Tuesday, August 01, 2017

Como os ébrios

Pedro J. Bondaczuk

O estilo – no falar, amar, trajar, brigar... em suma, viver – é a nossa cara, o nosso retrato de corpo inteiro, o nosso “crachá” no mundo. Reflete nossa personalidade, virtudes, defeitos, enfim, nosso modo de ser e de se comportar. Somos assim e dificilmente mudaremos. Talvez façamos um reparo aqui, outro ali, mas no essencial, mantemo-lo praticamente intacto.

No escrever, não poderia ser diferente. Meu estilo é bastante peculiar e revelador de como sou. Não sei se é bom, não sei se é ruim, mas é meu. Qualquer pessoa que venha a ler meus textos os identifica de imediato, mesmo à distância de “mil anos-luz”. Escrevo do jeitinho que falo, por isso, policio o tempo todo meu linguajar.

Essa história de conjugar verbos de forma errada, de misturar os pronomes tu e você no mesmo período, às vezes na mesma oração, de se equivocar na concordância, de engolir os “s” nos plurais e outras tantas mancadas, é altamente contagiosa. É como uma doença. Em três tempos, passa do falar para o escrever.

No primeiro caso ainda temos o consolo dos erros não serem muito notados. Afinal, o que se fala (a menos que esteja sendo gravado), entra por um ouvido do interlocutor, sai pelo outro e perde-se no ar. Se alguém nos contestar dizendo que falamos algo errado, podemos argumentar que ele não ouviu direito. Mas erros de redação... Estes são capciosos e comprometedores. Ficam piscando, piscando e piscando no texto, como escandalosas luzes de néon e, por consequência, temos que dar a mão à palmatória: erramos. Se der para corrigir, muito que bem. Mas nem sempre dá.

Tenho um estilo errático, às vezes evasivo, outras, sumamente subjetivo. Algumas coisas afirmo peremptoriamente, em tom que soa a muitos como dogmático (embora não seja esta a minha intenção). Diversas outras, porém, limito-me a sugerir ideias, a deixar implícita alguma conclusão, como que num desafio à perspicácia e argúcia do leitor.

Reitero que não tenho a menor noção se a minha maneira de escrever é boa ou má. Posso assegurar, porém, que não vou mudar essa forma de abordagem, adjetivada (para desespero dos estilistas e dos que Nelson Rodrigues classificava de “idiotas da objetividade”), repleta de idas e vindas, de meias voltas sucessivas, de dança e contradança no palco da página em branco (ou, para ser moderno, na telinha do computador).

A propósito de estilo, vem-me à mente citação de Machado de Assis, logo no início do romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que o Bruxo do Cosme Velho acentua: “Tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, erram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”. Pois é, mestre, meu modo de escrever também é assim.

Uma das tantas manias que tenho é a de não repetir palavras. Houve tempos em que meu estilo era gongórico, cheio de repetições, a pretexto de dar ênfase ao que afirmava. Contudo, senti que, com isso, meus textos soavam a discursos, desses que políticos chatos fazem em comícios, em vésperas de eleições. Dei, pois, uma volta de 180 graus e substitui as enjoativas “reiterações” (vamos chamá-las assim que ficam mais elegantes) por sinônimos.

Não sei se foi impressão minha, mas achei que os textos ganharam fluência, naturalidade, espontaneidade. É verdade que, como um ébrio, “guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, erram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”.

Ocorre que escrevo sempre embriagado. Calma lá, leitor, explico. Não vá fazer mau juízo a meu respeito. Não me tome por alcoólatra, que não sou. Nesse aspecto, sou absoluto abstêmio. Prezo demais minha lucidez para recorrer, em qualquer circunstância, ao álcool.

A embriaguez a que me refiro é a espiritual. É a de luz. É a de beleza, que afeta, de tal sorte, meus sentidos, que não consigo descrevê-la em sua plenitude. Meu estilo, e vocês certamente já notaram, é mesmo como um ébrio. E, como tal, balança nas pernas, tropeça aqui, dá um encontrão ali, lasca às vezes um palavrão desses de fazer corar até estátuas de bronze, mas, para a minha felicidade, dá conta do recado. Pelo menos é o que acho...



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