Wednesday, August 02, 2017

Franceses estão curados da febre cor de rosa

Pedro J. Bondaczuk

O presidente francês, François Mitterrand, estará jogando uma cartada decisiva em sua carreira, envolvendo o futuro político do Partido Socialista, nas eleições de amanhã, na França. Se vencer, terá todas as condições de concluir um governo que até aqui parece ter frustrado as expectativas da população. Se perder, talvez se veja forçado a abrir mão dos dois anos que ainda faltam para a conclusão do seu mandato, por ficar, literalmente, impossibilitado de por em execução seus projetos. Desde que o atual sistema, conhecido como a Quinta República, passou a vigorar na França, no tempo do general Charles de Gaulle, nenhum presidente teve3 contra si um Parlamento totalmente hostil. Segundo todas as pesquisas de opinião, Mitterrand está caminhando para ser o primeiro a ter que enfrentar essa situação.

É verdade que as prévias eleitorais andam um tanto desmoralizadas depois daquilo que aconteceu na Espanha nesta quarta-feira. Todas elas apontavam que no plebiscito espanhol o eleitorado espanhol iria rejeitar a permanência do país na Organização do Tratado do Atlântico Norte. O que se viu foi exatamente o inverso. É verdade que o número de votos favoráveis à tese defendida pelo governo do primeiro-ministro Felipe Gonzalez foi menor que a quantidade dos que sequer compareceram para votar. Ainda assim, as pesquisas não deixaram de errar. Afinal, não conseguiram detectar a intenção abstencionista do eleitorado.

Embora pareça impossível, o mesmo fenômeno pode se repetir na eleição de amanhã, para a renovação da Assembleia Nacional francesa. Eleições não se ganham e nem se perdem na véspera. Se fosse assim, não haveria, sequer, a necessidade das pessoas votarem. Bastaria que algum instituto que mede a opinião pública fizesse um levantamento por amostragem e que o preferido na pesquisa fosse apontado, antecipadamente, como vencedor. É esse caráter de imprevisibilidade que torna cada pleito eleitoral emocionante.

Entretanto, tudo leva a crer que o presidente francês não conseguirá reverter a situação que não lhe é favorável. E é nessa altura que o seu rompimento com os comunistas, verificado em 19 de julho de 1984, pode lhe ser fatal. O partido comandado por George Marchais, embora não esteja vivendo dos seus momentos mais brilhantes, tem plenas condições de pelo menos manter as 44 cadeiras de que dispõe. Ou, na pior das hipóteses, no caso de um desastre eleitoral completo, pode perder qualquer coisa como sete ou dez vagas. Ainda assim, se não houvesse ocorrido o mencionado desacordo, uma composição das forças da esquerda poderia garantir maioria, posto que frágil, aos socialistas, em um governo de coalizão.

Se as pesquisas de opinião forem confirmadas nas urnas, o melhor que Mitterrand terá a fazer será antecipar em dois anos as eleições presidenciais. Pelo sistema de governo francês, o parlamentarismo misto, embora o presidente prepondere sobre o primeiro-ministro, é este último que comanda a política interna. Ele que é o elo entre a presidência e o Parlamento. A coligação centrista, favorita, indicaria o novo premier e todo o gabinete. Em, logicamente, buscaria impor o seu programa. Acontece que a sua plataforma é , em pelo menos três ou quatro temas essenciais, diametralmente oposta à dos socialistas em especial no que se refere à estatização de empresas. Alguém teria que ceder para que não se instalasse o caos e esse seria, forçosamente, quem dispusesse de menor respaldo popular, no0 caso o presidente. A menos, portanto, que se esteja desenhando uma nova “zebra”, furando todos os prognósticos dos especialistas, tudo indica que o governo de François Mitterrand esteja chegando ao fim. É um panorama bem diferente daquele registrado em 1981, quando os franceses viveram a “febre cor de rosa”, da qual parece terem se curado depressa demais.

(Artigo publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 15 de março de 1986).



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: