Escritor ou “filósofo com
visão de profeta”?
Pedro J. Bondaczuk
.
No dia 21 de abril deste ano da graça de 2010, quando nossas
atenções estavam todas voltadas para o cinqüentenário de
Brasília, completaram-se cem anos da morte de um escritor que, na
definição do jornal “San Francisco Call” (feita naquela
ocasião) era “um profundo filósofo, com a visão de um profeta”.
Referia-se ao (também) jornalista Samuel Langhorne Clemens que ficou
conhecido no mundo das letras com o pseudônimo de Mark Twain e que,
para William Faulkner, foi o “pai da literatura norte-americana”.
Se foi mesmo, ou não, é questão para se discutir. O indiscutível
é que se tratou de um dos maiores escritores do seu e de todos os
tempos.
Escrevi muito a seu respeito, em crônicas e, sobretudo, ensaios.
Tudo o que disser sobre ele, portanto, não será novidade para meus
leitores mais antigos, embora o seja para os novos. Por isso, não
tenho o menor pudor em ser repetitivo ao reverenciar essa figura um
tanto controvertida para muitos, mas, sem dúvida, fascinante, e sua
obra aparentemente voltada para uma faixa etária específica, a dos
adolescentes, mas que só entendemos e damos o devido valor ao
atingirmos a maturidade.
Isso vale tanto para “As aventuras de Tom Sawyer” e sua seqüência
“Hucleberry Finn”, quanto para “O príncipe e o mendigo”,
entre os tantos dos seus livros, sendo este último o meu preferido.
Por que? Por suscitar reflexões sobre o poder, a riqueza e a
pobreza, o acaso, as circunstâncias e o comportamento das pessoas em
situações extremas de vida.
Trata-se, a meu ver, de um livro alegórico, de enredo sumamente
improvável, mas que o talento de Mark Twain, com seu estilo
coloquial de narrar tornou verossímil. A tal ponto que chegamos a
nos esquecer, se não da sua impossibilidade (costumo pensar duas
vezes antes de afirmar que algo é impossível), sua improbabilidade.
“O príncipe e o mendigo”, resumindo em poucas palavras, é a
história de dois irmãos gêmeos, separados no nascimento, com um
sendo criado num palácio real, com todas as regalias e luxos da
realeza, preparado para um dia assumir o trono e outro criado nas
ruas, por indigentes, sobrevivendo quase que por milagre.
Um dia, por uma dessas casualidades incomuns, mas que às vezes
surpreendentemente ocorrem, ambos se encontram. Conversam, falam de
suas respectivas vidas, percebem suas semelhanças físicas embora
sem atinar que sejam irmãos e desfiam suas respectivas queixas. Os
dois sentem-se insatisfeitos, por motivos bem diferentes, com suas
situações.
O príncipe, por exemplo, sentia-se entediado no palácio real e
sonhava com liberdade, com a amplidão do mundo, com mil e uma
aventuras. O mendigo, óbvio, não suportava a miséria, a sujeira, a
ignorância e a violência que o cercavam e ameaçavam. Resolvem,
pois, trocar de posição. Eram tão iguais, que ninguém notaria.
Ao cabo de algum tempo, todavia, cada qual anseia por retornar à
situação anterior. O príncipe sentiu na carne o que é ser
miserável e ter que batalhar, não raro, por reles pedaço de pão
amanhecido para comer. A lição, no entanto, lhe seria útil para
quando assumisse o destino do seu povo. Com o conhecimento
recém-adquirido, poderia ser compassivo e compreensivo com os mais
pobres.
O mendigo entendeu, por sua vez, o valor da liberdade para tomar as
próprias iniciativas. Além disso, compreendeu o quão fátuas e
inúteis se tornam as pessoas quando “amolecidas” por excesso de
luxo e o quanto são falsas as relações entre elas.
Parece uma história simples, banal, ingênua, dessas para serem
contadas à noite ao pé da cama das crianças, para fazê-las
dormir. E, de fato, é. Todavia, suscita inúmeras reflexões,
sobretudo sobre a vida. Eu, pelo menos, aprendi muito com ela. Seu
enredo, como seria de se esperar, foi levado aos palcos de teatro e
às telas de cinema, com grande sucesso em ambos os casos.
Mark Twain nasceu em 30 de novembro de 1835, quando o cometa Halley
começava a se aproximar da Terra e já podia ser visto por
telescópios. E, coincidentemente, morreu quando ele começava a se
afastar do nosso planeta, depois de proporcionar feérico e
inesquecível espetáculo e despertar fascínio nos esclarecidos e
terror nos ignorantes e supersticiosos, que entendiam que a sua
passagem, com toda aquela “pompa e circunstância”, era o
prenúncio do fim do mundo. Não era, evidentemente.
Escrevi uma crônica, a respeito, em 1986, quando da última passagem
desse – fascinante para uns e assustador para muitos – corpo
celeste, embora sem o brilho de 1910. E encerrei o referido texto da
mesma forma que encerro este. Ou seja, sugerindo que o gênio das
letras do seu tempo, o “pai da literatura norte-americana”, o
“profundo filósofo com visão de profeta”, chegou à Terra na
cauda do Halley, que quase 76 anos depois voltou para buscá-lo e
levá-lo para o infinito. E isso aconteceu há pouco mais de cem
anos...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment