Tribunal da história
Pedro J. Bondaczuk
O julgamento do ex-presidente
Fernando Collor e dos principais envolvidos no chamado "esquema
PC", inclusive o próprio empresário alagoano Paulo César
Farias, começou, quarta-feira (7 de dezembro de 1994), no Supremo
Tribunal Federal, e seu desfecho é absolutamente imprevisível.
Alguns setores mais cépticos da população já preparam
manifestações, repletas de pizzas e marmeladas, numa alusão a uma
eventual farsa.
Outros acreditam numa
condenação dos réus e em sua conseqüente e exemplar punição.
Tudo pode acontecer num processo dessa natureza. Há muitos
interesses e paixões envolvidos. Ao contrário da Comissão
Parlamentar de Inquérito de 1992 --- que desembocou no impeachment
do ex-governante --- e do próprio processo de seu afastamento, de
caráter essencialmente político, os oito juízes do STF vão se
ater exclusivamente às provas tangíveis. E estas, a despeito das
62.133 páginas do libelo acusatório, são bastante frágeis para os
padrões da Justiça.
Caberá ao procurador-geral da
República, Aristides Junqueira, já apontado por alguns como o nosso
Antonio Di Pietro (em referência ao promotor de Milão, que acaba de
renunciar à magistratura e que conduziu as investigações da
chamada Operação Mãos Limpas na Itália), usar de toda a sua
habilidade para demonstrar a culpa dos acusados.
O ônus da comprovação dos
delitos compete a quem acusa e nunca ao acusado. Isto, do
ponto-de-vista estritamente jurídico. Se os advogados de Collor,
porém, não provarem de maneira indubitável a inocência do réu, a
sanção moral pesará para sempre sobre a sua cabeça. Mesmo que o
ex-presidente venha a ser absolvido.
A população --- que se
sentiu ludibriada pelo homem que, quando candidato, prometeu mover um
combate sem tréguas contra a corrupção, caçar implacavelmente os
chamados "marajás" (nababos do funcionalismo público) e
pôr os corruptos na cadeia e permitiu que à sombra do poder (se com
seu conhecimento e conivência ou não é o que compete ao Supremo
Tribunal Federal concluir), negociatas fossem realizadas ---já fez
seu julgamento.
Considerou-o absolutamente
culpado. A Justiça, no entanto, precisa ser "cega", no
sentido de não se deixar levar por meras evidências ou simples
paixões políticas na hora de decidir. Em Direito há que se
distinguir o moral do legal. Há atos claramente revestidos de
imoralidade, mas que, por não contrariarem nenhuma lei, não
implicam em sanções do Estado. Ou seja, não se caracterizam como
crimes.
De qualquer forma, pela
expectativa existente, pela projeção dos réus --- é a primeira
vez nos anais jurídicos brasileiros que um ex-presidente da
República é julgado por corrupção, posto que passiva --- pelas
implicações que o veredito poderá apresentar no futuro e pela
própria mudança de mentalidade existente no País, com os cidadãos
mostrando claramente que estão fartos de bandalheiras e
irresponsabilidades com o patrimônio público, este julgamento é,
disparadamente, o mais importante de todos já realizados no Brasil.
Os julgadores precisam ter em
mente que eles também serão réus um dia. Vão ser julgados pelas
gerações vindouras. Que adotem, pois, a decisão mais judiciosa e
isenta, para que logrem ser absolvidos no implacável Tribunal da
História.
(Artigo publicado na página
3, Opinião, do Correio Popular, em 9 de dezembro de 1994)
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