Thursday, August 24, 2017

Vaga noção de valor


Pedro J. Bondaczuk


A longa convivência com taxas absurdas de inflação --- o processo inflacionário, embora tenha se agravado apenas nos dois últimos anos, se arrasta desde o longínquo 1973 --- fez com que a sociedade brasileira perdesse a noção de valor.

Hoje, virtualmente, ninguém sabe definir o que é caro ou o que é barato. Nesse clima de "esquizofrenia" --- como o ex-ministro da Fazenda e atual candidato do PSDB à Presidência, Fernando Henrique Cardoso, chegou a classificar o comportamento desse ente vago chamado "mercado" --- é muito difícil identificar os preços abusivos. A não sder em casos em que cartéis e oligopólios raiam ao delírio. Mas há leis para coibir esses abusos. Basta aplicá-las.

Após cinco planos sucessivos fracassados, não é de se estranhar o quase pânico que domina alguns setores e o cepticismo generalizado em relação à introdução da nova moeda. É até possível, se o governo fizer sua parte, que o novo programa de estabilização funcione.

Mas o processo, por melhor comandado que seja, certamente não será pacífico. Prevê-se que o Judiciário terá muito trabalho nos próximos tempos, com a enxurrada de ações que certamente vai existir. O caso da conversão das mensalidades escolares para a Unidade Real de Valor, por exemplo, vai ser um deles.

Quem está certo na questão? O presidente Itamar Franco, ao editar a polêmica Medida Provisória 524, à revelia, inclusive, da equipe econômica? Ou os proprietários de escolas particulares, que alegam quebra de contrato?

Situações conflitivas como esta podem ser consideradas até normais depois de 21 anos consecutivos de taxas absurdas de inflação. Num determinado momento --- e o ideal é que seja agora --- a sociedade terá que se conscientizar de que o Brasil não pode mais manter um processo inflacionário crescente, como o atual, sob pena de se inviabilizar como país de futuro.

A situação social, neste momento, já é para lá de preocupante, tamanha é a quantidade de indigentes, de desempregados, de sem-teto e de famintos. Ninguém mais está disposto a continuar vivendo de promessas nem de servir de cobaia a burocratas imaginativos com seus planos mirabolantes, lançados com estardalhaço e que acabam naufragando melancolicamente ao cabo de poucos meses.

O Brasil, hoje, em termos de inflação, é uma aberração mundial. Por isso, manda a prudência, seria caso até de alguns setores, que lucraram mais do que deveriam de 1973 para cá, aceitarem alguma eventual perda agora e atuarem no sentido de garantir o sucesso do Real. Sendo, ou não, um programa eleitoreiro...

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de junho de 1994).



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