Ficção econômica
Pedro J. Bondaczuk
A equipe econômica teme que o
aumento de renda dos assalariados provoque problemas no abastecimento
de alimentos. Esta declaração, de um assessor do Ministério da
Agricultura, está estampada na edição de domingo do Correio
Popular e nos leva a voltar atrás na leitura do noticiário
econômico e reler a notícia tão insólita.
Teríamos entendido mal? Seria
uma piada, editada por engano numa página tão sisuda? Estaria o
repórter se referindo à Suíça, ao Japão ou à Alemanha? Não!
Trata-se de notícia do Brasil mesmo. Ocorre que os burocratas do
Ministério da Fazenda acham que “assim que a inflação cair”,
com o sucesso do plano FHC-2 (parece até fórmula de combustível de
foguete) e “os salários se valorizem automaticamente”, pode
acontecer de a população resolver deflagrar uma corrida às
compras, provocando o desabastecimento, como se verificou por ocasião
da aventura do Cruzado, no governo Sarney.
Ficamos sem entender mais
nada. Mais abaixo, a notícia nos informa que a equipe econômica
realizou, na quinta-feira passada, a primeira reunião para debater
esse hipotético cenário. Ora, a sociedade arca com os salários, em
geral nababescos, de técnicos supostamente especializados, para
discutir enredos de ficção?!
Bem que se diz que o fato da
capital federal ser no Planalto Central, distante, portanto, dos
centros onde realmente as coisas acontecem, provoca uma alienação
crônica, que às vezes se torna aguda, em nossas autoridades. Esse
pessoal está preocupado com o ovo que a galinha ainda não botou e
se esquece do aqui e agora (parodiando conhecido programa de
televisão)!
O que ocorre atualmente com os
salários? Com uma inflação de 1,5% ao dia, caminhando,
celeremente, para 2%, 5% ou mais, a remuneração do brasileiro não
compra mais nem o trivial, o arroz e o feijão que, por sinal, foram
os produtos que mais aumentos tiveram nos primeiros dez dias de 1994.
Tomara que Fernando Henrique e
seus assessores tenham, de fato, em 1994, este “transcendental”
problema da valorização dos salários. Uma boa dose de otimismo
ajuda as pessoas a suportar melhor as agruras da vida. Mas gastar
tempo, pago pelos nossos impostos, com questões desse tipo!
Francamente!
(Artigo publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 11 de janeiro de 1994)
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