Profundo
ou confuso?
Pedro J. Bondaczuk
Há escritores que gostam de complicar seus textos, com profusão de
metáforas, de jargões, de palavras que existem mas que são
raramente utilizadas no cotidiano e vai por aí afora. Entendem que
isso seja “erudição” e que estão dando preciosa contribuição
às letras e ao idioma. Não estão. Esquecem-se que a literatura é
uma forma, talvez um pouco mais sofisticada, de comunicação. E o
comunicador que não se faz entendido por todos os que têm contato
com suas mensagens... é um fracassado.
Há escritores que são quase que ininteligíveis se você, ao
lê-los, não tiver um bom dicionário à mão, que terá que
consultar a todo o momento. Suas ideias são obscuras, ambíguas,
dissimuladas e você tem que fazer enorme ginástica mental para
tentar entendê-las. Alguns deles até que conseguem sucesso
escrevendo dessa forma empolada e firmam prestígio de eruditos. Mas
se você pedir aos seus leitores que façam uma descrição resumida
do que leram, mesmo aos mais cultos e esclarecidos, eles não
conseguirão. Poderão, até, apresentar suas “versões”, mas
dificilmente estas estarão de acordo com o que o sujeito de fato
escreveu.
Faço essa constatação não com o objetivo de criticar quem quer
que seja. Até porque, não cometeria a indelicadeza de nominar
escritores tão confusos, muitos até que se julgam, sinceramente,
literariamente profundos, mas que na verdade são apenas obscuros.
Faço-o no sentido de recomendar aos neófitos, aos jovens que estão
adentrando este fascinante e não raro decepcionante mundo das
letras, que atentem para os benefícios e a necessidade da clareza no
que escrevem. Lembrem-se que vocês são, também, comunicadores. E o
comunicador que não dá conta do recado de comunicar suas ideias e
impressões é a negação do agente dessa atividade.
O interessante é que muitos desses textos obscuros são, até, bem
construídos. Todavia, não raro seus autores se contradizem, sem que
atinem e sem que o leitor, que nada entendeu do que escreveram,
também perceba. Os filósofos (mas não somente eles) são muito
dados a se valer dessa suposta “profundeza literária”. É
mister, todavia, que se observe que clareza não implica no uso de
linguagem e estilo relapsos. Você pode (e deve) expressar-se
claramente e ainda assim com elegância e bom gosto. Aliás, este é
o nosso grande desafio. É o que caracteriza o bom escritor e o
distingue do medíocre (no sentido de mediano). Ademais, não se pode
confundir simplicidade com infantilidade.
Li, tempos atrás, interessante crônica de Luís Martins a esse
propósito, publicada no jornal O Estado de São Paulo, que não me
limitei a ler, mas a recortei e adicionei à minha vasta hemeroteca.
Aliás, abri uma pasta (que está abarrotada) exclusivamente para
arquivar textos desse escritor, que foi colunista por muitos anos
desse importante veículo de comunicação paulistano.
O texto a que me refiro intitula-se “A profundeza literária” e
foi publicado na coluna “Crônica” em 6 de agosto de 1968. Nele,
Luís Martins observa: “Muitas vezes, o efeito da profundeza
literária é intencionalmente procurado, com laboriosa e consciente
aplicação, e cujo êxito é uma "reussite" de falso
virtuosismo, nada mais. O que, a meu ver, é um equívoco. Pois, na
verdade, o mundo das ideias – a não ser que se trate da mente de
um louco – é um mundo lógico, ordenado e luminoso, onde não há
conclusões sem premissas, nem decretos ditatoriais sem
"consideranda". O que acontece é que, na maioria das
vezes, o pensador não é um escritor, isto é, vive no mundo das
ideias mas não sabe exprimi-las exatamente em conceitos claros e
objetivos, quando escreve; embrulha-se, divaga, perde-se num
labirinto de solilóquios vazios, estabelecendo a maior confusão. Em
suma, a profundeza é quase sempre um fruto da incapacidade de
expressão”.
Todas as vezes que compro algum livro com essas características, ou
seja, em que percebo que o autor quer mostrar maior profundeza
literária do que de fato tem, ou fazer uma desnecessária exibição
de erudição, sinto-me logrado. Como “castigo”, por não ter me
informado, antes de comprar, a respeito da tal obra, leio-a do começo
ao fim. Não raro, como castigo sobressalente, chego a relê-la, para
aprender a ser mais cauteloso com o que vier a adquirir. Algumas
dessas obras, consigo entender por completo, não sem antes fazer
incríveis acrobacias e malabarismos mentais. Outras... entendo
parcialmente, ficando vários pontos obscuros pendentes. Há,
todavia, alguns desses livros que, por mais que tente, não
compreendo patavina do que o autor quis dizer. E olhem que tenho
cultura de razoável para boa! Imagino o drama do leitor que não
seja, digamos, lá tão bem esclarecido.
Concordo com Luís Martins quando afirma que “o mundo das ideias é
um mundo lógico, ordenado e luminoso”. Nele, de fato, “não há
conclusões sem premissas”. Você até pode utilizar termos que não
sejam de uso comum em seus textos, mas deve contextualizá-los. E não
custa seguir a regrinha tão comum no jornalismo, que é a de
“decodificá-lo”, mas com competência, sem dar a entender ao
leitor que você o ache ignorante ou mal-informado. Como fazer isso?
Ora, ora, ora, existem mil formas. Se você é, de fato, profissional
do texto (e presume-se que o seja), não terá nenhuma dificuldade de
fazer isso. Quem tem a verdadeira profundeza literária deixa-a bem à
vista no que escreve. Mas de forma rigorosamente inteligível até
por parte do cidadão que acabou de ser alfabetizado. Fuja, pois, da
tentação de cair no pedantismo e de ostentar erudição, mesmo que
você seja, de fato, erudito. Agindo assim, esteja certo, ganhará
leitores e, por que não, fiéis e leais seguidores.
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