O
poeta que soube se fazer ETERNO
Pedro
J. Bondaczuk
Carlos
Drummond de Andrade, nos primeiros versos do poema “Eterno”,
desabafa:
“E
como ficou chato ser moderno
Agora
serei eterno”.
Mal
o poeta de Itabira sabia que estava sendo profético ao
escrever isso.
Provavelmente nem
desconfiava que sua
determinação em se eternizar já era, à altura em que escreveu o
citado poema, uma realidade. Sim, Drummond, você é hoje muito mais
do que moderno, já que a tal modernidade é efêmera e em pouco
tempo se torna, num piscar de olhos, mera
antiguidade. Algo
carregado de patina, de
poeira e de
bolor. Transforma-se
em coisa arcaica. Você sim, se vivo
estivesse, poderia testemunhar que desde
então é ETERNO.
Eterníssimo! Imortal, com
a única imortalidade possível a nós, humanos.
É
mais do que oportuno lembrar tudo
isso neste 17 de agosto de
2017, quando se completam exatos
trinta anos do seu falecimento. Puxa!!! Já?!! Parece que foi ontem
que o País chorou sua partida. E mesmo o brasileiro levando a fama
de povo sem memória, você, meu poeta de Itabira, nunca foi
esquecido. Estou seguro de que jamais o será. Você conquistou
nossos
corações
e mentes com sua poesia. E o que ela tem de
tão especial, que as
composições de outros tantos poetas não têm.
Tudo!!! Tem simplicidade.
Tem autenticidade.
Tem empatia.
Tem genialidade.
E olhe que estou sendo modesto em minha caracterização. Poderia
dizer mais, muito mais, se tivesse competência para tal.
Desconfio que não tenho.
Há
poetas, no Brasil e no mundo, com potencial imenso para chegarem ao
patamar que você chegou. Contudo, incorrem num erro comum.
Entendem que a poesia, para ser boa e encantar, tem que ser mais
enfeitada do que uma árvore de Natal. Todavia… não tem. Seus
versos, todavia,
são mágicos, e encantam, exatamente
porque são simples, de
imediato entendimento até para pessoas que não apreciam o gênero,
algumas das quais são
analfabetas de pai e mãe, mas que entendem e assimilam suas
mensagens. Como São Francisco de Assis, seus poemas não precisam do
último figurino da moda para impressionar. Impressionam mesmo com o
surrado hábito semelhante ao do santo, que era amigo dos pássaros e
dos animais, aos quais chamava de irmãos.
Para
comprovar isso, selecionei algumas composições suas, e não das
mais famosas, das milhares que brotaram da sua mágica pena, para
partilhar com meus leitores (que são, também, mais seus do que
meus). Como este poema intitulado “Cidadezinha qualquer”, em que
você diz:
mulheres entre laranjeiras,
pomar, amor, cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar...as janelas olham
Eta vida besta, meu Deus!”.
É
a descrição, nua e crua, de milhares de cidades brasileiras,
espalhadas por este País-continente, em que tudo caminha devagar,
como se parado estivesse. Em algum momento, seus moradores, ou
desabafaram (e desabafam), ou pelo menos pensaram (ou pensam): “Eta
vida besta”. E não é? Claro que sim!
Em
“Vida social”, você pinta com cores precisas o retorno de um
poeta à sua cidadezinha natal, após brilhar em outras plagas, o que
lhe confere prestígio entre os seus, mesmo que não o mereça. Você
escreve:
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poetas vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da Terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.
Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê,
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.
O poeta entra no elevador,
o poeta sobe,
o poeta fecha-se no quarto.
O poeta está melancólico”.
E
não é para ser tomado de melancolia? Quem sabe seu destino não
será como o da cigarra, que “canta no sol danado”, mas “que
ninguém aplaude”? E como é a vida do político (personagem mais
do que em evidência neste Brasil pós-golpe, sobretudo quando cai em
desgraça)? É exatamente como você descreve no poema “Política”:
“Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.
Entrou a tomar porres
violentos, diários
e a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos,
se só os outros poetas eram imitados.
Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à-toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso;
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.
E teve vontade de se atirar
(só vontade).
Depois voltou para casa
livre, sem correntes,
muito livre, infinitamente
livre, livre, livre que nem uma besta,
que nem uma coisa”.
Este
era um político poeta, já se vê. Os nossos, atuais, envolvidos em
mil maracutaias, não têm tempo para poesia. Alguns não podem, nem
mesmo, se aproximar do “rio moroso” e seus movimentos são
monitorados por tornozeleiras eletrônicas, após serem denunciados a
algum juiz com complexo daquele senador norte-americano dos anos 50,
da época da caça às bruxas, no auge da Guerra Fria, Joseph Raymond
McCarthy.
Poderia
transcrever outros tantos e tantos e tantos poemas seus, inclusive os
mais conhecidos da população (e esta é minha vontade), mas não o
farei, até pela limitação de espaço neste meu canal de
comunicação com um punhado (pequeno) de amantes da Literatura. Mas
não poderia encerrar esta descompromissada reflexão sem transcrever
o poema em que você trata de um sentimento para lá de universal,
nestes tempos bicudos que vivemos, ou seja, “O medo”.
“Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo...
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno.
De nós, de vós, e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses.
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
de homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema, outras vidas.
Tenhamos o maior pavor.
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes...
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo”.
Que
falta que você nos faz, poeta, que soube se fazer mais do que
moderno, mais do que moderníssimo, mais do que apenas original, mais
do que originalíssimo. Você é, saudoso Carlos Drummond de Andrade,
com todas as honras e méritos possíveis e imagináveis,
simplesmente ETERNO!!!
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