Monday, August 28, 2017

Ficção econômica



Pedro J. Bondaczuk


A equipe econômica teme que o aumento de renda dos assalariados provoque problemas no abastecimento de alimentos. Esta declaração, de um assessor do Ministério da Agricultura, está estampada na edição de domingo do Correio Popular e nos leva a voltar atrás na leitura do noticiário econômico e reler a notícia tão insólita.

Teríamos entendido mal? Seria uma piada, editada por engano numa página tão sisuda? Estaria o repórter se referindo à Suíça, ao Japão ou à Alemanha? Não! Trata-se de notícia do Brasil mesmo. Ocorre que os burocratas do Ministério da Fazenda acham que “assim que a inflação cair”, com o sucesso do plano FHC-2 (parece até fórmula de combustível de foguete) e “os salários se valorizem automaticamente”, pode acontecer de a população resolver deflagrar uma corrida às compras, provocando o desabastecimento, como se verificou por ocasião da aventura do Cruzado, no governo Sarney.

Ficamos sem entender mais nada. Mais abaixo, a notícia nos informa que a equipe econômica realizou, na quinta-feira passada, a primeira reunião para debater esse hipotético cenário. Ora, a sociedade arca com os salários, em geral nababescos, de técnicos supostamente especializados, para discutir enredos de ficção?!

Bem que se diz que o fato da capital federal ser no Planalto Central, distante, portanto, dos centros onde realmente as coisas acontecem, provoca uma alienação crônica, que às vezes se torna aguda, em nossas autoridades. Esse pessoal está preocupado com o ovo que a galinha ainda não botou e se esquece do aqui e agora (parodiando conhecido programa de televisão)!

O que ocorre atualmente com os salários? Com uma inflação de 1,5% ao dia, caminhando, celeremente, para 2%, 5% ou mais, a remuneração do brasileiro não compra mais nem o trivial, o arroz e o feijão que, por sinal, foram os produtos que mais aumentos tiveram nos primeiros dez dias de 1994.

Tomara que Fernando Henrique e seus assessores tenham, de fato, em 1994, este “transcendental” problema da valorização dos salários. Uma boa dose de otimismo ajuda as pessoas a suportar melhor as agruras da vida. Mas gastar tempo, pago pelos nossos impostos, com questões desse tipo! Francamente!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de janeiro de 1994)



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