Tuesday, August 22, 2017

Coração partido


Pedro J. Bondaczuk


O que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo, injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já teria se autodestruído, num torvelinho dantesco de violência e de horror.

É o amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos nossas melhores características e sufocamos os mais baixos instintos.

Foi o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos. Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os impediu de serem ainda piores.

Pouca coisa, porém, é tão dolorosa, tão aflitiva, quanto um amor não-correspondido. As pessoas que já passaram por essa situação (e poucos escaparam dela), sabem o quanto isso dói, que sofrimentos causa, quantas marcas deixa! Os poetas, até, criaram metáfora para esse tipo de frustração: “coração partido”. Hoje, pode-se afirmar, sem nenhum exagero, que essa não-correspondência a tão profundo sentimento pode provocar tantos danos ao centro de dor do cérebro quanto uma ferida física real. E não se trata de poesia.

Tenho em mãos recorte de matéria publicada no jornal Correio Popular de Campinas em 19 de outubro de 2003, a esse propósito. O texto diz que pesquisadores da Califórnia descobriram bases fisiológicas de “dor social”, ao examinarem cérebros de pessoas que pensaram terem sido premeditadamente excluídas de jogos de computador por outros competidores.

“Bobagem!”, dirão alguns. “O que esse tipo de exclusão tem a ver com amor não-correspondido?”, indagarão, certamente, em tom de crítica, senão de deboche, julgando-se judiciosos e sentenciosos. A julgar pelas conclusões da doutora Naomi Eisenberger, cientista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, autora do estudo, “tem tudo a ver”.

Com base nos dados que coletou, a pesquisadora concluiu que qualquer tipo de exclusão social, sem exceção – como um divórcio, como não ser convidado para uma festa, ou como ser rejeitado em uma conversa ou um encontro – tende a provocar danos à mesma região do cérebro que detecta a dor física. E que um amor não-correspondido “potencializa, em muito, esse efeito”.

Os poetas, portanto, mais uma vez, com base apenas na intuição, se anteciparam à ciência e chegaram antes a essa mesmíssima conclusão, posto que expressa em sua linguagem metafórica e floreada. Em determinadas situações, podemos, de fato, ficar com o “coração partido”. Literalmente... Para quem quiser conferir, na íntegra, o referido estudo, informo que ele foi publicado na edição de outubro de 2003 da revista especializada “Science”.

Um dos maiores desafios que temos, senão o maior, é o de tentar compreender as pessoas. Na maior parte das vezes, sequer nos conhecemos direito, quanto mais os outros. É verdade que todo o ser humano tem um conjunto de emoções e ações básico, como amor, ódio, alegria, tristeza, ganância, violência etc.etc.etc.

Todos nós, em determinadas circunstâncias, amamos, odiamos, nos alegramos, nos entristecemos, somos gananciosos, somos violentos etc.etc.etc. “Onde está, pois, a dificuldade?”, perguntarão os céticos. Está na intensidade desses sentimentos, ações e comportamentos. Está nas nuances, nos detalhes e na constância. Daí a compreensão se tratar do grande desafio que, de fato, é. Claro que quanto mais entendermos os que nos cercam, melhor será nossa convivência com eles.

Nada é mais triste e desolador, mais digno de pena e de lamentações, do que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e os próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. É uma desgraça! Essa necessidade de partilha, de afeto e de cumplicidade é essencial, não somente para a perpetuação da espécie (no que é imprescindível), mas para uma vida equilibrada, produtiva e feliz.

Podemos nos comparar a uma casa. Se nela houver a chama do amor, ela se mostrará sempre bela, viva, habitável e aquecida, mesmo que envelhecida. Se este fogo não existir, porém, embora se trate de mansão, será como estes castelos fantasmas que a tradição garante que existem (notadamente na Inglaterra e na Escócia): sombrios e decadentes. O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nos versos deste poema minimalista, intitulado “Sou como uma velha casa”:

“Sou como uma velha casa.
Se deixares de me aquecer,
eu vou cair no abandono”.

Qualquer pessoa normal cairá!

Espero, portanto, nunca ter “partido o coração” de quem quer que seja. O meu, todavia, já sofreu esse tipo de agressão inúmeras vezes (quem manda ser tão romântico e apaixonado! É o preço que se paga por isso) e posso testemunhar que doeu. E muito. Foi uma sensação horrível, não apenas de rejeição, mas se tratou de uma dor literalmente física, posto que difusa e impossível de ser descrita.

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: