Thursday, August 10, 2017

Cartas marcadas


Pedro J. Bondaczuk


O ensaísta norte-americano Henry David Thoreau, no ensaio "A desobediência civil", inserido em seu livro "Desobedecendo", clássico no gênero, observou: "Toda votação é um tipo de jogo, tal como damas ou gamão, com uma leve coloração moral, onde se brinca com o certo e o errado sobre questões morais; e é claro que há apostas nesse jogo. O caráter dos eleitores não entra nas avaliações. Proclamo meu voto --- talvez --- de acordo com meu critério moral, mas não tenho um interesse vital de que o certo saia vitorioso. Estou disposto a deixar essa decisão para a maioria".

O ensaio em questão foi escrito em meados do século passado e referia-se aos Estados Unidos, tidos e havidos como a democracia mais funcional de todos os tempos. As palavras de Thoreau, todavia, encaixam-se com perfeição ao Brasil da nossa época.

As eleições, entre nós, não passam de um jogo. Quem tem mais cacife consegue, como prêmio, o poder. Os ônus, no entanto, recaem, por inteiro, sobre a população. Daí o clima de desencanto, em relação aos políticos, por parte dos brasileiros.

O eleitor, pelo menos aquele bem informado, vota de conformidade com seus critérios morais. Procura escolher da melhor maneira possível, votando no candidato cujas propostas mais se aproximem do seu pensamento, do seu empenho pelo bem comum.

Nenhum, contudo, se empenha com afinco para que o certo prevaleça. Até porque, hoje em dia os valores estão tão confusos, que o cidadão acaba ficando sem referenciais éticos. Às vezes não consegue distinguir entre o certo e o errado. Por isso, a decisão, de fato, fica para a maioria.
A rigor, as eleições, no mundo contemporâneo, não passam de um grande teatro, quando não descambam para gigantesca farsa.

Por exemplo, é impossível descobrir o homem por trás do candidato, cuja imagem é pré-fabricada pelo marketing político. Eventuais méritos são aumentados. E quando o postulante ao poder não tem muitos, ou até nenhum, "arranja-se" algum para constar de seus currículos. Ainda assim, o sistema democrático, com todos os seus defeitos, é o que de melhor nós temos. A alternativa é a tirania.

O brasileiro, por exemplo, está aturdido, atarantado com o episódio envolvendo o ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, quando suas observações informais ao repórter Carlos Monforte, nos estúdios da Rede Globo, em Brasília, momentos antes de uma entrevista a essa emissora, deixaram claro que o governo do presidente Itamar Franco não vem mantendo a propalada isenção na atual campanha.

Resta apurar até que ponto vai este envolvimento e se algo de ilegal, além de imoral, está sendo praticado. Como se vê, as apostas, neste "jogo" eleitoral, estão bastante altas. O temor é o de que, mais uma vez, tudo venha a ser bancado pelos milhões de brasileiros famintos, doentes, sem teto e sem escola, cujo único "bem" que ainda possuem é a esperança de um país melhor.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de setembro de 1994).



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