Monday, August 14, 2017

É fácil derrubar os muros da intolerância

Pedro J. Bondaczuk

O homem, com seu engenho e inteligência, deu, ontem, novo passo rumo ao conhecimento de como se formou o mundo que habita e o sistema em que está inserido. Durante bom período de tempo, uma nave, fabricada em nosso planeta, enviou imagens espetaculares do Cometa de Halley, vistas na União Soviética (dona da sonda espacial responsável pela transmissão) e nos Estados Unidos, através da rede de televisão ABC. No instante em que tais imagens chegavam ao Centro Espacial Soviético, em Moscou, cientistas do mundo inteiro estavam reunidos na capital russa para apreciar esse magnífico momento, num raro instante de cooperação e concórdia internacionais. A curiosidade científica derrubou, dessa forma, transitoriamente, estúpidas barreiras ideológicas que os homens erigiram, como se um ser tão complexo, como o humano, pudesse ser padronizado em seu comportamento, em seus desejos e ambições.

Aliás, essa mentalidade dicotômica é relativamente recente, se confrontada no amplo plano da História. Data de uns 150 anos e nesse período comprovou que a única coisa que se obteve foi antagonizar povos que poderiam (e deveriam) viver perfeitamente integrados. Os dois sistemas vigentes, por paradoxal que pareça, têm mais semelhanças do que diferenças. Teoricamente, ambos deveriam ser diametralmente opostos. Todavia, são mais parecidos do que se possa, à primeira vista, imaginar. São frutos de mentes que se julgavam “iluminadas” e que procuraram quantificar o que nem mesmo é quatificável: o ideal humano.

Um deles, por exemplo, “endeusa” uma entidade abstrata, que deveria ser a garantidora e protetora da individualidade (esta, sim, sagrada), mas que, no entanto, reduz as pessoas à escravidão. Trata-se de algo definido por uma palavra vaga, que tanto pode designar uma determinada condição, quanto uma unidade federativa ou mesmo uma comunidade nacional. Refiro-me, e o leitor inteligente já percebeu, ao Estado. Neste caso está o que se convencionou denominar de “Comunismo”. O outro sistema ideológico, que se lhe opõe, joga todas as suas fichas em outra abstração idêntica, fruto de uma distorção da ideia original de riqueza. O dinheiro, como hoje conhecemos, não passa de um símbolo, tanto de mercadorias, quanto de habilidades. Contudo,.de função simbólica, foi transformado em algo concreto em si, permitindo, até, que pessoas que jamais trabalharam e que nunca produziram bens além de suas necessidades e que, portanto, não geraram o “lastro” do que é simbolizado, concentrassem quantidades indecentes, pornográficas até desse símbolo. Ao dinheiro acumulado deu-se o nome de “Capital” e ao sistema ideológico que o prioriza, de “Capitalismo”.

O leitor percebe o quanto há de vazio, ilógico e distorcido nisso tudo? Quem, por exemplo, delegou autoridade aos criadores desses dois sistemas que hoje dividem o mundo, e que determinam não apenas o presente, mas também o futuro de bilhões de pessoas? E pensar que multidões já se mataram, se matam e provavelmente se matarão por isso que aí está. Será que o homem, único animal da natureza dotado de razão, nasceu para tão pouco? Será que este ser tão complexo, que com seu engenho e arte, já conseguiu, até, deixar seu domus cósmico para explorar o desconhecido, veio ao mundo para ser virtualmente “escravo”, não importa se do Estado ou do tal do Capital? Escravo de alguma entidade divina, perfeita e imortal? Não! Mas servo dos seguidores de quem criou estes dois sistemas: mortais, frágeis e vulneráveis como qualquer um de nós.

Como o homem é contraditório! Tem lampejos tão extraordinários de sabedoria sucedidos por tão contundentes ofuscamentos da razão. Berra a plenos pulmões por liberdade, mas, deliberadamente, se deixa escravizar por um dos dois sistemas ideológicos vigentes. Reflete, em determinados momentos, a magnífica sabedoria cósmica para no momento seguinte agir como a mais bronca e estúpida das feras.

Imaginem como seria delicioso viver em um mundo de irrestrita fraternidade e justiça, no qual o forte protegesse e amparasse o fraco e o sábio destinasse o fruto do seu privilegiado cérebro apenas para a conquista e manutenção do bem geral, em sentido sempre coletivo, sem barganhar (como faz hoje) nem poder, nem riqueza e nem mesmo projeção pessoal. Imaginem uma única comunidade mundial, que fosse, sobretudo, consensual, sem as coisas que hoje nos dividem, ou seja, sem comunismo, sem capitalismo, sem terceiros mundos, opeps, fmis, gatts e uma infinidade de outras entidades, criadas pelo homem que, ao fim e ao cabo, se constituem em seus grilhões para o manter escravizado. Imaginem, elucubrem, deem asas à imaginação até onde sua capacidade de gerar fantasias alcance. Do jeito que as coisas estão postas, esta é a única forma de gozarmos ilusórios e fugazes instantes de liberdade. Ou seja, somente pela imaginação.


(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 7 de março de 1986).

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