Amor multiforme
Pedro J. Bondaczuk
A palavra “amor” é uma das tantas que deveriam ser usadas,
apenas, no plural. Diz tanta coisa e às vezes não diz nada. Não
raro, reveste-se de extrema ambigüidade e não define coisa alguma
ou é mero rótulo de sentimentos que, muitas vezes, são exatamente
seu antônimo. Não temos na vida “um” amor, mas “vários”
amores: o por uma parceira e cúmplice que nos acompanhe a vida toda
para o que der e vier e que culmine por nos proporcionar a glória da
paternidade; o pelos pais e filhos; o da amizade (que é uma das suas
formas mais nobres e louváveis), o por uma causa etc.etc.etc.
Todas essas manifestações de afeto, porém, têm uma característica
essencial: compromisso. No caso da mulher dos nossos sonhos, fica
tácita a existência fundamental da fidelidade. No dos pais e dos
filhos, está implícita a mútua ajuda em toda e qualquer
circunstância da vida; no da amizade, a disponibilidade de partilhar
sucessos e fracassos, ajudar e ser ajudado, concordar, discordar,
censurar, aconselhar e vai por aí afora.
Lutar sozinhos, por maior que seja a nossa força, por mais
preparados e aptos que estejamos e por maior determinação que
possamos ter, é tarefa inglória e sem sentido. Não passa de
desperdício de talento e de vontade. Mesmo que atinjamos nossos
objetivos, não importa quantos e quais, essas vitórias serão
apenas parciais. Em vez de satisfação por elas, o sentimento que
teremos será o de tédio, do vazio sem fim na alma.
Careceremos de motivação maior que nos fortaleça e nos blinde
contra tropeços e fracassos. Tudo o que fazemos, sem a mínima
exceção, é voltado para alguém. Queremos ser reconhecidos e até
louvados, mas nossos próprios reconhecimentos ou louvores não
contam: soam ocos, falsos, inúteis, senão ridículos.
Temos necessidade vital de uma alma gêmea, para cumprirmos nosso
papel no mundo e fazermos aquilo para o que fomos “programados”,
através da natureza: darmos continuidade à vida. E isso,
convenhamos, nunca poderemos fazer sozinhos. Ademais, nada terá
sentido se não tivermos com quem partilhar alegrias, tristezas,
vitórias, derrotas etc.etc.etc., ou seja, cada milímetro do nosso
corpo, coração e alma, agindo, reciprocamente, em relação à
parceira que nos couber.
Sozinhos, somos apenas metade de um todo. Somos incompletos. Nem
sempre somos bem-sucedidos nessa implícita parceria. Podemos trocar
um grande amor que se acabou por outro nascente, de igual intensidade
ou, quem sabe até, mais intenso, mas não conseguimos, jamais,
apagar da memória as lembranças que ele deixou.
O cheiro, a voz, o sabor dos beijos, os momentos de arrebatamento e
paixão de alguém, que um dia amamos, tornam-se indeléveis,
indestrutíveis, inesquecíveis impregnados em nossos corpos e
mentes. Mágoas e sofrimentos podem ser (e viam de regra são)
esquecidos com o passar do tempo, que tudo muda e cura todas as
dores, físicas ou emocionais.
Mas as boas lembranças... estas permanecem para sempre conosco,
enquanto vivermos, como nosso patrimônio pessoal. E elas não
significam “traição” à nova amada, como se pode supor, pois
esta, também, provavelmente, tem um acervo considerável de
recordações dos seus amores anteriores (ou de fantasias amorosas,
se nunca antes amou alguém). Podemos controlar pensamentos e até
instintos, mas os sentimentos... são incontroláveis.
Muitas pessoas “matam” um grande amor com pequenas coisas. Ciúmes
exagerados, expressados mediante palavras mordazes e ferinas e gestos
ofensivos. picuinhas que consideram ofensas maiúsculas e
imperdoáveis e tentativas de dominação, são alguns dos venenos
que envenenam os mais sadios e estáveis relacionamentos.
Não raro, as pessoas que agem assim sequer se dão conta da
gravidade dessas atitudes. Quando se apercebem... geralmente é
tarde. Daí, vêm o arrependimento e um rosário de lágrimas e
lamentações. Se o arrependimento matasse! O amor é caprichoso:
quanto mais sólido parece ser, mais frágil, na verdade, é.
Requer permanente vigilância sobre palavras e atos e repudia mínimos
gestos de hostilidade, que não condizem com a delicadeza desse
sentimento. Alguns, no entanto, despencam nesse poço sem fundo da
vaidade e nele só encontram absoluta falta de luz e uma solidão sem
tamanho.
Todos os amores se parecem, em seu nascimento e manifestações, mas
não há dois que sejam exatamente iguais. Podem até não variar em
intensidade, mas se diferenciam, uns dos outros, por nuances,
personalidades dos parceiros, circunstâncias e maneiras de se
expressar.
Uns, são rudes, como as flores do campo e outros, sofisticados e
ternos, mas em ambos a essência do sentimento está presente, viva e
intensa Queiram ou não os pseudorracionalistas, o amor é
experiência única, original e transcendental na vida de cada
pessoa, não importa a forma com que se manifeste.
Não me refiro, óbvio, à mera atração sexual, importante, mas que
sozinha não é, sequer, arremedo desse maiúsculo sentimento.
Afinal, ele não envolve apenas dois corpos que se atraem, mas
pensamentos, sentimentos, experiências e vidas. Há amores tão
parecidos e, no entanto, tão originais e tão únicos! Pablo Neruda
escreve, a respeito, nos versos de encerramento do poema “Não
somente o fogo”:
“Ai, vida minha,
não apenas o fogo entre nós arde
mas toda, toda a vida, a simples história
o simples amor
de uma mulher e um homem
parecidos a todos”.
Parecidos, é verdade, mas sempre originais. Todavia, reitero que o
amor é multiforme. Deveria, portanto, ser, sempre, grafado no
plural!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment