Única resposta
Pedro J. Bondaczuk
“O amor é a única resposta
sadia e satisfatória para o problema da existência humana”. A
enfática conclusão é do psicanalista, sociólogo, filósofo e
escritor alemão Erich Fromm.
Como se vê, não
se trata de nenhuma frase feita, de algum poeta de ocasião, e nem (o
que seria pior), de algum garoto apaixonado, ávido por conquistar a
admiração e a reciprocidade da ingênua namoradinha (estas ainda
existem, suponho).
A declaração, portanto,
(vinda de quem veio) tem significado muito mais profundo e filosófico
do que pode insinuar sua leitura, se for apressada e sem a devida
reflexão. O amor é tão poderoso, e tem um caráter regenerador de
tal sorte eficaz, que Santo Tomás de Aquino chegou a propor que a
humanidade se entregasse ao seu governo, como única alternativa para
as guerras, tiranias, injustiças, corrupções, violências,
vilanias etc.etc.etc. que a assolam desde sempre. Utopia, é claro.
Contudo, pelo menos teoricamente, factível.
Se todos, absolutamente todos
se amassem, sem reservas e restrições, o mundo seria um paraíso e
a vida uma sucessão de venturas e de delícias. A História e a
Literatura registram magníficos episódios de amor, que ilustram o
seu poder e importância. Um dos mais célebres é a criação do
gênio de Stratford-upon-Avon, William Shakespeare, “Romeu e
Julieta”, que mesmo passados mais de quatro séculos da sua
criação, ainda comove multidões ao redor do mundo. Claro que
também me comovo com a fidelidade desse casal de meninos. Mas não é
minha história de amor favorita. Por que? Por causa do final trágico
e infeliz.
Minha predileção recai sobre
uma narrativa bíblica. Encantam-me e me seduzem o sacrifício, a
fidelidade e a constância do patriarca Jacó para conquistar o
direito de viver com sua amada Raquel. Naqueles remotos tempos,
convém lembrar, os casamentos eram, em grande medida, verdadeiras
transações comerciais (desconfio que a maioria ainda seja, em pleno
século XXI, posto que sob inúmeros disfarces). O sujeito, para
arranjar uma esposa, tinha que oferecer alguma vantagem, de
preferência patrimonial, à família dela.
Jacó apaixonou-se
perdidamente, e à primeira vista, pela jovem e bela pastora Raquel.
Mas não tinha o que oferecer ao seu cúpido pai, Labão. Sem o
consentimento deste, seu amor seria estéril, frustrado e vão. O que
ele fez? Ofereceu-se para trabalhar, de graça, como escravo, em
troca, apenas, de comida e de abrigo, por um certo período, como
pagamento para obter o “sim” do astucioso e voraz homem que
pretendia viesse a ser seu sogro. Mas o trato não era de apenas
alguns meses, ou de um ano, mas de sete!
O negócio foi fechado e Jacó
submeteu-se às mais duras tarefas que se possa pensar, sem vacilar
um só instante e sem arrependimento. Sempre que a exaustão ameaçava
acabar com suas forças, olhava o perfil da amada e adquiria ânimo
redobrado para prosseguir em tão áspera empreitada. O tempo, porém,
passou. Um belo dia, os sete anos combinados se esgotaram. E o que
fez Labão naquela oportunidade? Cumpriu o que fora acordado? Longe
disso! Em vez de conceder a mão de Raquel ao jovem apaixonado,
conforme o combinado, deu-lhe, por esposa, sua outra filha: Lia.
Qualquer pessoa normal, por
mais apaixonada que estivesse, desistiria da amada e se contentaria
com o que obtivera. Mesmo sabendo-se enganada (e principalmente por
isso), iria curtir sua imensa dor-de-cotovelo em outra parte
qualquer, até que esta amainasse com o tempo, que é santo remédio
para quase tudo. Mas Jacó não era um qualquer. Insistiu na mão de
Raquel e, para tanto, aceitou trabalhar mais sete longos e exaustivos
anos por ela, sem qualquer garantia de sucesso.
Submeteu-se, pois, de novo, às
mais duras tarefas, agora mais velho e enfraquecido. Manteve,
todavia, a mesmíssima determinação anterior. Suportou tudo com
paciência e resignação. Findo, porém, esse período, pôde,
finalmente, gozar da companhia de quem lhe era tão preciosa e,
sobretudo, indispensável; por quem estava disposto a sacrificar não
somente a mocidade, a liberdade e a fortuna (se tivesse), mas a
própria vida.
Essa maravilhosa (e verídica)
história inspirou o maior poeta de língua portuguesa de todos os
tempos, Luiz Vaz de Camões, que compôs este basilar soneto a
propósito:
“Sete anos de pastor Jacó
servia
Labão, pai de Raquel,
serrana bela;
mas não servia ao pai,
servia a ela,
e a ela só por prêmio
pretendia.
Os dias, na esperança de
um só dia,
passava, contentando-se com
vê-la;
porém o pai, usando de
cautela,
em lugar de Raquel, lhe
dava Lia.
Vendo o triste pastor que
com enganos
lhe fora assim negada a sua
pastora
como se a não tivera
merecida,
começa a servir outros
sete anos,
dizendo: ’mais servira se
não fora
para tão longo amor tão
curta a vida!’”.
Lindo, não é verdade?!
Jacó foi para lá de
recompensado por sua fidelidade e constância. Raquel, além de lhe
adoçar e justificar a vida, gerou-lhe doze filhos, que vieram a se
constituir nas doze tribos de Israel e foram as sementes de uma
vigorosa nação, que subsiste até hoje nos seus milhões de
descendentes. O patriarca hebreu encontrou, portanto, no amor, “a
única resposta sadia e satisfatória” para o problema da sua
existência. E balizou, com sua atitude, nosso caminho. Mostrou onde
podemos encontrar a luz para que nossas vidas, igualmente, não sejam
vazias e vãs, mas tenham sentido e grandeza.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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