Tuesday, August 22, 2017

Kyi luta contra opressão apenas com ideias


Pedro J. Bondaczuk

A jovem birmanesa Aung San Suu Ky, de 46 anos de idade, um pouco por causa do nome exótico para nós ocidentais, um pouco do seu país não ser dos maiores frequentadores das manchetes internacionais, é relativamente desconhecida no Ocidente. Pelo menos era, até ontem, quando entrou numa lista de notáveis qur inclui gente como Albert Schweitzer, George Marshall, Dag Hammarkjoeld, Linus Pauling, Martin Luther King, Willy Brandt, Madre Teresa de Calcutá, Lech Walesa, Dalai Lama e Mikhail Gorbachev. E que, por outro lado, omite pessoas do porte de um Mahatma Gandhi, de um Nelson Mandela e de Winston Churchill. A nova personalidade em questão conquistou o Prêmio Nobel da Paz de 1991. Seus conterrâneos, que conhecem sua determinação na busca da liberdade, certamente não estranharam a escolha feita pelo parlamento norueguês. Ao qual compete a tarefa de conferir anualmente esta honraria. O restante do mundo talvez sim.

Seria uma questão de justiça, porém, que toda a comunidade internacional conhecesse também essa mulher determinada, que faz da não violência e da resistência passiva a grande arma contra a ditadura na Birmânia. Kyi teve a quem sair. Seu pai, Aung San é um dos patriarcas da independência birmanesa, embora os métodos de ambos fossem diferentes. Ele não teve dúvidas de lançar mão das armas para que seu povo fosse livre. Ela, por seu turno, prega (e sempre pregou) a luta no terreno daquilo que de mais nobre o ser humano possui: as ideias. A jovem dissidente, embora quase desconhecida no Ocidente, é um verdadeiro símbolo na Ásia para os que buscam se livrar da opressão em todas as formas em que esta se apresenta.

Kyi, todavia, foi influenciada pelos princípios de um dos grandes injustiçados pelo Nobel, senão o maior, o apóstolo da não violência, Mohandas Karamanchand “Mahatma” Gandhi. O ex-presidente norte-americano e comandante em chefe das forças aliadas durante a Segunda Guerra Mundial, general Dwight David Eisenhower, ressaltou, num célebre discurso: “A conquista da liberdade não pode ser comparada com a vitória em um jogo (…). A liberdade vive nos corações, nas ações, nos espíritos dos homens, por isso ela deve ser conquistada e reanimada a cada novo dia – como uma flor que deve ser cultivada, ou murchará e morrerá”.

As armas nessa “batalha” não podem ser as mesmas dos tiranos, dos verdugos, dos ditadores. Nesse terreno, os déspotas levam vantagem, posto que a violência é o único argumento que conhecem. Por isso, mais tempo, menos tempo, findam por ser, invariavelmente, vencidos. Por mais sofisticados que sejam os armamentos, por mais adestradas que possam ser as forças da brutalidade, sempre acabam encontrando quem os superem em poderio de fogo e em adestramento. Ideias, todavia, desde que fundamentadas na justiça e no direito, são indestrutíveis. Dispensam, inclusive, que seus portadores sejam fisicamente fortes ou bastante famosos. Pelo contrário, a fama, na maior parte dos casos, chega mesmo a atrapalhar, ao subir à cabeça dos líderes.

O poeta T. S. Elliot observou que “a maior parte dos problemas do mundo é provocada por gente desesperada em ser importante”. O que se exige dos autênticos combatentes pela liberdade é convicção em seus princípios, que os torna fortes e fortalece seus liderados. A fama acaba sendo decorrência natural do sucesso dessa luta. Kyi, por exemplo, é uma frágil mulher, que ousou se opor aos truculentos generais birmaneses munida apenas da sua coragem cívica. Enquanto lhe permitiram, saiu em peregrinação pelo país, pregando princípios democráticos. Mesmo estando já sob prisão domiciliar rígida, nas eleições de maio de 1990, a oposição, sob a sua liderança, obteve esmagadora vitória nas urnas. Desde então, o regime tornou mais rigoroso ainda seu confinamento. A obtenção do Prêmio Nobel da Paz tende a atrair as atenções mundiais para a Birmânia, pátria de um dos mais lúcidos secretários gerais que as Nações Unidas já tiveram: U Thant. Doravante, será também conhecida como a pátria dessa corajosa e determinada dissidente política, San Suu Kyi. Mais uma vez as ideias mostram ser mais poderosas do que a truculência.

(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular em 13 de outubro de 1991).



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