Imagens enganadoras
Pedro J. Bondaczuk
A fotografia é um milagre, embora seja tão comum, trivial e
corriqueira, hoje em dia, ao ponto de não nos damos conta da
maravilha que é. Não houvesse eu nascido muitos anos após a sua
invenção, certamente consideraria impossível a mágica de captar
paisagens, pessoas e coisas, num determinado momento do tempo, e
eternizá-las. Hoje tudo pode (e é) fotografado, desde estrelas,
constelações e galáxias, tão distantes que já estão extintas há
milhões de anos, mas cuja luz só está chegando agora à Terra,
até o interior de um átomo.
Mais miraculosos, ainda, são os filmes, que nos permitem não
somente ver imagens estáticas, mas, principalmente, as em movimento,
eternizando ações. E podemos não somente “ver” pessoas agindo,
em uma representação ficcional ou na realidade (quando se trata de
notícia), mas ouvi-las, como se estivessem ali, à nossa frente,
agindo em tempo real, mesmo que já tenham, até mesmo, morrido há
muito tempo e delas só restem alguns fragmentos de ossos e os
cabelos, se tanto.
Esses processos são ou não miraculosos? Hoje em dia, qualquer
pessoa pode captar a imagem que quiser, com sofisticadíssimas
câmeras digitais e até com seus inseparáveis celulares, que se
tornaram multiuso, sem que isso cause admiração em ninguém.
Admirados os outros ficam se nos admirarmos desse milagre. Suspeito
que até os mais rudes silvícolas, com escassíssimos contatos com o
que chamamos de “civilização”, já disponham desses
equipamentos. E se não dispuserem, disporão a qualquer momento.
Mesmo valorizando esse “milagre” da modernidade, não posso,
porém, e não devo me esquecer que imagens podem ser sumamente
enganosas e, por extensão, enganadoras. Com os equipamentos
disponíveis, são facílimas de serem manipuladas e fraudadas. E as
fraudes, não raro, são tão perfeitas, que enganam aos mais
ilustres e competentes peritos.
O leitor talvez se lembre de um caso emblemático, que provocou muito
bochicho em meados dos anos 70 do século XX – em plena
efervescência da chamada Guerra Fria – na extinta União
Soviética. Tratava-se de uma fotografia do então homem forte do
império soviético, Leonid Brezhnev, com seu secretariado.
Parcos anos após, a mesma foto foi divulgada, se não me engano, no
“Pravda”, mas sem a presença de um dos colaboradores do ditador,
que havia caído em “desgraça política” (e isso porque
“pravda”, em russo, significa “verdade”. Imaginem se
significasse “mentira”!)..
A imagem foi tão bem fraudada, que parece que o sujeito se
“evaporou” da fotografia sem deixar o menor vestígio. O erro dos
fraudadores foi o de não destruírem a foto original. Bastou
comparar as duas, a que de fato foi tirada num determinado dia e a
fraudada, para descobrir a manipulação. E olhem que naquele tempo a
informática ainda engatinhava. Não havia, por exemplo, um Photoshop
ou outro dos fantásticos programas atuais de tratamento de imagens
quaisquer.
Se então essa enganação foi possível – tanto que foi praticada
– imaginem hoje. Quem sabe lidar bem com o instrumental existente,
pode manipular qualquer fotografia, sem que haja condições de
alguém comprovar a fraude. Nada me impede, por exemplo, de
colocar-me no solo lunar, deixando a marca das pegadas dos meus pés
em sua superfície, vestindo trajes de astronauta, como se houvesse
um dia viajado para o satélite natural da Terra. Nem é preciso
destacar que sequer em meus mais delirantes sonhos participei desse
tipo de odisseia. Estou longe de ser lunático!
Mas a fotografia não foi inventada para que pilantras mal-amados e
corruptos convictos a utilizassem para enganar quem quer que seja.
Essa miraculosa capacidade de fixar imagens tem, atualmente,
serventias muito mais nobres e úteis do que as meramente
informativas ou reminiscentes. Entre tantas utilidades, tem servido
de precioso instrumental, por exemplo, para médicos, em sua
incansável faina de salvar vidas.
É possível fotografar, por exemplo, nos mais variados ângulos que
se precise, qualquer parte do corpo humano. Essas fotos,
digitalizadas, podem ser salvas em computador. Programas recentes
permitem que sejam exibidas em três dimensões. E assim, se
corretamente trabalhadas, tendem a ser mais úteis e informativas aos
cirurgiões do que as velhas radiografias. Assisti, não faz muito,
um documentário a respeito no canal de televisão a cabo “Discovery
Science”.
Muitos médicos, mundo afora, já substituem as “velhas chapas”
de raios-x, e o equipamento que lhes permitia visualizá-las, na sala
de cirurgia, pelo computador, obviamente com vantagens. Com isso,
limitam a quase zero a possibilidade de cometerem erros ao operarem
algum paciente.
Recentemente, escrevi uma crônica, contestada por alguns, destacando
que a visão é um dos órgãos mais enganadores que nós, humanos,
temos, e expliquei as razões. Ressaltei, em especial, a questão do
ponto de vista. Se as imagens, em tempo real e ao vivo, nos induzem a
esmagadores enganos e, muitas vezes, fatais, imagine, amigo leitor, o
que não acontece com fotografias e filmes, passivos de manipulação
e fraude tão bem-feitas que se aproximam da perfeição?!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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