Coração partido
Pedro J. Bondaczuk
O
que seria do mundo se não houvesse amor, em suas várias formas de
manifestação? Se com ele, já há tanta miséria, egoísmo,
injustiças e corrupção, sem ele, provavelmente, nossa espécie já
teria se autodestruído, num torvelinho dantesco de violência e de
horror.
É o
amor que nos dá forças para suportar as intempéries da vida. É
ele que nos motiva às grandes realizações. Por ele, desenvolvemos
nossas melhores características e sufocamos os mais baixos
instintos.
Foi
o amor que motivou a construção de cidades, templos e monumentos.
Foi ele que inspirou os mais belos poemas, canções, pinturas e
esculturas. Ele é que nos faz amar a vida e ter esperanças de um
mundo melhor. Até os mais sanguinários bandidos, os mais perversos
e cruéis, já experimentaram, um dia, as delícias do amor, o que os
impediu de serem ainda piores.
Pouca
coisa, porém, é tão dolorosa, tão aflitiva, quanto um amor
não-correspondido. As pessoas que já passaram por essa situação
(e poucos escaparam dela), sabem o quanto isso dói, que sofrimentos
causa, quantas marcas deixa! Os poetas, até, criaram metáfora para
esse tipo de frustração: “coração partido”. Hoje, pode-se
afirmar, sem nenhum exagero, que essa não-correspondência a tão
profundo sentimento pode provocar tantos danos ao centro de dor do
cérebro quanto uma ferida física real. E não se trata de poesia.
Tenho
em mãos recorte de matéria publicada no jornal Correio Popular de
Campinas em 19 de outubro de 2003, a esse propósito. O texto diz que
pesquisadores da Califórnia descobriram bases fisiológicas de “dor
social”, ao examinarem cérebros de pessoas que pensaram terem sido
premeditadamente excluídas de jogos de computador por outros
competidores.
“Bobagem!”,
dirão alguns. “O que esse tipo de exclusão tem a ver com amor
não-correspondido?”, indagarão, certamente, em tom de crítica,
senão de deboche, julgando-se judiciosos e sentenciosos. A julgar
pelas conclusões da doutora Naomi Eisenberger, cientista da
Universidade da Califórnia, em Los Angeles, autora do estudo, “tem
tudo a ver”.
Com
base nos dados que coletou, a pesquisadora concluiu que qualquer tipo
de exclusão social, sem exceção – como um divórcio, como não
ser convidado para uma festa, ou como ser rejeitado em uma conversa
ou um encontro – tende a provocar danos à mesma região do cérebro
que detecta a dor física. E que um amor não-correspondido
“potencializa, em muito, esse efeito”.
Os
poetas, portanto, mais uma vez, com base apenas na intuição, se
anteciparam à ciência e chegaram antes a essa mesmíssima
conclusão, posto que expressa em sua linguagem metafórica e
floreada. Em determinadas situações, podemos, de fato, ficar com o
“coração partido”. Literalmente... Para quem quiser conferir,
na íntegra, o referido estudo, informo que ele foi publicado na
edição de outubro de 2003 da revista especializada “Science”.
Um
dos maiores desafios que temos, senão o maior, é o de tentar
compreender as pessoas. Na maior parte das vezes, sequer nos
conhecemos direito, quanto mais os outros. É verdade que todo o ser
humano tem um conjunto de emoções e ações básico, como amor,
ódio, alegria, tristeza, ganância, violência etc.etc.etc.
Todos
nós, em determinadas circunstâncias, amamos, odiamos, nos
alegramos, nos entristecemos, somos gananciosos, somos violentos
etc.etc.etc. “Onde está, pois, a dificuldade?”, perguntarão os
céticos. Está na intensidade desses sentimentos, ações e
comportamentos. Está nas nuances, nos detalhes e na constância. Daí
a compreensão se tratar do grande desafio que, de fato, é. Claro
que quanto mais entendermos os que nos cercam, melhor será nossa
convivência com eles.
Nada
é mais triste e desolador, mais digno de pena e de lamentações, do
que uma vida de solidão, sem a magia do amor. Não ter com quem
compartilhar alegrias e tristezas, risos e prantos, sonhos e ideais e
os próprios corpos, é a forma mais cruel e desumana de abandono. É
uma desgraça! Essa necessidade de partilha, de afeto e de
cumplicidade é essencial, não somente para a perpetuação da
espécie (no que é imprescindível), mas para uma vida equilibrada,
produtiva e feliz.
Podemos
nos comparar a uma casa. Se nela houver a chama do amor, ela se
mostrará sempre bela, viva, habitável e aquecida, mesmo que
envelhecida. Se este fogo não existir, porém, embora se trate de
mansão, será como estes castelos fantasmas que a tradição garante
que existem (notadamente na Inglaterra e na Escócia): sombrios e
decadentes. O poeta finlandês, Risto Rasa, escreve, nos versos deste
poema minimalista, intitulado “Sou como uma velha casa”:
“Sou
como uma velha casa.
Se
deixares de me aquecer,
eu
vou cair no abandono”.
Qualquer
pessoa normal cairá!
Espero,
portanto, nunca ter “partido o coração” de quem quer que seja.
O meu, todavia, já sofreu esse tipo de agressão inúmeras vezes
(quem manda ser tão romântico e apaixonado! É o preço que se paga
por isso) e posso testemunhar que doeu. E muito. Foi uma sensação
horrível, não apenas de rejeição, mas se tratou de uma dor
literalmente física, posto que difusa e impossível de ser descrita.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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