Raízes no irracional
Pedro J. Bondaczuk
O escritor austríaco, Robert de Musil, escreveu, no ensaio “O
homem sem qualidades”: “A política, a honra, a guerra, a arte,
tudo o que há de mais decisivo na vida, acontece para lá do
entendimento. A grandeza humana tem raízes no irracional”. Entre
essas tantas coisas que nos engrandecem e nos tornam especiais, mas
que não comportam explicações, estão as paixões.
Tanto faz que sejam por determinadas pessoas, causas ou instituições.
Desenvolvemo-las à nossa revelia e elas nos acompanham vida afora. O
homem contemporâneo tem vários comportamentos bem diferentes (se
melhores ou piores é questão para se discutir), em muitos aspectos,
daqueles dos seus antepassados. Por exemplo, fez de um simples
esporte, inventado pelos ingleses há cerca de dois séculos,
catalisador por excelência de suas paixões.
Para muitas pessoas, seu clube de futebol é coisa muito séria, uma
espécie de religião. Suas vitórias ou derrotas adquirem a função
de catarse, agem como válvula de escape para tensões e frustrações
acumuladas no dia a dia. E estas, convenhamos, não faltam a ninguém.
Quando seu time do coração vence, esse apaixonado por ele sente-se
também vencedor, mesmo que não tenha feito nada além do que
estimular os que o representam no campo de disputa para que o sucesso
ocorra. Ou seja, torcer. Quando perde ... sente a mesma dor que
qualquer tipo de perda proporciona. Por que isso acontece? Mistério!
Mas pouco importa.
Os clubes de futebol, hoje, são, para seus torcedores, muito mais do
que meras associações desportivas. Extrapolam seu caráter lúdico
ou social. São símbolos do que as pessoas aspiram, sonham e lutam
para obter no correr de uma vida, Incluem-se, pois, naquele elenco de
entidades enraizadas no irracional, citado por Musil, mas que nos
torna grandes e especiais.
Embora intelectual, afeito, portanto, às racionalizações e
análises objetivas e frias dos meus desejos, sonhos e compulsões,
tenho, como a maioria das pessoas, meu elenco de paixões. Não as
racionalizo. Nem poderia! Parte considerável delas tem, de fato,
“raízes no irracional”. Mas são elas, e não o raciocínio puro
e frio, que me tornam candidato à grandeza.
Entre essas paixões, destaca-se uma que nasceu à minha revelia
(como tantas outras), espontaneamente, como todos os sentimentos
nobres e bons soem nascer. Evoluiu, ano após ano, tornando-se
cada vez mais profunda, avassaladora, intensa e absoluta.
Trata-se do meu inquestionável e irrestrito comprometimento com um
clube de futebol, que aprendi a admirar, e mais, a amar sem reservas
ou restrições, como se fosse parte integrante da minha pessoa, do
meu caráter e da minha personalidade (e, em certo aspecto, de fato
é): a Associação Atlética Ponte Preta, desta minha apaixonante
Campinas. Fosse racionalizar a questão, teria que admitir que essa
paixão é uma imensa bobagem. Afinal o futebol, para quem não o
pratica (como é o meu caso), é, no máximo, uma diversão, um passa
tempo, um lazer. Nunca me trouxe e certamente jamais trará qualquer
vantagem financeira, intelectual e/ou moral. Mas...
Este foco brilhante da minha paixão (no9 caso, o clube) surgiu
antes, muito antes que eu sequer viesse ao mundo. Para ser mais
preciso, antecedeu-me em 43 anos. E há já mais de um século (quase
117 profícuos anos) empolga gerações. É uma paixão que passa de
pai para filho (embora não se trate do meu caso), sempre num
crescendo sem limites, formando interminável corrente de amor de
infinitos elos. Sou tomado por ela há já cinqüenta e oito anos,
quando me fixei, de vez, em Campinas e não abrirei mão dela
enquanto viver. Mesmo que quisesse (e não quero), não conseguiria.
Faz parte de mim. Está no meu sangue, na minha essência, no meu
código genético. Por que? Por mais que queira racionalizar, não
consigo.
Talvez a explicação mais lógica seja que a Ponte Preta é, antes e
acima de tudo, símbolo de tudo o que admiro e busco incorporar à
minha personalidade. Simboliza, por exemplo, constância,
persistência e convicção. E mais, representa garra, espírito de
luta e força de vontade, sem os quais não se vai a lugar algum. É,
também, símbolo de fé e da capacidade de saber se erguer sempre
que eventualmente se cai, e recomeçar, quantas vezes forem
necessárias, a jornada em busca dos objetivos estabelecidos. “Ah,
mas ela nunca foi campeã”, dirão (e dizem a todo o momento) os
adversários, em tom de galhofa. É verdade. Contudo… nunca
desistiu da luta e sempre com lealdade e respeito às regras
estabelecidas;
Sei que eu deveria falar das qualidades técnicas do time, que variam
muito de ano para ano, das suas conquistas nos gramados (seis vices
paulistas e um da Copa Sul-Americana), da sua apaixonada e fiel
torcida (seu maior patrimônio) e das metas que, certamente,
haveremos de atingir. Mas isso significaria tentar racionalizar o
irracional, explicar o inexplicável e diminuir, por conseqüência,
seu significado. Afinal, paixões não se explicam, se sentem.
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