Saturday, August 12, 2017

Pensamento e linguagem

Pedro J. Bondaczuk

A linguagem é, certamente, a maior manifestação de inteligência e engenhosidade desse animal notável, que é o homem. Sem ela, tanto o raciocínio, quanto o pensamento, seriam inúteis. Não haveria como comunicar ambos a quem quer que seja. Acho incrível essa capacidade de juntar ruídos que, isoladamente, soam desconexos e sem sentido, para formar palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação perfeita.

“Ah, mas os outros animais também se comunicam e, muitos deles, mediante sons”, dirão alguns. De fato. No entanto nem com a maior boa vontade do mundo podemos classificar seus urros, grunhidos, latidos, miados, zurros e vai por aí afora de “linguagem”. O homem, todavia, criou não apenas uma forma de expressão, mas uma multiplicidade delas (estima-se que haja em torno de 22 mil idiomas e dialetos). Sei que já tratei desse assunto, e mais de uma vez, mas neste caso não me importa nada, nada em ser repetitivo. O tema merece.

Se a fala já é um milagre da inteligência e engenhosidade humanas, a escrita o é muito mais. A mente privilegiada do homem criou uma infinidade de símbolos (os alfabetos), nos mais variados idiomas falados (são raros os povos ágrafos, ou seja, sem escrita), que, juntados, formam palavras, sentenças, períodos, parágrafos, enfim, a comunicação consolidada e preservada.

Raros são os que atentam para esse aspecto e valorizam essa dádiva dos remotos (e engenhosos) antepassados. O que seria do mundo sem a linguagem? Ou se essa fosse restrita a meia dúzia de gritos, de grunhidos ou sabe-se lá do quê?

E sem a escrita? Haveria, sequer, um arremedo de civilização? Claro que não! As grandes ideias, geradas pelos gigantes da espécie, morreriam, tão logo estes morressem e se perderiam com eles A cada geração, teríamos que começar tudo de novo, do zero na coleta de conhecimentos, informações, descobertas e experiências.

Não haveria a História. A Literatura, obviamente, não existiria, pois é, até por definição, o manejo das letras. Talvez houvesse alguma outra forma de arte, mas se houvesse, seria sumamente selvagem e rudimentar. E, provavelmente, até isso se perderia na sucessão de gerações. Filosofia? Nem pensar! Os pensamentos seriam gerados, mas se tornariam estéreis, inócuos, inúteis, por falta de expressão. Seria o caos!

Isso não quer dizer que a linguagem consiga, sempre, expressar com fidelidade o que se pensa. Ela esbarra em suas próprias limitações. Se falando, já não conseguimos ser absolutamente claros e fiéis ao que pensamos, escrevendo somos muito menos, pois temos que atentar, para a sua expressão, às regras de grafia, acentuação, pontuação, enfim, às gramaticais (isso em qualquer das dezenas de milhares de idiomas e dialetos existentes), e também às de estilo, para tornarmos minimamente compreensível o que queremos comunicar.

Essa infidelidade levou o filósofo e diplomata francês, Henri Bérgson, a constatar: “Falhamos em traduzir exatamente o que se sente na nossa alma: o pensamento continua a não poder medir-se com a linguagem”. Nessa batalha pela expressão, o primeiro é muito grande e a segunda extremamente pequena para ombrear-se a ele. Terá, ainda, que evoluir muito para se aproximar minimamente da exatidão.

O pensamento nasceu primeiro, muito, mas muito antes mesmo da linguagem e é, na verdade, seu gerador. Prescinde dela para ocorrer. Mas depende dessa manifestação tão frágil e imperfeita da inteligência e engenhosidade humanas para se expressar.

Chego a essa conclusão baseado, principalmente, em minha experiência pessoal. Tenho, por exemplo, lá um belo dia, uma ideia que em tudo me parece perfeita e até genial. Resolvo comunicá-la pelo meio de expressão que mais utilizo para esse fim: o texto. E começa, então, uma luta inglória com o léxico.

Ora é uma palavra que me parece inadequada para expressar o que pretendia e que, consultando o dicionário, descubro ser a melhor que existe para declinar aquele pensamento; ora é um termo que na hora da redação me foge da memória e que substituo por outro que não tem a mesma exatidão e assim vai. Quando termino de escrever, aquela ideia inicial, que me parecia tão perfeita (e era), está desfigurada, destroçada, totalmente comprometida, não passando de mera caricatura da original.

Não raro, parto para um segundo texto, na tentativa de esclarecer o primeiro. O resultado, todavia, não é melhor. Redijo um terceiro, um quarto... e, quando me dou conta, escrevi todo um livro (por exemplo, “Cronos & Narciso”, que está à venda desde 2009), para comunicar um pensamento que poderia ser comunicado com meia dúzia de palavras (quem sabe, até com uma única, se esta existisse), para meu desespero e frustração. Por isso, não há como não concordar com Bérgson: a linguagem não é páreo para se ombrear com o pensamento. E, no entanto... é magnífico feito da inteligência e engenhosidade humanas...



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