É
fácil derrubar os muros da intolerância
Pedro
J. Bondaczuk
O
homem, com seu engenho e inteligência, deu, ontem, novo passo rumo
ao conhecimento de como se formou o mundo que habita e o sistema em
que está inserido. Durante bom período de tempo, uma nave,
fabricada em nosso planeta, enviou imagens espetaculares do Cometa de
Halley, vistas na União Soviética (dona da sonda espacial
responsável pela transmissão) e nos Estados Unidos, através da
rede de televisão ABC. No instante em que tais imagens chegavam ao
Centro Espacial Soviético, em Moscou, cientistas do mundo inteiro
estavam reunidos na capital russa para apreciar esse magnífico
momento, num raro instante de cooperação e concórdia
internacionais. A curiosidade científica derrubou, dessa forma,
transitoriamente, estúpidas barreiras ideológicas que os homens
erigiram, como se um ser tão complexo, como o humano, pudesse ser
padronizado em seu comportamento, em seus desejos e ambições.
Aliás,
essa mentalidade dicotômica é relativamente recente, se confrontada
no amplo plano da História. Data de uns 150 anos e nesse período
comprovou que a única coisa que se obteve foi antagonizar povos que
poderiam (e deveriam) viver perfeitamente integrados. Os dois
sistemas vigentes, por paradoxal que pareça, têm mais semelhanças
do que diferenças. Teoricamente, ambos deveriam ser diametralmente
opostos. Todavia, são mais parecidos do que se possa, à primeira
vista, imaginar. São frutos de mentes que se julgavam “iluminadas”
e que procuraram quantificar o que nem mesmo é quatificável: o
ideal humano.
Um
deles, por exemplo, “endeusa” uma entidade abstrata, que deveria
ser a garantidora e protetora da individualidade (esta, sim,
sagrada), mas que, no entanto, reduz as pessoas à escravidão.
Trata-se de algo definido por uma palavra vaga, que tanto pode
designar uma determinada condição, quanto uma unidade federativa ou
mesmo uma comunidade nacional. Refiro-me, e o leitor inteligente já
percebeu, ao Estado. Neste caso está o que se convencionou denominar
de “Comunismo”. O outro sistema ideológico, que se lhe opõe,
joga todas as suas fichas em outra abstração idêntica, fruto de
uma distorção da ideia original de riqueza. O dinheiro, como hoje
conhecemos, não passa de um símbolo, tanto de mercadorias, quanto
de habilidades. Contudo,.de função simbólica, foi transformado em
algo concreto em si, permitindo, até, que pessoas que jamais
trabalharam e que nunca produziram bens além de suas necessidades e
que, portanto, não geraram o “lastro” do que é simbolizado,
concentrassem quantidades indecentes, pornográficas até desse
símbolo. Ao dinheiro acumulado deu-se o nome de “Capital” e ao
sistema ideológico que o prioriza, de “Capitalismo”.
O
leitor percebe o quanto há de vazio, ilógico e distorcido nisso
tudo? Quem, por exemplo, delegou autoridade aos criadores desses dois
sistemas que hoje dividem o mundo, e que determinam não apenas o
presente, mas também o futuro de bilhões de pessoas? E pensar que
multidões já se mataram, se matam e provavelmente se matarão por
isso que aí está. Será que o homem, único animal da natureza
dotado de razão, nasceu para tão pouco? Será que este ser tão
complexo, que com seu engenho e arte, já conseguiu, até, deixar seu
domus cósmico para explorar o desconhecido, veio ao mundo para ser
virtualmente “escravo”, não importa se do Estado ou do tal do
Capital? Escravo de alguma entidade divina, perfeita e imortal? Não!
Mas servo dos seguidores de quem criou estes dois sistemas: mortais,
frágeis e vulneráveis como qualquer um de nós.
Como
o homem é contraditório! Tem lampejos tão extraordinários de
sabedoria sucedidos por tão contundentes ofuscamentos da razão.
Berra a plenos pulmões por liberdade, mas, deliberadamente, se deixa
escravizar por um dos dois sistemas ideológicos vigentes. Reflete,
em determinados momentos, a magnífica sabedoria cósmica para no
momento seguinte agir como a mais bronca e estúpida das feras.
Imaginem
como seria delicioso viver em um mundo de irrestrita fraternidade e
justiça, no qual o forte protegesse e amparasse o fraco e o sábio
destinasse o fruto do seu privilegiado cérebro apenas para a
conquista e manutenção do bem geral, em sentido sempre coletivo,
sem barganhar (como faz hoje) nem poder, nem riqueza e nem mesmo
projeção pessoal. Imaginem uma única comunidade mundial, que
fosse, sobretudo, consensual, sem as coisas que hoje nos dividem, ou
seja, sem comunismo, sem capitalismo, sem terceiros mundos, opeps,
fmis, gatts e uma infinidade de outras entidades, criadas pelo homem
que, ao fim e ao cabo, se constituem em seus grilhões para o manter
escravizado. Imaginem, elucubrem, deem asas à imaginação até
onde sua capacidade de gerar fantasias alcance. Do jeito que as
coisas estão postas, esta é a única forma de gozarmos ilusórios e
fugazes instantes de liberdade. Ou seja, somente pela imaginação.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 7 de março
de 1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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