Friday, August 18, 2017

O poeta que soube se fazer ETERNO

Pedro J. Bondaczuk

Carlos Drummond de Andrade, nos primeiros versos do poema “Eterno”, desabafa:

E como ficou chato ser moderno
Agora serei eterno”.

Mal o poeta de Itabira sabia que estava sendo profético ao escrever isso. Provavelmente nem desconfiava que sua determinação em se eternizar já era, à altura em que escreveu o citado poema, uma realidade. Sim, Drummond, você é hoje muito mais do que moderno, já que a tal modernidade é efêmera e em pouco tempo se torna, num piscar de olhos, mera antiguidade. Algo carregado de patina, de poeira e de bolor. Transforma-se em coisa arcaica. Você sim, se vivo estivesse, poderia testemunhar que desde então é ETERNO. Eterníssimo! Imortal, com a única imortalidade possível a nós, humanos.

É mais do que oportuno lembrar tudo isso neste 17 de agosto de 2017, quando se completam exatos trinta anos do seu falecimento. Puxa!!! Já?!! Parece que foi ontem que o País chorou sua partida. E mesmo o brasileiro levando a fama de povo sem memória, você, meu poeta de Itabira, nunca foi esquecido. Estou seguro de que jamais o será. Você conquistou nossos corações e mentes com sua poesia. E o que ela tem de tão especial, que as composições de outros tantos poetas não têm. Tudo!!! Tem simplicidade. Tem autenticidade. Tem empatia. Tem genialidade. E olhe que estou sendo modesto em minha caracterização. Poderia dizer mais, muito mais, se tivesse competência para tal. Desconfio que não tenho.

Há poetas, no Brasil e no mundo, com potencial imenso para chegarem ao patamar que você chegou. Contudo, incorrem num erro comum. Entendem que a poesia, para ser boa e encantar, tem que ser mais enfeitada do que uma árvore de Natal. Todavia… não tem. Seus versos, todavia, são mágicos, e encantam, exatamente porque são simples, de imediato entendimento até para pessoas que não apreciam o gênero, algumas das quais são analfabetas de pai e mãe, mas que entendem e assimilam suas mensagens. Como São Francisco de Assis, seus poemas não precisam do último figurino da moda para impressionar. Impressionam mesmo com o surrado hábito semelhante ao do santo, que era amigo dos pássaros e dos animais, aos quais chamava de irmãos.

Para comprovar isso, selecionei algumas composições suas, e não das mais famosas, das milhares que brotaram da sua mágica pena, para partilhar com meus leitores (que são, também, mais seus do que meus). Como este poema intitulado “Cidadezinha qualquer”, em que você diz:

Casas entre bananeiras,
mulheres entre laranjeiras,
pomar, amor, cantar.


Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar...as janelas olham


Eta vida besta, meu Deus!”.


É a descrição, nua e crua, de milhares de cidades brasileiras, espalhadas por este País-continente, em que tudo caminha devagar, como se parado estivesse. Em algum momento, seus moradores, ou desabafaram (e desabafam), ou pelo menos pensaram (ou pensam): “Eta vida besta”. E não é? Claro que sim!

Em “Vida social”, você pinta com cores precisas o retorno de um poeta à sua cidadezinha natal, após brilhar em outras plagas, o que lhe confere prestígio entre os seus, mesmo que não o mereça. Você escreve:

O trem chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poetas vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da Terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.


Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê,
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.


O poeta entra no elevador,
o poeta sobe,
o poeta fecha-se no quarto.


O poeta está melancólico”.


E não é para ser tomado de melancolia? Quem sabe seu destino não será como o da cigarra, que “canta no sol danado”, mas “que ninguém aplaude”? E como é a vida do político (personagem mais do que em evidência neste Brasil pós-golpe, sobretudo quando cai em desgraça)? É exatamente como você descreve no poema “Política”:


Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.


Entrou a tomar porres
violentos, diários
e a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos,
se só os outros poetas eram imitados.


Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à-toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso;
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.


E teve vontade de se atirar
(só vontade).


Depois voltou para casa
livre, sem correntes,
muito livre, infinitamente
livre, livre, livre que nem uma besta,
que nem uma coisa”.


Este era um político poeta, já se vê. Os nossos, atuais, envolvidos em mil maracutaias, não têm tempo para poesia. Alguns não podem, nem mesmo, se aproximar do “rio moroso” e seus movimentos são monitorados por tornozeleiras eletrônicas, após serem denunciados a algum juiz com complexo daquele senador norte-americano dos anos 50, da época da caça às bruxas, no auge da Guerra Fria, Joseph Raymond McCarthy.

Poderia transcrever outros tantos e tantos e tantos poemas seus, inclusive os mais conhecidos da população (e esta é minha vontade), mas não o farei, até pela limitação de espaço neste meu canal de comunicação com um punhado (pequeno) de amantes da Literatura. Mas não poderia encerrar esta descompromissada reflexão sem transcrever o poema em que você trata de um sentimento para lá de universal, nestes tempos bicudos que vivemos, ou seja, “O medo”.


Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.


E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios vadeamos.


Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
doenças galopantes, fomes.


Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia
ventava, fazia frio em São Paulo.


Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.


Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno.
De nós, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.


Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?


Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas


de homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.


Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.


E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.


O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema, outras vidas.


Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.


Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,


eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo”.



Que falta que você nos faz, poeta, que soube se fazer mais do que moderno, mais do que moderníssimo, mais do que apenas original, mais do que originalíssimo. Você é, saudoso Carlos Drummond de Andrade, com todas as honras e méritos possíveis e imagináveis, simplesmente ETERNO!!!

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

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