Líder
russo coloca carreira política em jogo
Pedro
J. Bondaczuk
A
República da Rússia é um retrato, em tamanho pouco menor, das
contradições que ameaçaram a sobrevivência da União Soviética.
Sua população, ao contrário do que pensam os menos informados que
se arriscam a opinar sobre temas com que não estão familiarizados,
não tem homogeneidade étnica. Pelo contrário, a maioria das 101
etnias que compunham essa “colcha de retalhos” urdida pelos
sonhos imperialistas dos czares, vive em seu território. Tem a mesma
divisão administrativa que a URSS.
Enquanto
a federação era composta por quinze repúblicas – a nova,
provavelmente, terá somente oito – a Rússia tem as chamadas
“áreas autônomas”. Nelas, os movimentos nacionalistas
provavelmente são até mais intensos e radicais do que, por exemplo,
na Geórgia, na Armênia ou na Moldávia. Mas são pouco noticiados.
Portanto, o presidente Bóris Yeltsin terá à sua frente os mesmos
problemas enfrentados por Mikhail Gorbachev para preservar um mínimo
de união, que evite que os vários grupos nacionais ponham para
fora seus mútuos ódios seculares e se engalfinhem, num caos
incontrolável.
A
pergunta que fica é se ele terá a mesma competência do seu
padrinho político, posteriormente rival, e agora, ao que se diz,
novamente aliado. Restam mais dúvidas do que certezas a esse
respeito. A estratégia que o dirigente russo quer adotar é a mesma
de que o líder do Cremlin lançou mão, até as vésperas do
frustrado golpe de 19 de agosto passado, sem sucesso. Ou seja,
Yeltsin pretende ter o controle absoluto do poder, insinuando com a
possibilidade de, além da presidência, acumular também as funções
de primeiro-ministro.
Com
Gorbachev, político bastante maleável, a ponto de ser considerado
por inúmeros gurus ocidentais como tíbio e inseguro – é fácil,
à distância, apontar fraquezas e imperfeições nos outros, mesmo
que elas não existam – isto não deu certo. Dará com o presidente
russo? É um tanto duvidoso. O plano econômico que ele apresentou
durante a semana, por exemplo, não resiste a uma análise mais
cuidadosa. É claro que o Ocidente o aplaudiu, pois embora haja sido
apregoado o fim da guerra fria, a linguagem e os cacoetes desse
período persistem. É ostensivo o tom revanchista, triunfalista,
utilizado pot determinados setores políticos ao se referirem à
outrora superpotência conhecida como União Soviética.
Yeltsin,
desde 1988, quando rompeu com Gorbachev, passou a ser encarado como
“menino rebelde”, como aquele que servia de cunha para romper o
monolitismo soviético – que o tempo se encarregou de mostrar que
não era tão sólido assim – o que era do interesse dos
adversários de Moscou. Ao comandar a resistência ao golpe de agosto
passado, seu prestígio, interno e externo, foi às nuvens. Mas o
presidente russo não teve humildade – e mais do que isso,
habilidade política – para administrar bem essa popularidade.
Cometeu desmandos desnecessários, que somente deslustraram sua
imagem. Sem se dar conta, tomou atitudes ditatoriais idênticas à da
ditadura que dizia combater. Humilhou Gorbachev publicamente, diante
das câmeras de televisão, numa solenidade realizada no Parlamento
da Rússia, em 24 de agosto.
Enquanto
a população podia usar o líder do Cremlin como bode expiatório
para suas agruras, sem se deter para analisar que suas dificuldades
eram consequências exatamente do regime que ele procurava reformar,
Yeltsin pode posar de herói. A escassez de alimentos, a escalada da
inflação, a ineficiência do parque produtivo, enfim, o colapso
total e absoluto da economia, eram invariavelmente atribuídos a
Gorbachev. Agora isto não é mais possível. Cada República está
cuidando da própria administração, mas os resultados são os
mesmos, sendo mais decepcionantes de quando vigorava o sistema
centralizado.
Não
tardará muito para que as respectivas populações, quando não for
mais possível tapear tanta gente com a cortina fr fumaça
nacionalistoide, comecem a cobrar eficiência administrativa. Aí
sim será possível saber quem é quem, mas poderá ser muito tarde.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular em 2 de
novembro de 1991).
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