Monday, August 21, 2017

Decisão salomônica do eleitorado

Pedro J. Bondaczuk

Os eleitores franceses tiveram, nas eleições parlamentares de anteontem, uma decisão salomônica em relação ao Partido Socialista. Cassaram, nas urnas, a maioria absoluta que ele tinha na Assembleia Nacional, sem, contudo, derrotá-lo de vez. Individualmente, o PS segue sendo majoritário no Legislativo. Todavia, a soma das forças conservadoras possibilita que a oposição componha um gabinete e indique um primeiro-ministro, fato inédito na França desde o advento da Quinta República, em 1958.

Dessa maneira, apenas será possível existir harmonia no governo mediante negociações. Nem o presidente François Mitterrand poderá tomar qualquer decisão sem a anuência dos partidos centristas e muito menos estes, através de um premier próprio, que conquistaram o direito de indicar , poderão impor unilateralmente seus programas. Sem que os socialistas deem seu aval. Essa situação deverá perdurar pelo menos até 1988, quando ocorrerem as eleições presidenciais.

Os comunistas, por seu turno, tiveram um desastre nas urnas. Perderam nove cadeiras no Parlamento e mesmo que façam as pazes com seus outrora aliados de esquerda, não terão peso político suficiente para alterar o novo quadro. O fiel da balança nestas eleições acabou sendo a ultradireitista Frente Nacional, de Jean Marie Le Pen, que assim repetiu a surpreendente performance de 1984, quando da escolha dos representantes franceses no Parlamento Europeu. E quais foram as teses defendidas por este partido , que impressionaram tanto o eleitorado, a ponto dela obter mais de dois milhões de votos? A primeira foi a da imposição de severas restrições aos trabalhadores estrangeiros, chegando ao extremo de determinar a expulsão daqueles que estiverem desempregados. A outra, é a nossa conhecida e velha exigência por maior policiamento nas ruas das principais cidades francesas, para conter a onda de violência e de criminalidade que também assola a França.

À primeira vista, analisando superficialmente os resultados das eleições, a extrema direita emerge como a grande e óbvia vencedora. Afinal, não tinha qualquer representação parlamentar e, de repente, passa a contar com uma bancada de 33 deputados, influindo, doravante, na vida do país. O segundo ganhador, ao meu ver (ou menos perdedor, como queiram), a despeito de não mais contar com maioria parlamentar, foi o Partido Socialista. É verdade que vê diminuída sua influência no Legislativo e agora está na peculiar posição de ser, ao mesmo tempo, situação e oposição. No primeiro caso, arcando com o ônus (mas também gozando dos bônus) dos erros e dos acertos do presidente François Mitterrand. No segundo, buscando impedir que os conservadores, através do primeiro-ministro que estes têm o direito de indicar, consigam mais projeção do que ele próprio. Mas a maioria dos franceses ainda o apoia isoladamente.

A Reunião para a República e a União para a Democracia Francesa parece que se deixaram empolgar pelas pesquisas de opinião que antecederam as eleições. Não perceberam,, correndo por fora, o crescimento da Frente Nacional. E perderam a chance de obter uma vitória de tais proporções a ponto de tirarem dos socialistas qualquer espaço de manobra. Se conseguissem isso, poderiam, até, provocar a antecipação das eleições presidenciais. Talvez prevendo essa situação, os principais líderes conservadores , em especial o ex-presidente Giscard D’Estaing, e o prefeito de Paris, Jacques Chirac insistiram na tese de “coabitação” com o PS ao longo da campanha. E é exatamente isso que deverá acontecer. Ou ambas facções negociam um programa mínimo comum, que satisfaçam as respectivas plataformas, ou a França ficará, virtualmente, sem nenhum governo, com cada lado procurando bloquear as ações do outro.

Uma análise mais minuciosa do novo quadro político francês poderá ser feita, apenas, quando a poeira baixar. Ou seja, depois que alguma das partes mover suas peças no enorme tabuleiro de xadrez que se tornou, agora, essa coparticipação de forças heterogêneas no poder. O eleitorado, com sua decisão, praticamente balizou os próximos dois anos de governo com aquilo que realmente quer. Ou seja, a desestatização das empresas, pregada pelos centristas e as conquistas de caráter social dos seguidores de Mitterrand. Ou isso vem a ser, doravante, posto em prática, ou a máquina governamental irá emperrar de vez. Não deixa de ser uma perigosa faca de dois gumes.


(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 18 de março de 1986).

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