Vaga noção de valor
Pedro J. Bondaczuk
A longa convivência com taxas
absurdas de inflação --- o processo inflacionário, embora tenha se
agravado apenas nos dois últimos anos, se arrasta desde o longínquo
1973 --- fez com que a sociedade brasileira perdesse a noção de
valor.
Hoje, virtualmente, ninguém
sabe definir o que é caro ou o que é barato. Nesse clima de
"esquizofrenia" --- como o ex-ministro da Fazenda e atual
candidato do PSDB à Presidência, Fernando Henrique Cardoso, chegou
a classificar o comportamento desse ente vago chamado "mercado"
--- é muito difícil identificar os preços abusivos. A não sder em
casos em que cartéis e oligopólios raiam ao delírio. Mas há leis
para coibir esses abusos. Basta aplicá-las.
Após cinco planos sucessivos
fracassados, não é de se estranhar o quase pânico que domina
alguns setores e o cepticismo generalizado em relação à introdução
da nova moeda. É até possível, se o governo fizer sua parte, que o
novo programa de estabilização funcione.
Mas o processo, por melhor
comandado que seja, certamente não será pacífico. Prevê-se que o
Judiciário terá muito trabalho nos próximos tempos, com a
enxurrada de ações que certamente vai existir. O caso da conversão
das mensalidades escolares para a Unidade Real de Valor, por exemplo,
vai ser um deles.
Quem está certo na questão?
O presidente Itamar Franco, ao editar a polêmica Medida Provisória
524, à revelia, inclusive, da equipe econômica? Ou os proprietários
de escolas particulares, que alegam quebra de contrato?
Situações conflitivas como
esta podem ser consideradas até normais depois de 21 anos
consecutivos de taxas absurdas de inflação. Num determinado momento
--- e o ideal é que seja agora --- a sociedade terá que se
conscientizar de que o Brasil não pode mais manter um processo
inflacionário crescente, como o atual, sob pena de se inviabilizar
como país de futuro.
A situação social, neste
momento, já é para lá de preocupante, tamanha é a quantidade de
indigentes, de desempregados, de sem-teto e de famintos. Ninguém
mais está disposto a continuar vivendo de promessas nem de servir de
cobaia a burocratas imaginativos com seus planos mirabolantes,
lançados com estardalhaço e que acabam naufragando melancolicamente
ao cabo de poucos meses.
O Brasil, hoje, em termos de
inflação, é uma aberração mundial. Por isso, manda a prudência,
seria caso até de alguns setores, que lucraram mais do que deveriam
de 1973 para cá, aceitarem alguma eventual perda agora e atuarem no
sentido de garantir o sucesso do Real. Sendo, ou não, um programa
eleitoreiro...
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de junho de 1994).
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