Sunday, August 20, 2017

Esperança supera o medo



Pedro J. Bondaczuk



O presidente Luís Inácio Lula da Silva, que assume o poder como o terceiro governante eleito pelo voto direto desde o fim da ditadura militar, disse, tão logo tomou conhecimento da sua consagradora vitória nas urnas, ainda na noite de 27 de outubro do ano passado, em discurso que improvisou na Avenida Paulista, em São Paulo –, onde os correligionários festejavam a sua chegada à Presidência da República, após três tentativas anteriores frustradas –, uma frase que caracterizou a caráter não apenas o seu êxito eleitoral, mas todo o transcorrer do surpreendente 2002: “A esperança venceu o medo”.

Claro que sua expressão tinha endereço certo, político, voltado aos adversários, que na reta final da campanha, buscaram atemorizar os eleitores, pintando cenários assustadores, caso ele fosse o escolhido. O recado era voltado, mais especificamente, à atriz Regina Duarte e ao candidato que derrotou, José Serra, que lançou mão desse artifício em desespero de causa, para tentar reverter um quadro que no final das contas provou ser irreversível .

Dias antes, a famosa artista do teatro e da televisão havia expressado (com todas as letras, acentos e pontos), o seu temor diante da possibilidade do fundador do PT, que àquela altura já era iminente, de vencer as eleições (se sincero ou não é impossível de se avaliar, já que aquilo que ela declarou entrava no nebuloso campo dos sentimentos e no das presunções sobre sinceridade ou falta dela). Mas a resposta de Lula valeu, não somente para os adversários, mas para toda a sociedade. E, sobretudo, para caracterizar 2002.

Em todos os campos de atividade, o ano começou entremeado pelo medo e pela esperança, simultaneamente. Em alguns momentos prevalecia um, em outros, o outro. Mas ambos estavam sempre presentes nos pensamentos e nos corações. Por exemplo, a Seleção Brasileira de futebol, que se classificou para a Copa do Mundo (que seria disputada, de forma compartilhada, na Coréia e no Japão), em cima da hora, na chamada “bacia das almas”, estava cercada de unânime descrédito popular.

Era palpável o temor dos torcedores por um àquela altura provável vexame dos nossos craques (então desacreditados, execrados e até ridicularizados) nos campos asiáticos. Mas havia, também, em cada brasileiro, uma tênue “pontinha” de esperança, de que na hora “h”, iria prevalecer a tradição do nosso futebol e ocorrer uma reversão de expectativas, quando não um “milagre”.

E a esperança venceu o medo! Os comandados de Felipão, mesmo jogando somente o trivial, o “feijão com arroz”, superaram todo o descrédito que os acompanhava e conquistaram o quinto título da história para a nossa Seleção. Além disso, ninguém partiu para a Copa mais desacreditado do que Ronaldinho, o “Fenômeno” (que mais do que nunca, justificou, ao longo da competição, esse apelido).

Havia um clamor nacional pela convocação de Romário em seu lugar, com interferência (sutil, é verdade), até do então presidente Fernando Henrique Cardoso nesse sentido. No entanto, o garoto humilde, oriundo do subúrbio de Bento Ribeiro, no Rio, pivô da derrota, quatro anos antes, na França, com o até hoje não explicado episódio das “convulsões”, não somente ajudou a Seleção a ganhar o Mundial como, de quebra, foi o artilheiro dele! Outra vitória, portanto, da esperança sobre o medo.

Dezenas de outros episódios, na política, na economia e na vida, opuseram esses dois sentimentos –, que parecem antagônicos, mas que, no entanto, quase sempre se manifestam de forma simultânea –, no correr de 2002, quer no plano individual, quer coletivamente. Sua menção é até desnecessária. Cada um dos leitores, se forçar um bocadinho só a memória, certamente vai se lembrar de vários casos, pessoais ou coletivos, desse confronto. É certo que a esperança não prevaleceu em todas as circunstâncias. Em algumas, as pessoas deixaram de obter marcantes conquistas, inibidas pelo “medo de tentar”.

A vitória de Lula despertou na população um clima de inusitado otimismo, mesmo com a escalada da inflação, com as incertezas no cenário internacional (econômicas e também políticas, com os rumores sobre a iminência de nova guerra no Golfo Pérsico) e, principalmente, com o alto índice de desemprego no País. Não é por acaso que ele é o presidente eleito com o maior índice de aceitação da História brasileira: 74%, de acordo com o Ibope.

Nota-se um sentimento coletivo diferente, de solidariedade, de abnegação e de consciência social, não apenas por parte das pessoas, mas principalmente das empresas. Inúmeras delas organizaram, no Natal passado, campanhas de coleta de alimentos entre seus funcionários, fornecedores e clientes (e entre estas, que me vêem de imediato à memória, poderia citar a Volkswagen e a Eaton, de Vinhedo), para proporcionar um período de festas sem o “fantasma” da fome” a algumas famílias carentes, que foram beneficiadas.

Que bom seria se “todas” as pessoas necessitadas, por este vasto Brasil, pudessem ser atendidas! No entanto, a abnegada semente, lançada há algum tempo pelo saudoso sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, parece, enfim, ter caído em solo fértil! É, mais uma vez, a esperança vencendo o medo.

Oxalá nos próximos 365 dias, e mais do que isso, nos próximos 365 anos, seja este o resultado desse perpétuo confronto de sentimentos tão díspares no coração humano! Feliz governo, pois, para o operário, para o metalúrgico, para o homem do povo Luiz Inácio Lula da Silva, cujo sucesso vai significar, também, felicidade, progresso e tranqüilidade para todos nós. Não é por acaso que se diz que a profissão por excelência do brasileiro é a esperança. Que Deus o abençoe e ilumine, caro presidente da República! E há de abençoar, estamos certos disso.


(Artigo publicado no Jornal Roteiro, em 27 de dezembro de 2002)


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