Thursday, August 17, 2017

URV ainda é incógnita


Pedro J. Bondaczuk


O País, com a criação da Unidade Real de Valor, acaba de embarcar numa nova experiência, cujo resultado não se pode prever por enquanto, já que nada do gênero havia sido tentado antes. Os trabalhadores de várias categorias garantem que vão ter perdas, em decorrência da fórmula adotada para a passagem de seus salários para a URV. Talvez.

O novo indexador, todavia, tem o mérito de preservar a remuneração real, doravante, da voracidade de uma inflação de 40% mensais. Nesse aspecto, não há dúvida, tratou-se de um avanço.

O novo plano de estabilização econômica vai dar certo? Trata-se de mais um estelionato eleitoral, conforme acusações dos adversários do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso? Só o tempo poderá responder a essas questões.

Nunca é demais reiterar que a inflação nunca foi vencida por decreto. Caso a solução fosse tão simples, muita gente já teria lançado mão dela, até para entrar para a história.

Desta vez, pelo menos, não houve confisco de poupança, nem congelamento (irreal) de preços, o que seria impossível de fiscalizar num país de dimensões continentais como o nosso, e nem qualquer quebra dos contratos vigentes. Menos mau.

Para que o plano dê certo e a inflação venha de fato a ser derrubada, é preciso que todos façam a sua parte. Não se trata de aderir cegamente ao programa de estabilização e certamente nem é isso o que Fernando Henrique Cardoso pretende. Percebeu-se, nos últimos dias, que o ministro está aberto a críticas, ao diálogo e até mesmo a correções de rumo nas eventuais falhas que surgirem.

Também neste aspecto é possível se vislumbrar mudança de mentalidade. Houve inegável avanço. O Plano Cruzado naufragou exatamente porque seus condutores não realizaram os ajustes que se faziam necessários, que eram impopulares e poderiam fazer o PMDB perder as eleições de 1986. Por não quererem ceder os anéis, na oportunidade, acabaram perdendo os dedos.

Não compete, porém, apenas à sociedade a tarefa de derrubar a inflação. Afinal, os empresários, os banqueiros e os trabalhadores não emitem moeda. Apenas o governo tem esse poder. Por tal razão, é preciso, e urgentemente, reduzir as dimensões do Estado, para tornar a máquina estatal enxuta, ágil e não tão perdulária quanto é atualmente.

É vital que o déficit público seja de fato zerado. O processo de privatização, com as devidas cautelas, para não se transformar em mera doação do patrimônio público, tem que continuar e ser acelerado. O Congresso, por seu turno, tem que ser corresponsabilizado.

Decisões demagógicas, como a que os congressistas tentaram adotar, perdoando as dívidas dos grandes latifundiários com o Banco do Brasil, não podem mais ser toleradas.

Nunca é demais ressaltar que a alta de preços não é a inflação, mas apenas seu reflexo. A população está extremamente desinformada a esse respeito. O processo inflacionário é sempre deflagrado pelo governo, que é o único com o poder de emitir moeda.

Trata-se de emissão de meio circulante, sem lastro na produção, feita, geralmente, para cobrir despesas excessivas do Estado, muitas das quais (diríamos, a maioria) supérfluas. No próximo mês, o quadro econômico, com a introdução da URV, estará mais claro, possibilitando uma avaliação mais criteriosa dos resultados. Por enquanto, só resta torcer para que o plano dê certo.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, da Folha do Taquaral, em 5 de março de 1994).



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