Fuga do tempo
Pedro
J. Bondaczuk
O
poeta romano Virgílio, que entre tantas obras marcantes, é o autor
da epopéia “Eneida”, inicia uma das estrofes desse magistral
poema com estes versos definitivos: “Fugit irreparabile tempus”.
A tradução, mais ou menos livre, é: “O tempo foge
irreparavelmente”. E é o que, de fato, acontece, não é mesmo?
Desde o princípio do universo (que ninguém sequer tem a menor noção
de quando e como ocorreu), ele está em perpétua fuga, embora não
se saiba para onde. Mas foge…
Sem
nos darmos conta, a partir de determinado momento de nossas vidas,
nos tornamos escravos do tempo, presos a horários e relógios, a
compromissos que julgamos importantes e que, na verdade, pouco
importam. Esquecemos do fundamental, que é viver, usufruir das
delícias do amor, sem prazo ou compromisso, privar do prazer de uma
amizade sincera e sadia, aproveitar, descontraídos, momentos de
lazer e de satisfações.
Como
se livrar disso? Pela embriaguez! Não de álcool, claro, mas de
arte, de poesia, de bondade, de virtude e, sobretudo, de beleza,
gozados com genuíno entusiasmo, com sincero prazer, sem atentar para
horários, compromissos marcados ou relógios. É verdade que no
ritmo alucinante da chamada vida moderna, isto se torna,
virtualmente, impossível. Infelizmente!
O
tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais
feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças,
experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa
decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho
nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e,
por fim, nos suprime, sem nenhuma piedade ou contemplação, do mundo
dos vivos. Depois dos sessenta anos, é um choque para os
moderadamente vaidosos (e todos somos um pouco, embora alguns sejam
em excesso e até descambem para a egolatria) olhar diariamente no
espelho e descobrir inequívocos sinais de nossa decadência física.
Pior será se compararmos nossa imagem refletida com alguma
fotografia de quando eramos moços. Aí a coisa pega. É um horror!!!
Porém
os estragos que o tempo faz em nosso corpo (e se deixarmos, em nossa
alma) trata-se de lei inflexível da vida. Mas essa simbólica
criação humana (não o conceito, mas a sua medida) pelo menos é
justa, é democrática, não faz distinções. Causa esses mesmos
efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no
humilde; tanto no santo quanto no canalha. Embora transforme a todos,
sem comportar exceções, as transformações que produz em cada
pessoa, porém, raramente são iguais.
Alguns
conscientizam-se que, no essencial, todo o ser humano é igual, com
os mesmos potenciais de grandeza e de pequenez, de santo e de
demônio, de criador ou de destruidor. Estes, ao final da vida,
tornam-se humildes e compreensivos e se aproximam da sabedoria.
Outros, com base no que testemunham no mundo, têm a si próprios e
aos semelhantes na conta de farsantes, que dizem uma coisa, mas fazem
outra: tornam-se cínicos. Outros, ainda, descreem de tudo e de todos
e se transformam em cépticos empedernidos.
Cada
uma dessas opções, claro, traz consigo suas naturais conseqüências.
É evidente que o caminho mais sábio e prudente a seguir é o da
humildade. Porém... A verdade é que gastamos
um tempo imenso em “nos preparar para a vida”, aprendendo,
experimentando, tentando e nos instruindo para viver. Alguns,
todavia, sequer têm chance de pôr em prática todo esse aprendizado
(ou mesmo parte dele), colhidos que são, antes de exercitar o que
aprenderam, pela morte.
Outros
tantos (diria, a maioria), prolongam indefinidamente essa preparação
para a vida e nunca a executam. Quando pensam em fazer isso, já não
há tempo. O que temos que fazer é viver e aprender, mas
simultaneamente. É não perder nenhuma oportunidade para usufruir as
delícias que estiverem ao nosso alcance. É sermos naturais e
espontâneos e abertos às boas experiências, sem receio de falhar
ou de se ferir.
O
ser humano é a criatura vivente mais bem-sucedida da criação
graças à razão. E esta se manifesta, principalmente, por duas
funções: a inteligência (que é a capacidade de entendimento) e a
imaginação (a possibilidade de criar imagens do que sequer existe,
mas que pode existir se alguém o criar).
Entender
é fundamental e possibilita a geração de ideias. Imaginar, porém,
é mais nobre, pois se trata do dom de criar, quer conceitos, ideias
e teorias; quer obras materiais, casas, templos, túmulos,
monumentos, cidades e civilizações. Pode-se afirmar, pois, que foi
através da imaginação que o homem criou boa parte do que utiliza
para sobreviver, se valendo, claro, dos recursos da natureza. Foi por
seu intermédio que foram criadas as ciências (a astronomia, a
física. a química etc.), a tecnologia e as artes.
Ninguém
sabe (é óbvio) qual será a extensão da sua vida. Ou seja, de
quantos anos irá dispor para amar, odiar, sorrir, chorar, ter
sonhos, realizar, criar, enfim, viver. Por isso, manda a prudência,
não se deve desperdiçar o tempo, nem mesmo um reles segundo, com
picuinhas, com tolices, com pensamentos e ações negativos e
nocivos, com pessimismo, mau humor e tristezas (na maior parte
forjadas por nós mesmos).
Não
podemos perder nenhuma oportunidade, por menor que seja, para
realizar o que nos propusermos a fazer e mostrar ao mundo a que
viemos. É temerário, por exemplo, adiar o amor, alimentar o
egoísmo, não forjar o máximo de amizades e protelar a busca da
felicidade para um amanhã que, possivelmente, sequer teremos. Evan
Eser fez uma sábia constatação a respeito, sobre a qual é mister
refletir bastante, que diz: “Não podemos fazer muito sobre a
extensão de nossas vidas, mas podemos fazer muito sobre a largura e
a profundidade delas”. Então... mãos à obra. Afinal, “fugit
irreparabile tempus”, como adverte o poeta.
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