Wednesday, February 28, 2018

CRÔNICA DO DIA - Profundo ou confuso?


Profundo ou confuso?

Pedro J. Bondaczuk

Há escritores que gostam de complicar seus textos, com profusão de metáforas, de jargões, de palavras que existem mas que são raramente utilizadas no cotidiano e vai por aí afora. Entendem que isso seja “erudição” e que estão dando preciosa contribuição às letras e ao idioma. Não estão. Esquecem-se que a literatura é uma forma, talvez um pouco mais sofisticada, de comunicação. E o comunicador que não se faz entendido por todos os que têm contato com suas mensagens... é um fracassado.

Há escritores que são quase que ininteligíveis se você, ao lê-los, não tiver um bom dicionário à mão, que terá que consultar a todo o momento. Suas ideias são obscuras, ambíguas, dissimuladas e você tem que fazer enorme ginástica mental para tentar entendê-las. Alguns deles até que conseguem sucesso escrevendo dessa forma empolada e firmam prestígio de eruditos. Mas se você pedir aos seus leitores que façam uma descrição resumida do que leram, mesmo aos mais cultos e esclarecidos, eles não conseguirão. Poderão, até, apresentar suas “versões”, mas dificilmente estas estarão de acordo com o que o sujeito de fato escreveu.

Faço essa constatação não com o objetivo de criticar quem quer que seja. Até porque, não cometeria a indelicadeza de nominar escritores tão confusos, muitos até que se julgam, sinceramente, literariamente profundos, mas que na verdade são apenas obscuros. Faço-o no sentido de recomendar aos neófitos, aos jovens que estão adentrando este fascinante e não raro decepcionante mundo das letras, que atentem para os benefícios e a necessidade da clareza no que escrevem. Lembrem-se que vocês são, também, comunicadores. E o comunicador que não dá conta do recado de comunicar suas ideias e impressões é a negação do agente dessa atividade.

O interessante é que muitos desses textos obscuros são, até, bem construídos. Todavia, não raro seus autores se contradizem, sem que atinem e sem que o leitor, que nada entendeu do que escreveram, também perceba. Os filósofos (mas não somente eles) são muito dados a se valer dessa suposta “profundeza literária”. É mister, todavia, que se observe que clareza não implica no uso de linguagem e estilo relapsos. Você pode (e deve) expressar-se claramente e ainda assim com elegância e bom gosto. Aliás, este é o nosso grande desafio. É o que caracteriza o bom escritor e o distingue do medíocre (no sentido de mediano). Ademais, não se pode confundir simplicidade com infantilidade.

Li, tempos atrás, interessante crônica de Luís Martins a esse propósito, publicada no jornal O Estado de São Paulo, que não me limitei a ler, mas a recortei e adicionei à minha vasta hemeroteca. Aliás, abri uma pasta (que está abarrotada) exclusivamente para arquivar textos desse escritor, que foi colunista por muitos anos desse importante veículo de comunicação paulistano.

O texto a que me refiro intitula-se “A profundeza literária” e foi publicado na coluna “Crônica” em 6 de agosto de 1968. Nele, Luís Martins observa: “Muitas vezes, o efeito da profundeza literária é intencionalmente procurado, com laboriosa e consciente aplicação, e cujo êxito é uma "reussite" de falso virtuosismo, nada mais. O que, a meu ver, é um equívoco. Pois, na verdade, o mundo das ideias – a não ser que se trate da mente de um louco – é um mundo lógico, ordenado e luminoso, onde não há conclusões sem premissas, nem decretos ditatoriais sem "consideranda". O que acontece é que, na maioria das vezes, o pensador não é um escritor, isto é, vive no mundo das ideias mas não sabe exprimi-las exatamente em conceitos claros e objetivos, quando escreve; embrulha-se, divaga, perde-se num labirinto de solilóquios vazios, estabelecendo a maior confusão. Em suma, a profundeza é quase sempre um fruto da incapacidade de expressão”.

Todas as vezes que compro algum livro com essas características, ou seja, em que percebo que o autor quer mostrar maior profundeza literária do que de fato tem, ou fazer uma desnecessária exibição de erudição, sinto-me logrado. Como “castigo”, por não ter me informado, antes de comprar, a respeito da tal obra, leio-a do começo ao fim. Não raro, como castigo sobressalente, chego a relê-la, para aprender a ser mais cauteloso com o que vier a adquirir. Algumas dessas obras, consigo entender por completo, não sem antes fazer incríveis acrobacias e malabarismos mentais. Outras... entendo parcialmente, ficando vários pontos obscuros pendentes. Há, todavia, alguns desses livros que, por mais que tente, não compreendo patavina do que o autor quis dizer. E olhem que tenho cultura de razoável para boa! Imagino o drama do leitor que não seja, digamos, lá tão bem esclarecido.

Concordo com Luís Martins quando afirma que “o mundo das ideias é um mundo lógico, ordenado e luminoso”. Nele, de fato, “não há conclusões sem premissas”. Você até pode utilizar termos que não sejam de uso comum em seus textos, mas deve contextualizá-los. E não custa seguir a regrinha tão comum no jornalismo, que é a de “decodificá-lo”, mas com competência, sem dar a entender ao leitor que você o ache ignorante ou mal-informado. Como fazer isso? Ora, ora, ora, existem mil formas. Se você é, de fato, profissional do texto (e presume-se que o seja), não terá nenhuma dificuldade de fazer isso. Quem tem a verdadeira profundeza literária deixa-a bem à vista no que escreve. Mas de forma rigorosamente inteligível até por parte do cidadão que acabou de ser alfabetizado. Fuja, pois, da tentação de cair no pedantismo e de ostentar erudição, mesmo que você seja, de fato, erudito. Agindo assim, esteja certo, ganhará leitores e, por que não, fiéis e leais seguidores.


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