Como os ébrios
Pedro J. Bondaczuk
O estilo – no falar, amar,
trajar, brigar... em suma, viver – é a nossa cara, o nosso retrato
de corpo inteiro, o nosso “crachá” no mundo. Reflete nossa
personalidade, virtudes, defeitos, enfim, nosso modo de ser e de se
comportar. Somos assim e dificilmente mudaremos. Talvez façamos um
reparo aqui, outro ali, mas no essencial, mantemo-lo praticamente
intacto.
No escrever, não poderia ser
diferente. Meu estilo é bastante peculiar e revelador de como sou.
Não sei se é bom, não sei se é ruim, mas é meu. Qualquer pessoa
que venha a ler meus textos os identifica de imediato, mesmo à
distância de “mil anos-luz”. Escrevo do jeitinho que falo, por
isso, policio o tempo todo meu linguajar.
Essa história de conjugar
verbos de forma errada, de misturar os pronomes tu e você no mesmo
período, às vezes na mesma oração, de se equivocar na
concordância, de engolir os “s” nos plurais e outras tantas
mancadas, é altamente contagiosa. É como uma doença. Em três
tempos, passa do falar para o escrever.
No primeiro caso ainda temos o
consolo dos erros não serem muito notados. Afinal, o que se fala (a
menos que esteja sendo gravado), entra por um ouvido do interlocutor,
sai pelo outro e perde-se no ar. Se alguém nos contestar dizendo que
falamos algo errado, podemos argumentar que ele não ouviu direito.
Mas erros de redação... Estes são capciosos e comprometedores.
Ficam piscando, piscando e piscando no texto, como escandalosas luzes
de néon e, por consequência, temos que dar a mão à palmatória:
erramos. Se der para corrigir, muito que bem. Mas nem sempre dá.
Tenho um estilo errático, às
vezes evasivo, outras, sumamente subjetivo. Algumas coisas afirmo
peremptoriamente, em tom que soa a muitos como dogmático (embora não
seja esta a minha intenção). Diversas outras, porém, limito-me a
sugerir ideias, a deixar implícita alguma conclusão, como que num
desafio à perspicácia e argúcia do leitor.
Reitero que não tenho a menor
noção se a minha maneira de escrever é boa ou má. Posso
assegurar, porém, que não vou mudar essa forma de abordagem,
adjetivada (para desespero dos estilistas e dos que Nelson Rodrigues
classificava de “idiotas da objetividade”), repleta de idas e
vindas, de meias voltas sucessivas, de dança e contradança no palco
da página em branco (ou, para ser moderno, na telinha do
computador).
A propósito de estilo, vem-me
à mente citação de Machado de Assis, logo no início do romance
“Memórias Póstumas de Brás Cubas”, em que o Bruxo do Cosme
Velho acentua: “Tu amas a narração direta e nutrida, o estilo
regular e fluente, e este livro e o meu estilo são como os ébrios,
guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, erram,
gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem”. Pois é, mestre,
meu modo de escrever também é assim.
Uma das tantas manias que
tenho é a de não repetir palavras. Houve tempos em que meu estilo
era gongórico, cheio de repetições, a pretexto de dar ênfase ao
que afirmava. Contudo, senti que, com isso, meus textos soavam a
discursos, desses que políticos chatos fazem em comícios, em
vésperas de eleições. Dei, pois, uma volta de 180 graus e
substitui as enjoativas “reiterações” (vamos chamá-las assim
que ficam mais elegantes) por sinônimos.
Não sei se foi impressão
minha, mas achei que os textos ganharam fluência, naturalidade,
espontaneidade. É verdade que, como um ébrio, “guinam à direita
e à esquerda, andam e param, resmungam, erram, gargalham, ameaçam o
céu, escorregam e caem”.
Ocorre que escrevo sempre
embriagado. Calma lá, leitor, explico. Não vá fazer mau juízo a
meu respeito. Não me tome por alcoólatra, que não sou. Nesse
aspecto, sou absoluto abstêmio. Prezo demais minha lucidez para
recorrer, em qualquer circunstância, ao álcool.
A embriaguez a que me refiro é
a espiritual. É a de luz. É a de beleza, que afeta, de tal sorte,
meus sentidos, que não consigo descrevê-la em sua plenitude. Meu
estilo, e vocês certamente já notaram, é mesmo como um ébrio. E,
como tal, balança nas pernas, tropeça aqui, dá um encontrão ali,
lasca às vezes um palavrão desses de fazer corar até estátuas de
bronze, mas, para a minha felicidade, dá conta do recado. Pelo menos
é o que acho...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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