Saturday, August 12, 2017

Tribunal da história


Pedro J. Bondaczuk


O julgamento do ex-presidente Fernando Collor e dos principais envolvidos no chamado "esquema PC", inclusive o próprio empresário alagoano Paulo César Farias, começou, quarta-feira (7 de dezembro de 1994), no Supremo Tribunal Federal, e seu desfecho é absolutamente imprevisível. Alguns setores mais cépticos da população já preparam manifestações, repletas de pizzas e marmeladas, numa alusão a uma eventual farsa.

Outros acreditam numa condenação dos réus e em sua conseqüente e exemplar punição. Tudo pode acontecer num processo dessa natureza. Há muitos interesses e paixões envolvidos. Ao contrário da Comissão Parlamentar de Inquérito de 1992 --- que desembocou no impeachment do ex-governante --- e do próprio processo de seu afastamento, de caráter essencialmente político, os oito juízes do STF vão se ater exclusivamente às provas tangíveis. E estas, a despeito das 62.133 páginas do libelo acusatório, são bastante frágeis para os padrões da Justiça.

Caberá ao procurador-geral da República, Aristides Junqueira, já apontado por alguns como o nosso Antonio Di Pietro (em referência ao promotor de Milão, que acaba de renunciar à magistratura e que conduziu as investigações da chamada Operação Mãos Limpas na Itália), usar de toda a sua habilidade para demonstrar a culpa dos acusados.

O ônus da comprovação dos delitos compete a quem acusa e nunca ao acusado. Isto, do ponto-de-vista estritamente jurídico. Se os advogados de Collor, porém, não provarem de maneira indubitável a inocência do réu, a sanção moral pesará para sempre sobre a sua cabeça. Mesmo que o ex-presidente venha a ser absolvido.

A população --- que se sentiu ludibriada pelo homem que, quando candidato, prometeu mover um combate sem tréguas contra a corrupção, caçar implacavelmente os chamados "marajás" (nababos do funcionalismo público) e pôr os corruptos na cadeia e permitiu que à sombra do poder (se com seu conhecimento e conivência ou não é o que compete ao Supremo Tribunal Federal concluir), negociatas fossem realizadas ---já fez seu julgamento.

Considerou-o absolutamente culpado. A Justiça, no entanto, precisa ser "cega", no sentido de não se deixar levar por meras evidências ou simples paixões políticas na hora de decidir. Em Direito há que se distinguir o moral do legal. Há atos claramente revestidos de imoralidade, mas que, por não contrariarem nenhuma lei, não implicam em sanções do Estado. Ou seja, não se caracterizam como crimes.

De qualquer forma, pela expectativa existente, pela projeção dos réus --- é a primeira vez nos anais jurídicos brasileiros que um ex-presidente da República é julgado por corrupção, posto que passiva --- pelas implicações que o veredito poderá apresentar no futuro e pela própria mudança de mentalidade existente no País, com os cidadãos mostrando claramente que estão fartos de bandalheiras e irresponsabilidades com o patrimônio público, este julgamento é, disparadamente, o mais importante de todos já realizados no Brasil.

Os julgadores precisam ter em mente que eles também serão réus um dia. Vão ser julgados pelas gerações vindouras. Que adotem, pois, a decisão mais judiciosa e isenta, para que logrem ser absolvidos no implacável Tribunal da História.


(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 9 de dezembro de 1994)


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