioteca, que tenha um pouco (se possível muitíssimo) de
todos os assuntos. Uma hemeroteca bem organizada tende, igualmente, a
ser providencial “pronto-socorro” nos momentos mais inesperados.
Reitero, não confie cegamente na memória. Não é preciso. Hoje há
fartura de informações e você não pode ser preguiçoso e deixar
de acessá-las.
Se você não tiver biblioteca nem hemeroteca, não será por isso
que ficará na mão. Há inúmeras alternativas para suprir essa
deficiência. Mas você terá que se deslocar, que andar um
pouquinho. Vá, por exemplo, à biblioteca pública da sua cidade.
Ali encontrará auxílio nas horas de necessidade. Algumas (as
melhores, obviamente) contam com coleções dos principais jornais do
País para consulta. Consulte-as, sobretudo as mais antigas. Faça
anotações. Se possível, tire cópias do que estava procurando.
Ah, você não tem biblioteca e nem hemeroteca e em sua cidade não
há biblioteca pública? Não é motivo para desespero. Você tem seu
computador que, se bem utilizado, lhe traz toda e qualquer informação
que lhe der na veneta. Há uma infinidade de sítios de consulta. Da
minha parte, prefiro o “Google”, que nunca me deixou na mão.
Apenas a título de exemplificação, peço licença para narrar
outro caso pessoal que, creio, irá servir para muitas pessoas que
enfrentem as mesmas circunstâncias que enfrentei. Estou concluindo
meu primeiro romance (até aqui, minhas “especialidades” tinham
sido o conto, a crônica, a poesia e o ensaio), já em fase de
revisão, mas ainda sem título.
A história se passa na Holanda dos anos 90. Quando comecei a
empreitada, confrontava-me com um obstáculo gigantesco, que me
parecia intransponível: nunca estive, nem em sonhos, nesse país.
Como dar, pois, cor local aos cenários, personagens e costumes se
não os conhecia? E o enredo, da maneira que o concebi, só poderia
se passar ali, em solo holandês, mais especificamente na cidade de
Roterdã.
Quanto aos personagens e costumes, a dificuldade não era tão
grande. Afinal, moro em Campinas, praticamente vizinha de Holambra,
município de colonização holandesa. Passei a frequentar, pois,
essa cidade, enturmei-me com o pessoal de lá, perguntei tudo o que
me veio na veneta (e muito mais) sobre esse país e sua gente e
anotei, louca, compulsiva e furiosamente tudo o que me diziam.
Tive sorte. Consegui, em Holambra, um bom vídeo promocional de
Roterdã. Fui a diversas agências de turismo e trouxe tudo quanto
era folheto de viagem que se referisse à Holanda. Minha sorte foi
maior ainda: deram-me um guia completo da cidade de Roterdã, com
tudo quanto era mapa de ruas, praças, avenidas, canais etc. dali.
Estudei todo esse material com o máximo cuidado antes de começar a
elaborar o texto final de cada capítulo. Previamente, havia feito,
claro, um “copião”, resumindo toda a história, como se faz com
roteiros de cinema (que há um bom tempo havia aprendido a fazer).
Quando pensava que não precisaria de mais nada para escrever,
afinal, meu romance, percebi que não era bem assim. Recorri, pois,
ao “Google”. Não uma e nem duas vezes, mas dezenas, centenas,
milhares de vezes. Não fiquei na mão uma única ocasião.
Em resumo, dei os originais não-revisados (muita coisa será
evidentemente cortada, pois o romance previsto para 250 páginas,
ficou com 500) para um amigo holandês ler e este caiu de costas. Não
acreditou que nunca fui à Holanda e que não tenha nenhuma
ascendência holandesa (não tenho mesmo, pois meu pai e minha mãe
são russos).
Por que o livro saiu tão bom? Por causa do meu eventual talento? De
jeito nenhum!! Foi por causa da pesquisa. Vá por mim, portanto,
amigo escritor: pesquisar o que quer que seja para seu novo livro não
é, em absoluto, nenhum luxo e muito menos perda de tempo. Dá um
trabalhão dos diabos, não tenha dúvidas, mas compensa. Creia-me, é
uma providência de primeiríssima necessidade que você terá que
tomar. E, ao longo da pesquisa, tenho certeza de que você ficará
fascinado e irá gostar demais dessa trabalhosa, mas fascinante e
compensadora aventura.
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