Lições da arte
Pedro J. Bondaczuk
A arte, essa manifestação de criatividade, capacidade de
observação, perícia e habilidade do espírito humano se esgota por
si só ou tem alguma finalidade maior, mais relevante, nobre e
profunda do que em geral lhe atribuímos? Serve, apenas, para
satisfazer os sentidos ou atua como catalisadora de reflexões e
emoções? Tem limites precisos e definidos, ou seu campo potencial
de atuação é o infinito e o eterno? Vocês já imaginaram o mundo
sem artes? Seria, certamente, muito mais feio, prosaico e sem sentido
do que já é.
Por mais trivial que a música, por exemplo, possa ser, fico sempre
pasmo face à capacidade dos compositores de reunir sons dispersos e
que, isoladamente, são até desagradáveis, em sinfonias e canções
melodiosas, com harmonia e beleza, que me despertam reflexões e
incontida admiração. Espanta-me a capacidade dos intérpretes de
reproduzirem, exatamente como os autores conceberam, e quantas vezes
lhes der na veneta, essas composições. Penso, sempre que ouço
alguma canção bem-feita e magistralmente interpretada por
terceiros: “como eles (os autores e intérpretes dessas façanhas)
conseguem?”.
Minha admiração não é menor diante de um quadro bem pintado. Ou
ao apreciar uma escultura harmoniosa, como a do David, de
Michelangelo – que só falta andar e falar, de tanto que se
aproxima da perfeição. Ou de um poema de Rilke, de Shelley, de
Lamartine e de tantos e tantos e tantos outros bons poetas, que
“pintam” telas que se aproximam da perfeição, tendo por
instrumento essa coisa tão frágil e de tão difícil manejo: a
palavra.
Tudo isso, todo esse esbanjamento de perícia e criatividade teria um
fim tão prosaico e trivial, qual seja, o de apenas despertar
admiração em quem aprecie essas obras e nada mais? Entendo que não.
Considero a arte um alimento essencial ao espírito, assim como
outras tantas iguarias o são para o corpo. Sem ela, definharíamos,
espiritualmente, nos embruteceríamos e ficaríamos por conta,
exclusiva, dos instintos da fera, que de fato somos. A arte
(refiro-me ao conceito e não a alguma aptidão artística
específica) é, sobretudo, a grande testemunha, o distintivo, a
comprovação inequívoca da nossa racionalidade.
Você conhece, porventura, outro animal que a pratique? Já viu algum
cão compositor, algum gato cantor ou algum burro instrumentista? Já
soube de algum papagaio que compusesse algum poema? Talvez você me
responda que já houve gorilas “pintores”. Mas eles tinham, de
fato, noção do que faziam? Apresentavam o mínimo senso de harmonia
de cores, de jogo de luz e sombras, de simetria de figuras e vai por
aí afora? “Pintavam”, pelo menos, algo sequer parecido com o que
existe? Claro que não. Limitavam-se a “sujar” de tinta as telas
que lhes eram apresentadas, sem a menor noção do que faziam.
Para que fosse possível a mais rudimentar noção artística, os
outros animais teriam que contar com um mínimo de racionalidade. E,
claro, com o máximo de habilidade que, evidentemente, não têm.
William Somerset Maugham, um dos meus romancistas preferidos, que a
cada livro seu que leio mais e mais me ensina sobre as pessoas,
notadamente sobre o comportamento humano, escreveu, em um de seus
romances (não me recordo em qual): “A arte, um dos grandes valores
da vida, deve ensinar aos homens: humildade, tolerância, sabedoria e
magnanimidade”..
E por que nos compete aprender esse elenco específico de lições? O
artista descobre, por si só, no curso da elaboração da sua obra
que, na verdade, não cria coisa alguma. Limita-se, tão somente, a
reproduzir o que já existe, com a matéria-prima ao seu dispor.
Quem cria, de fato, é a natureza, da qual ele é filho e com a qual
jamais haverá de rivalizar. Aprende, com a arte, a ser tolerante com
as fraquezas alheias, espelhando-se nas suas próprias, comprovadas
sempre que atinge seu limite e se vê impotente para ultrapassá-lo.
Com a humildade e a tolerância, adquire condições de se aproximar
da sabedoria. Aprende a ser observador, a fazer analogias, a entender
o funcionamento da natureza e tentar imitá-la, no que lhe for
possível, fazendo projeções (de sons, imagens, formas, cores
etc.), da melhor maneira que conhece.
E, finalmente, absorve a lição maior, a da magnanimidade. Ou seja,
da mesma forma que a natureza lhe provê do essencial para
sobreviver, e de graça, sem cobrar coisa alguma por isso, partilha o
fruto da sua criatividade e talento com aqueles que o cercam. Ou,
pelo menos, é o que deveria fazer.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment