Friday, August 11, 2017


Acabou sem nunca ter acontecido
 

Pedro J. Bondaczuk


O conceito de “modernidade”, em torno do qual já se geraram (e ainda se geram, evidentemente) intermináveis debates acadêmicos, é dos mais ambíguos e, diria até, inúteis dos que se podem conceber. O que é moderno? O que é antigo? Não passam de abstrações, como as que fazemos a propósito do tempo, do passado, presente e futuro. Como exercício de raciocínio, até que é válido, mas apenas para isso. Não tem nenhum sentido prático.

Pergunto: as epopeias de Homero, “Ilíada” e “Odisseia” são arcaicas ou modernas? Muitos, certamente, se apressarão em dar a primeira resposta, o que me deixará pasmo (e sumamente irritado). “Mas como?!” – retrucarei, admirado – “se quem desconhecer essas obras basilares, em termos não somente de literatura, especificamente de poesia, mas também de história e mitologia, é considerado ‘analfabeto’ em termos de conhecimentos literários?! Como, se essas obras são lidas, hoje, alguns milênios após terem sido produzidas, com o mesmo interesse e afinco, em milhares de reedições, em praticamente todas as línguas conhecidas mundo afora?!”

A mesma indagação faço em relação à “Eneida”, de Virgílio. Ou às duas mais conhecidas epopeias indianas: “Ramaiana” e “Mahbarata”. Ou, para dar maior proximidade no tempo, à “Divina Comédia”, de Dante Aligieri. Ou à literatura de Victor Hugo, Leon Tolstói, Gogol, Puchkim etc.etc.etc. Antiquadas uma ova! E quais das obras, tidas e havidas como primores da modernidade, alcançaram tanto índice de leitura quanto estas, tidas por alguns fanfarrões (que adoram rotular tudo e todos) como antiquadas, “velhas”, arcaicas?

Por isso, prefiro, como Carlos Drummond de Andrade, tentar escrever textos mais do que modernos: eternos. Não posso deixar de dar razão, pois, ao filósofo francês Jean Baudrillard que, em certo trecho do livro “A Ilusão Vital” (Editora Civilização Brasileira), constatou: “A modernidade acabou (sem nunca ter acontecido)”. Não aconteceu mesmo! E nem vai acontecer.

Hoje, o rótulo predileto, o termo da moda, é “pós-modernidade”. Esta, embora também não passe de mero rótulo, pelo menos tem uma característica marcante, assinalada pelo ensaísta argentino Juan José Saer: o fato do artista haver deixado de ser mero artesão, para se transformar em microempresário. Não se trata, pois, de questão conceitual, mas meramente prática, comercial. Na minha cabeça, literatura só tem duas classificações: boa ou má. A que está no primeiro caso, sobrevive ao tempo e ao esquecimento e adquire vezo de eternidade (para os padrões humanos, claro). Já a do segundo…

Saer traça, no ensaio “O democratismo totalitário pós-moderno” (publicado no suplemento “Mais!”, da Folha de S. Paulo, em 21 de outubro de 2001), a característica mais marcante da pós-modernidade: “No pós-modernismo, o artista deixa de ser o artesão em que o transformara a era industrial para tornar-se uma espécie de microempresário. Não há mais movimentos literários reunidos em torno a uma filosofia ou a uma estética, como o romantismo, o expressionismo, o surrealismo etc., mas apenas empreendedores isolados que fornecem sua mercadoria de acordo com as demandas do mercado – o que mais se vende no momento ou que melhor fixa e perpetua a marca desse ou daquele autor – e que produzem vários produtos diferentes, de acordo com o destinatário, como, por exemplo, os jornais ou as coleções especializadas em diversos gêneros (histórico, policial, erótico, etc.), e até trabalham sem assinar, como roteiristas, adaptadores ou escritores fantasmas que vendem matéria-prima literária a todos aqueles que, sem saber escrever, também querem produzir literatura”.

O cientista social Walter Benjamin definiu da seguinte forma a tarefa dos intelectuais do seu século, o XIX: “Desbravar regiões, nas quais até agora vicejava a loucura. Avançar com o machado afiado da razão, sem olhar para a direita e nem para a esquerda, para não ser vítima do horror que atrai do fundo da mata virgem. Todo chão teve que ser desbravado alguma vez pela razão. Limpo do emaranhado, da ilusão e do mito. Esta é a nossa tarefa para o chão do século XIX”.

E a nossa tarefa, neste século XXI, é diferente? Afinal, qual é? O século XX foi, como destacou o escritor russo, Aleksandr Soljenytsin, caracterizado pela busca frenética do “novo”. Não importou muito se para instalar as novidades, valores eternos tiveram que ser “abatidos a machadadas”, como os preciosos cedros do Líbano, ou seja, postos de lado. A procura por mudanças foi, e ainda é, maníaca. Transformou-se em obsessão!

Através dos tempos, as várias civilizações sempre procuraram encontrar a dosagem ideal entre tradição e modernidade para nortear seu rumo. A dose podia variar, mas os dois conceitos sempre estavam presentes, quer na vida cultural, quer no procedimento político e social. Hoje, a coisa já não é bem assim, embora não se possa (e nem se deva) generalizar. O pseudomodernismo domina a maior parte das cabeças pensantes. Surgiram a metalinguagem, o concretismo, o surrealismo e outros tantos rótulos para designar coisas que são, na verdade, velhas, muito velhas. Velhíssimas!

Depois de 13 mil anos de civilização, é virtualmente impossível alguém ser original, em termos de ideias e de ações. Tudo o que pensamos ou fazemos, alguém já pensou ou fez, embora a linguagem utilizada e a mensagem transmitida tivessem aspectos diferentes, nuances próprias. Isso mesmo: apenas nuances!

O cineasta Hector Babenco acentuou, certa feita, em entrevista: “Querer ser moderno já é uma atitude velha”. Aquilo que hoje recebe esse rótulo, amanhã, certamente, estará envelhecido, defasado, ultrapassado, se o fator tradição se fizer ausente. Então, por que essa obsessão pela “modernidade”, ou pela “pós-modernidade”, como queiram? Moderno?! Estou fora! Sou muito mais ambicioso: quero ser eterno!


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