Thursday, August 10, 2017

Fuga do tempo

Pedro J. Bondaczuk

O poeta romano Virgílio, que entre tantas obras marcantes, é o autor da epopéia “Eneida”, inicia uma das estrofes desse magistral poema com estes versos definitivos: “Fugit irreparabile tempus”. A tradução, mais ou menos livre, é: “O tempo foge irreparavelmente”. E é o que, de fato, acontece, não é mesmo? Desde o princípio do universo (que ninguém sequer tem a menor noção de quando e como ocorreu), ele está em perpétua fuga, embora não se saiba para onde. Mas foge…

Sem nos darmos conta, a partir de determinado momento de nossas vidas, nos tornamos escravos do tempo, presos a horários e relógios, a compromissos que julgamos importantes e que, na verdade, pouco importam. Esquecemos do fundamental, que é viver, usufruir das delícias do amor, sem prazo ou compromisso, privar do prazer de uma amizade sincera e sadia, aproveitar, descontraídos, momentos de lazer e de satisfações.

Como se livrar disso? Pela embriaguez! Não de álcool, claro, mas de arte, de poesia, de bondade, de virtude e, sobretudo, de beleza, gozados com genuíno entusiasmo, com sincero prazer, sem atentar para horários, compromissos marcados ou relógios. É verdade que no ritmo alucinante da chamada vida moderna, isto se torna, virtualmente, impossível. Infelizmente!

O tempo é, simultaneamente, nosso mais benigno amigo e nosso mais feroz inimigo. Dá-nos satisfações, sucessos, amores, lembranças, experiências e, por fim, sabedoria. Mas, em contrapartida, causa decadência física, sulca de rugas nosso rosto, pinta de grisalho nossos cabelos, suprime o brilho do entusiasmo dos nossos olhos e, por fim, nos suprime, sem nenhuma piedade ou contemplação, do mundo dos vivos. Depois dos sessenta anos, é um choque para os moderadamente vaidosos (e todos somos um pouco, embora alguns sejam em excesso e até descambem para a egolatria) olhar diariamente no espelho e descobrir inequívocos sinais de nossa decadência física. Pior será se compararmos nossa imagem refletida com alguma fotografia de quando eramos moços. Aí a coisa pega. É um horror!!!

Porém os estragos que o tempo faz em nosso corpo (e se deixarmos, em nossa alma) trata-se de lei inflexível da vida. Mas essa simbólica criação humana (não o conceito, mas a sua medida) pelo menos é justa, é democrática, não faz distinções. Causa esses mesmos efeitos tanto no rico quanto no pobre; tanto no poderoso quanto no humilde; tanto no santo quanto no canalha. Embora transforme a todos, sem comportar exceções, as transformações que produz em cada pessoa, porém, raramente são iguais.

Alguns conscientizam-se que, no essencial, todo o ser humano é igual, com os mesmos potenciais de grandeza e de pequenez, de santo e de demônio, de criador ou de destruidor. Estes, ao final da vida, tornam-se humildes e compreensivos e se aproximam da sabedoria. Outros, com base no que testemunham no mundo, têm a si próprios e aos semelhantes na conta de farsantes, que dizem uma coisa, mas fazem outra: tornam-se cínicos. Outros, ainda, descreem de tudo e de todos e se transformam em cépticos empedernidos.

Cada uma dessas opções, claro, traz consigo suas naturais conseqüências. É evidente que o caminho mais sábio e prudente a seguir é o da humildade. Porém... A verdade é que gastamos um tempo imenso em “nos preparar para a vida”, aprendendo, experimentando, tentando e nos instruindo para viver. Alguns, todavia, sequer têm chance de pôr em prática todo esse aprendizado (ou mesmo parte dele), colhidos que são, antes de exercitar o que aprenderam, pela morte.

Outros tantos (diria, a maioria), prolongam indefinidamente essa preparação para a vida e nunca a executam. Quando pensam em fazer isso, já não há tempo. O que temos que fazer é viver e aprender, mas simultaneamente. É não perder nenhuma oportunidade para usufruir as delícias que estiverem ao nosso alcance. É sermos naturais e espontâneos e abertos às boas experiências, sem receio de falhar ou de se ferir.

O ser humano é a criatura vivente mais bem-sucedida da criação graças à razão. E esta se manifesta, principalmente, por duas funções: a inteligência (que é a capacidade de entendimento) e a imaginação (a possibilidade de criar imagens do que sequer existe, mas que pode existir se alguém o criar).

Entender é fundamental e possibilita a geração de ideias. Imaginar, porém, é mais nobre, pois se trata do dom de criar, quer conceitos, ideias e teorias; quer obras materiais, casas, templos, túmulos, monumentos, cidades e civilizações. Pode-se afirmar, pois, que foi através da imaginação que o homem criou boa parte do que utiliza para sobreviver, se valendo, claro, dos recursos da natureza. Foi por seu intermédio que foram criadas as ciências (a astronomia, a física. a química etc.), a tecnologia e as artes.

Ninguém sabe (é óbvio) qual será a extensão da sua vida. Ou seja, de quantos anos irá dispor para amar, odiar, sorrir, chorar, ter sonhos, realizar, criar, enfim, viver. Por isso, manda a prudência, não se deve desperdiçar o tempo, nem mesmo um reles segundo, com picuinhas, com tolices, com pensamentos e ações negativos e nocivos, com pessimismo, mau humor e tristezas (na maior parte forjadas por nós mesmos).

Não podemos perder nenhuma oportunidade, por menor que seja, para realizar o que nos propusermos a fazer e mostrar ao mundo a que viemos. É temerário, por exemplo, adiar o amor, alimentar o egoísmo, não forjar o máximo de amizades e protelar a busca da felicidade para um amanhã que, possivelmente, sequer teremos. Evan Eser fez uma sábia constatação a respeito, sobre a qual é mister refletir bastante, que diz: “Não podemos fazer muito sobre a extensão de nossas vidas, mas podemos fazer muito sobre a largura e a profundidade delas”. Então... mãos à obra. Afinal, “fugit irreparabile tempus”, como adverte o poeta.



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