Kyi
luta contra opressão apenas com ideias
Pedro
J. Bondaczuk
A jovem birmanesa Aung San Suu
Ky, de 46 anos de idade, um pouco por causa do nome exótico para nós
ocidentais, um pouco do seu país não ser dos maiores frequentadores
das manchetes internacionais, é relativamente desconhecida no
Ocidente. Pelo menos era, até ontem, quando entrou numa lista de
notáveis qur inclui gente como Albert Schweitzer, George Marshall,
Dag Hammarkjoeld, Linus Pauling, Martin Luther King, Willy Brandt,
Madre Teresa de Calcutá, Lech Walesa, Dalai Lama e Mikhail
Gorbachev. E que, por outro lado, omite pessoas do porte de um
Mahatma Gandhi, de um Nelson Mandela e de Winston Churchill. A nova
personalidade em questão conquistou o Prêmio Nobel da Paz de 1991.
Seus conterrâneos, que conhecem sua determinação na busca da
liberdade, certamente não estranharam a escolha feita pelo
parlamento norueguês. Ao qual compete a tarefa de conferir
anualmente esta honraria. O restante do mundo talvez sim.
Seria uma questão de justiça,
porém, que toda a comunidade internacional conhecesse também essa
mulher determinada, que faz da não violência e da resistência
passiva a grande arma contra a ditadura na Birmânia. Kyi teve a quem
sair. Seu pai, Aung San é um dos patriarcas da independência
birmanesa, embora os métodos de ambos fossem diferentes. Ele não
teve dúvidas de lançar mão das armas para que seu povo fosse
livre. Ela, por seu turno, prega (e sempre pregou) a luta no terreno
daquilo que de mais nobre o ser humano possui: as ideias. A jovem
dissidente, embora quase desconhecida no Ocidente, é um verdadeiro
símbolo na Ásia para os que buscam se livrar da opressão em todas
as formas em que esta se apresenta.
Kyi, todavia, foi influenciada
pelos princípios de um dos grandes injustiçados pelo Nobel, senão
o maior, o apóstolo da não violência, Mohandas Karamanchand
“Mahatma” Gandhi. O ex-presidente norte-americano e comandante em
chefe das forças aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, general
Dwight David Eisenhower, ressaltou, num célebre discurso: “A
conquista da liberdade não pode ser comparada com a vitória em um
jogo (…). A liberdade vive nos corações, nas ações, nos
espíritos dos homens, por isso ela deve ser conquistada e reanimada
a cada novo dia – como uma flor que deve ser cultivada, ou murchará
e morrerá”.
As armas nessa “batalha”
não podem ser as mesmas dos tiranos, dos verdugos, dos ditadores.
Nesse terreno, os déspotas levam vantagem, posto que a violência é
o único argumento que conhecem. Por isso, mais tempo, menos tempo,
findam por ser, invariavelmente, vencidos. Por mais sofisticados que
sejam os armamentos, por mais adestradas que possam ser as forças da
brutalidade, sempre acabam encontrando quem os superem em poderio de
fogo e em adestramento. Ideias, todavia, desde que fundamentadas na
justiça e no direito, são indestrutíveis. Dispensam, inclusive,
que seus portadores sejam fisicamente fortes ou bastante famosos.
Pelo contrário, a fama, na maior parte dos casos, chega mesmo a
atrapalhar, ao subir à cabeça dos líderes.
O poeta T. S. Elliot observou
que “a maior parte dos problemas do mundo é provocada por gente
desesperada em ser importante”. O que se exige dos autênticos
combatentes pela liberdade é convicção em seus princípios, que os
torna fortes e fortalece seus liderados. A fama acaba sendo
decorrência natural do sucesso dessa luta. Kyi, por exemplo, é uma
frágil mulher, que ousou se opor aos truculentos generais birmaneses
munida apenas da sua coragem cívica. Enquanto lhe permitiram, saiu
em peregrinação pelo país, pregando princípios democráticos.
Mesmo estando já sob prisão domiciliar rígida, nas eleições de
maio de 1990, a oposição, sob a sua liderança, obteve esmagadora
vitória nas urnas. Desde então, o regime tornou mais rigoroso ainda
seu confinamento. A obtenção do Prêmio Nobel da Paz tende a atrair
as atenções mundiais para a Birmânia, pátria de um dos mais
lúcidos secretários gerais que as Nações Unidas já tiveram: U
Thant. Doravante, será também conhecida como a pátria dessa
corajosa e determinada dissidente política, San Suu Kyi. Mais uma
vez as ideias mostram ser mais poderosas do que a truculência.
(Artigo publicado na editoria
Internacional do Correio Popular em 13 de outubro de 1991).
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