Do
paraíso da democracia ao caudilhismo
Pedro
J. Bondaczuk
Para
quem nunca conheceu o Paraíso, o Inferno até que é um bom lugar.
Mas para quem foi expulso dele, após gozar das suas delícias,
qualquer outro lugar, por melhor que seja, acaba equiparado às
plagas infernais. A comparação acima cabe como uma luva aos nossos
vizinhos da República Oriental del Uruguay, considerado, em passado
não muito remoto, como o primeiro Estado de assistência social da
América Latina, cantado, em prosa e verso, como a “Suíça da
América do Sul”.
Desde
o início do século, os uruguaios obtiveram extraordinário
desenvolvimento, atípico em termos latino-americanos. Com o notável
progresso, vieram amplas leis trabalhistas, avançadíssimas mesmo
quando comparadas às da Europa Ocidental, com planos de
aposentadoria e habitação ara os pobres e os idosos, assistência à
maternidade e infância, educação gratuita e amparo aos
deficientes.
Mas
as conquistas do Uruguai não pararam por aí. Acompanhando os
notáveis avanços econômicos e sociais, o país teve um inédito no
continente, de estabilidade social, criando, para gerir os próprios
destinos, um sistema colegiado, do tipo suíço, composto de nove
homens, chamado de “Conselho Executivo de Coalizão”, eleito para
um período de quatro anos. E, pasmem senhores, numa América Latina
onde dificilmente algum regime sobrevive a quatro anos em média,
onde o individualismo, a corrupção e a ambição pessoal falam mais
alto do que qualquer sentimento de nacionalidade ou de dedicação à
causa pública, esse processo de gestão sobreviveu por 14 anos! Isso
mesmo, de 1952 a 1966, quando algum tresloucado teve a infeliz ideia
de restituir o país ao sistema presidencialista.
A
partir daí, começou a derrocada uruguaia. A maravilhosa experiência
desse povo, que assombrava o mundo, foi levada de roldão pelos
interesses escusos de vários grupos de caráter econômico e
estratégico-militar, vindos do Exterior, que arrasaram com a
estabilidade do Uruguai como um imenso rolo compressor. Para
complicar, o primeiro presidente eleito nessa fase, o general Oscar
Gestido, escolhido em 1966, não conseguiu cumprir4 sequer um ano de
seu mandato, falecendo em 1967. Assumiu o governo o seu vice, Jorge
Pacheco Areco.
Vieram
as más gestões econômicas, com o consequente crescimento da
inflação, achatamento salarial e descontentamento trabalhista, que
em pouco tempo descambou para a anarquia. A tal ponto que, em 1969,
Areco decretou um herético estado de sítio. Vieram as
radicalizações dos extremos, da esquerda e da direita. Durante toda
uma década, os guerrilheiros tupamaros tornaram-se verdadeiro terror
no Uruguai. Até que Juan Maria Bordaberry entregou, literalmente, o
comando do governo aos militares.
De
insucesso em insucesso, de tropeço em tropeço, os uruguaios caíram
na atual situação, em que a imprensa está amordaçada por uma
feroz censura, que já puniu, desde 1981 (quando o atual general de
plantão no poder, Gregório Alvarez, assumiu, depois de outro golpe
de Estado) 30 órgãos de comunicação. As prisões, que nada ficam
a dever às masmorras medievais, estão abarrotadas de presos
políticos, que não têm respeitados seus comezinhos direitos. Os
partidos estão proscritos e o regime brinca de “dá e tira”, em
torno de um muito falado, e pouco praticado, projeto de abertura.
É
esse deprimente estado de coisas que o ex-senador cassado, do
tradicional Partido Blanco, Wilson Ferreira Aldunate, sonha mudar.
Após longos e penosos anos de exílio, ele retorna à pátria,
“recepcionado” por um esquema de guerra, montado pelos
detentores do poder para silenciá-lo. Como se um único cidadão
pudesse colocar em risco uma “segurança nacional” que há muito
não existe. Aldunate, no atual quadro institucional, simboliza a
reconquista de tudo o que o povo uruguaio já teve, mas acabou
perdendo em razão de uma sucessão de erros de enfoque e do empenho
de grupos interessados em militarizar o “Cone Sul”.
A
população do Uruguai, neste momento, tem todos os motivos do mundo
para sentir-se amargurada. Afinal, deixou o Paraíso da democracia
plena , em que o país era raro modelo de estabilidade em um mundo
instável para despencar de ponta cabeça no Inferno do caudilhismo,
que sempre desgraçou este nosso pobre e atrasado continente.
(Artigo
publicado na editoria Internacional do Correio Popular, em 17 de
junho de 1984).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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